A Escrava Isaura é um livro escrito por Bernardo Guimarães. Publicado em 1875,a obra traz as desventuras de Isaura, uma jovem que nasceu sob o regime de escravidão porém tem a pele branca. Isaura é filha de uma escrava mestiça com um feitor português e foi criada pela esposa do dono da fazenda, como se fosse família.
Apegada a Isaura, a senhora lhe forneceu a melhor educação de maneira que a escrava cresceu uma jovem prendada e refinada. Suas qualidades atraem o jovem, filho do Comendador Almeida, porém já casado com Malvina. Isaura se recusa a manter uma relação ilegítima com Leôncio e tenta fugir, assim, então, começa sua história.
Escrava Isaura teve ao menos duas grandes adaptações para a televisão. Uma delas em 1976, com Lucélia Santos no papel de Isaura. Em 2004, a novela Escrava Isaura foi produzida e transmitida pela Rede Record, com Bianca Rinaldi no papel principal.
Lei do Ventre Livre e Uma História de Quilombolas : o contexto de Escrava Isaura
Em 1871, Bernardo Guimarães havia escrito o conto Uma História de Quilombolas no qual algumas das características do enredo de Escrava Isaura já estavam presentes. Não apenas a temática envolvendo a realidade da escravidão e a resistências à ela, como uma personagem de uma escravizada, Florida, cobiçada por sua beleza.

Uma História de Quilombolas foi publicada em uma coletânea chamada Lendas e Romances, cerca de três anos antes da escrita de Escrava Isaura, e um ano antes de seu lançamento, pela casa Garnier, em 1875. Dessa forma, sabemos que Bernardo Guimarães já era um autor relativamente conhecido, o que contribuiu para o sucesso que Escrava Isaura.
Ponto interessante é que no contrato de venda da obra entre Bernardo Guimarães o editor B. L. Garnier, o livro tinha como título original A Cativa Isaura em vez do termo Escrava. Guimarães cedeu os direitos totais sobre o livro para Garnier pela quantia de 600 mil réis. 1
Escrava Isaura foi escrito e publicado em um contexto de intenso debate em torno do fim da escravidão. O livro apareceu no intervalo entre duas leis abolicionistas: a Lei do Ventre Livre de 1871 e a Lei dos Sexagenários de 1885.
Características do enredo de A Escrava Isaura
Daniela Silveira destaca como, apesar de tantas qualidades excepcionais, o casamento ainda era o único caminho honesto possível para Isaura. Sua única alternativa seria se tornar amante, segundo a oferta de Leôncio, seu senhor, ou do cunhado de Leôncio, em um arremedo de casamento. Silveira afirma:
“Essas propostas feitas a Isaura ajudam também a perceber como o literato participava da divulgação de um mundo no qual as mulheres deveriam servir. A liberdade tinha o limite do casamento.“2
Não por acaso, Leôncio tenta punir Isaura com o casamento arranjado com o feio e disforme jardineiro, que deveria acontecer logo após sua libertação. Sempre tutelada e dependente de um homem, senhor ou marido, a situação fosse de escravo, fosse de cônjuge, compartilham a perda/diminuição da autonomia:
“Significava sair da sujeição senhorial e entrar para o lar, organizado segundo as vontades de um marido que carregava a lembrança da gratidão. Essa solução coloca no mesmo patamar esposa e escravos, ambos com os seus direitos negados.”3
Bernardo Guimarães, por meio de seu personagem Geraldo, também parece defender a posição de total supremacia dos senhores sobre seus escravos. Apesar de Escrava Isaura ser um, a grosso modo, “um panfleto abolicionista”4 Guimarães nunca põe em dúvida que aos senhores de escravos estavam reservados total direito sobre eles.
Seu personagem advogado Geraldo, quando questionado pelo amigo Álvaro com relação a possíveis soluções envolvendo a libertação de Isaura, afirma que o Estado não poderia simplesmente intervir e “devassar o interior do lar doméstico e ingerir-se no governo da casa do cidadão.”5 Dessa maneira, Marcos Alves, em artigo sobre o livro, escreve: “O vilão da história não era a escravidão, mas a intemperança sexual de Leôncio, por isso, o sistema escravista terminou o romance tão intacto quanto começou.”6

