A Feiticeira de Leonor Fini

A Feiticeira é um quadro da pintora Leonor Fini feito em 1935 ou 1936.

Quando o artista Andrien de Menasce fotografou sua colega, a pintora Leonor Fini, em frente à grande esfinge do Egito em 1951, talvez tenha sido o momento de apogeu da identificação de Fini com o mítico monstro.1 O interesse da pintora pelas as esfinge havia começado muitos anos antes e os seres mitológicos Esfinges povoam telas suas como a famosa Pastora de Esfinges e a melancólica Pequena Esfinge Eremita entre outras. Com uma compreensão clara da experiência dos desafios de ser uma mulher, e uma mulher artista, Leonor Fini se aproximou de outro personagem feminino de forte carga simbólica: a bruxa.

Ao longo de sua carreira de décadas, Leonor Fini representou a bruxa em algumas ocasiões. Longe dos estereótipos de uma velha asquerosa com péssimas intenções, vemos no quadro a figura de uma jovem mulher cuja a vassoura e os longos cabelos são os únicos atributos – junto com o título – que remetem à bruxaria. Com o rosto sereno, os seios à mostra, a personagem varre diferentes detritos (?) do chão.

Apesar da placidez de toda a cena, permanece um sentimento de mistério e indagação. Ela consegue voar? Suas roupas em farrapos irão cair no chão e serão varridas também? A dubiedade da pintura ainda convida a questionamentos sobre a perseguição às bruxas, fins da idade média. Onde vemos apenas uma simples mulher ocupada com seus afazeres, juízes e perseguidores de séculos passados viam agentes satânicos, mulheres que haviam trocado a própria salvação espiritual pelos prazeres terrenos. Afinal, quem seria a feiticeira de Leonor Fini?

A Feiticeira de Leonor Fini
A Feiticeira de Leonor Fini (1935 ou 1936). Foi leiloado na casa Christies em 2008 e arrematado por quase 30 mil libras. Fonte: Christie’s

Décadas após A Feiticeira, um dos amigos da artista, Xavier Gaulthier, relembra uma ocasião em que ela mais uma vez decidiu retratar a bruxa, ou melhor, bruxas: “deitada em seu sofá, rodeada de gatos, Leonor Fini] desenhava uma série de bruxas ( cada uma com sua cabeça demônio e de morte). Enquanto ela desenhava, ela emitia gritos agudos e penetrantes.” Não se sabe se o desenho de bruxas que Leonor fazia era o mesmo leiloado pela casa Christie’s em 2004. Em fundo vermelho e cinco figuras montadas em vassouras, pode-se aventar a possibilidade de ser precisamente aquele desenho visto Gauthier.

Uivando e gritando enquanto fazia desenhos de bruxas, Leonor Fini demonstra que as feiticeiras eram para si muito mais que um tema interessante de trabalho. Da mostra disso, sua declaração de que “em nosso século, muitas mulheres livres, enquanto dormem no fantástico, reconhecem a si próprias na figura da bruxa“.2 Fini diria mais de uma vez que a relação entre mulheres e as bruxas era mais profunda e significativa: “Os sinais da bruxa estão espalhados, como os de uma constelação… Ela [a bruxa] é o ponto de encontro das mulheres que afirmam não querer igualdade com os homens, mas uma feminilidade mais livre, mais intuitiva, menos socializada.3

Bruxas de Leonor Fini
Composição com Bruxas feita por Leonor Fini em 1975. Fonte: Christie’s.

A relação entre mulheres e intuição, longe de ser uma unanimidade, dispõem de defensores – reforçando o poder da intuição feminina, sem paralelos em qual outro gênero – e questionadores, muitos dos quais feministas que põem em dúvida a ideia de essência feminina, menos conectada com o racional. 

Apesar de seu apreço pelas bruxas e figuras femininas, há ainda um cartão produzido pela artista que traz uma feiticeira em pleno voo com um gato nas costas, Leonor Fini não se dizia feminista:  “eu não sou feminista. Eu odeio ser considerada como uma feminista…Eu sou uma pintora, não uma mulher pintora”.4 

Frase que soa paradoxal, não apenas em vista de suas Bruxas e Esfinges, mas também de quadros como Retrato de Nico e Fato Consumado. Ou talvez a partir da  empreitada anti-padrões e rótulos que foi, em grande medida, a carreira de Leonor, a fala faça total sentido.

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Referências

  1. Grew, Rachael (2021). Black goats and broomsticks: Feminism and the figure of the witch in Leonor Fini’s designs for Le Sabbat. Loughborough University. p. 13-28. https://hdl.handle.net/2134/13721611.v1Aqui p. 13.  ↩︎
  2. Grew, Rachael (2021). Black goats and broomsticks: Feminism and the figure of the witch in Leonor Fini’s designs for Le Sabbat. Loughborough University. p. 13-28. https://hdl.handle.net/2134/13721611.v1Aqui p. 18. ↩︎
  3. Grew, Rachael (2021). Black goats and broomsticks: Feminism and the figure of the witch in Leonor Fini’s designs for Le Sabbat. Loughborough University. p. 13-28. https://hdl.handle.net/2134/13721611.v1Aqui p. 18. ↩︎
  4. GREW, Rachel. 2016. Feathers, flowers, and flux: artifice in the costumes of Leonor Fini. IN: Allmer, P. (ed.) Intersections: Women / Surrealism / Modernism, Manchester, p. 380. ↩︎

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