Para se entender Leonor Fini, precisamos considerar alguns temas que aparecem, de novo e de novo, em quadros seus de diferentes épocas. Elegemos aqui 4 personagens que podem nos ajuda a entender o estilo e a obra da ítalo-argentina e suas preocupações enquanto artista.

Esfinges, personagens para se entender Leonor Fini e sua arte
Em A Pequena Esfinge Guardiã, Leonor Fini trás, muito provavelmente, seu personagem favorito. Para se entender Leonor Fini, devemos lembrar que a artista tinhas as esfinges não apenas como fontes de inspiração ou motivo artístico: elas eram seu alter-ego. No inicio de sua carreira, entre as décadas de 1930 e 1940, Leonor retratou esfinges nos mais diversos contextos. Podemos citar A Pastora de Esfinges, comprada pela célebre colecionadora Peggy Guggenheim e que apresenta uma profusão de esfinges.
O quadro em questão talvez seja aquele que melhor comunique a relação que Fini estabeleceu com a esfinge. Pintado logo após o diagnóstico e tratamento de um câncer, a pequena criatura nos aparece integra porém com uma postura melancólica (ou talvez cansada), transparecendo o estado mental de Leonor Fini. Você pode ler mais sobre o quadro clicando aqui.

Fato Consumado, 1967
Ao longo de sua carreira, Leonor Fini pintou mulheres nas mais diversas poses e atitudes, muitas vezes se furtando aos modelos convencionais como “belas” e “musas”. Suas personagens femininas são misteriosas, muitas vezes sérias e encarnam tipos como “a bruxa” e a “a esfinge”, como já vimos. Em um de seus retratos da colega de ofício – e quase xará – Leonora Carrington, Fini escolhe representar a amiga vestindo uma armadura, com expressão séria e pose imponente.
Suas escolhas artísticas continuaram a refletir sua crença em um mundo no qual as mulheres ainda eram tratadas de maneira injusta e opressora. Em entrevista de 1994, Leonor Fini chegou a afirmar “Eu que tenho medo dos homens, que sempre querem fazer a guerra por razões vis, por dinheiro, por propriedades!“1
Seu quadro, Fato Consumado, talvez seja o ápice de sua aversão ao que chamamos hoje de masculinidade tóxicas. No centro de um café, vemos marcado no chão, o contorno de um corpo. Mulheres e meninas observam a aparente cena de crime. Sobre a tela, a pesquisadora da arte Gloria Orestein afirmou: “[trata-se] de uma rebelião de mulheres contra a dominação masculina ou uma castração simbólica.“2 Você pode ler mais sobre o quadro clicando aqui.

Divindade ctônica velando o sono de um jovem homem, 1946
Se, por um lado, Leonor Fini pintou mulheres em posturas desafiadoras, por outro, ela também subverteu a forma como homens era retratados. Em ao menos meio dúzia de pinturas, vemos figuras masculinas como a da presente obra: vulneráveis e sensuais. É o caso da pintura que vemos ao fundo da foto de Leonor Fini.
Escolha artística consciente, os belos adormecidos de Leonor Fini refletiam uma recusa da artista da ideia de homem definido por seu trabalho e ação. A pintora chegou a afirmar: “O homem em minha pintura dorme porque ele recusa o papel social construído de animus e rejeita a responsabilidade de trabalhar em uma sociedade em direção a esses fins.”3

Se aqui, em Divindade Ctônica velando o Sono de um Jovem, bem como na maioria das vezes, Leonor não chegou a retratar completamente um homem, preferindo trabalhar com a sugestão, em Retrato de Nico, a artista rompe o limite. Em uma época em que mulheres que quisessem se dedicar à arte eram encorajadas a encarar tal atividade no máximo como um hobby, Leonor Fini se propôs a executar – e executou – um nu frontal masculino. Você pode saber mais sobre o Retrato de Nico aqui.
Gatos de Leonor Fini
Não é exagero afirmar que Leonor Fini viveu sua vida inteira cercada por gatos. Apaixonada pelos felinos, a pintora se deixou fotografar diversas vezes com seus gatos e os pintou em inúmeros quadros. Para se entender Leonor Fini e seu estilo, assim, devemos ter em conta as pinturas que retratam os bichanos não como detalhes ou apenas uma excentricidade mas como parte da essência de Fini. Nessa gravura, intitulada Gatos, vemos as mudanças pelas quais o estilo da artista passou ao longo dos anos e a preferencia que deu a cores brilhantes e jogos com a luz. Os gatos, aqui, são felpudos e em um tamanho considerável, como já costumavam aparecer em telas anteriores e posteriores.

Os personagens humanos, etéreos e graciosos, são menos realistas e unívocos do que aqueles produzidos por Fini no inicio de sua carreira. Sua ambiguidade é tanto étnica quanto de gênero. Em Gatos, Leonor Fini já tratava, a seu modo, questões de identidade de gênero, transexualidade e/ou travestismo tão presentes em nosso tempo. A pessoa da esquerda, com a perna reflexionada, não admite, como a observação cuidadosa de sua composição corporal revela, categorias fechadas como masculino/feminino, cis/trans ou gay/hetero.
A união dessas pessoas com os gatos passam a sensação de união fraternal- eles são amigos ou irmãos? – e artística – eles são na verdade companheiros de palco?
Você gostaria de entender Leonor Fini ainda mais? Clique aqui para acessar nosso artigo sobre a vida da pintora. Você também pode ler uma entrevista dada pela artista em 1994 em nosso perfil do academia.edu.
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Referências
- Entrevista concedida por Leonor Fini para a revista DUODA e traduzida por nossa equipe ↩︎
- ORESTEIN, Gloria Feman. Art History and the Case for the Women of Surrealism. The Journal of General Education, SPRING 1975, Vol. 27, No. 1 (SPRING 1975), pp. 31-54. p. 36. ↩︎
- MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante: Surrealism, Leonor Fini and the Sphinx. Dada/Surrealism. 19 (2013) p. 13. ↩︎