Tal ponto, que pode parecer unívoco em um país escravista, é o oposto àquele presente na obra Memórias do sobrinho de meu tio (1867), de Joaquim Manoel de Macedo. Nele, um dos personagens defende que “o Estado tinha de submeter o poder privado dos senhores ao domínio da lei; não havia alternativa para obter a emancipação dos escravos”7 Nesse sentido, Juliana Fillies Muñoz declara sobre a obra:
“A escrava Isaura é um texto literário sobre o negro, escrito, porém, para o branco.”8
Sua escolha profissional, pelo direito, compõe quase que um clichê na literatura brasileira, sendo inúmeros os personagens masculinos, de bom ou, com certa frequência, mal caráter, que optam pelo direito de maneira protocolar.9 Leôncio, a propósito, não chegou a terminar seus estudos: sua ida à Europa foi dedicada aos prazeres e ao usufruto do dinheiro paterno.

Personagens de Escrava Isaura
Isaura: heroína da história, Isaura nasceu escrava. Filha de mãe mestiça e pai português, a personagem nasce com todas as características de uma pessoa branca. Além disso, após a morte da mãe, Isaura é criada pela esposa do fazendeiro, que lhe dá a melhor educação.
Leôncio: filho do Comendador Almeida, dono da fazenda, é o grande vilão do enredo. Leôncio é perdulário e dissipado. Tenta seduzir Isaura para que ela se entregue a ele e se tornem amantes. Com o tempo e sem conseguir o que pretende, Leôncio passa a ameaçá-la, fazendo, assim, com que Isaura fuja.
Comendador Almeida: dono da fazenda em que se passa a trama, o Comendador era dono de Juliana, escrava mãe de Isaura.
Malvina: filha de um rico comerciante, ela se casa com Leôncio e se torna senhora da fazenda. Por amor à sogra, Malvina trata bem Isaura. Porém, quando percebe que o marido Leôncio nutre uma forte paixão pela escrava, ela passa a desprezar Isaura.
Juliana: escrava na fazenda do Comendador, ela sofre com a perseguição do mesmo. Juliana acaba falecendo e é a senhora da fazenda que cria sua filha.
Miguel: feitor português empregado na fazenda do Comendador, Miguel é um bom trabalhador e querido mesmo pelos escravos. Acaba se relacionando com Juliana com quem tem uma filha, Isaura. Trabalha incansavelmente para comprar a alforria da filha. Quando Leôncio se recusa a libertar Isaura mesmo por uma grande quantia e insiste em tê-la para si, Miguel resolve fugir com Isaura.
Álvaro: rico fazendeiro do Recife, ele é o oposto de Leôncio. Álvaro se apaixona por Isaura enquanto ela está escondida em Recife. Após descobrir que a amada era uma escrava, Álvaro se dedica a libertá-la.
Rosa: amante de Leôncio, ela é uma das escravizadas de sua fazenda. Rosa é bela e atraente porém um sentimento de inveja e inimizade contra Isaura.

Adaptações de Escrava Isaura
A Escrava Isaura foi adaptada para a televisão em 1976 pela Rede Globo. A novela contou com 100 capítulos e foi exibida entre novembro de 1976 e fevereiro do ano seguinte. Contando com Lucélia Santos no papel de Isaura, a telenovela foi um grande sucesso. Em 1976, Rubens de Falco fez o papel de Leôncio, Miguel (pai de Isaura) foi interpretado por Átila Iório e Álvaro foi encarnado pelo ator Edwin Luisi.10
Paula Halperin dá conta em artigo sobre a produção, que o enredo de Escrava Isaura sofreu modificações com relação ao livro além de censura exercida pelo governo ditatorial militar da época. Exemplos de tal interferência são cortes de cenas tais como as de Isaura destruindo o próprio quarto, devido à morte de Tobias e da personagem esbofeteando Leôncio. Ambas são criações da adaptação televisiva, sem qualquer equivalentes no enredo do livro.11
Em 2004, o livro de Bernardo Guimarães ganhou uma nova versão para a televisão. Composta por 167 capítulos, Escrava Isaura foi produzida e transmitida pela emissora Record entre outubro de 2004 e abril de 2005. Bianca Reinaldi fez o papel de Isaura, Rubens de Falco encarnou então o papel de Comendador Almeida, Leopoldo Pacheco deu vida à Leôncio e Theo Becker foi Álvaro.12

Artigos Relacionados
Bibliografia de Escrava Isaura
ALVES, Kleberson da Silva. A Escrava Isaura e a Inviabilidade Econômica da Escravidão – Considerações sobre a Antiescravismos de Bernardo Guimarães. Soletras, Ano IX, Nº 17 – Supl. São Gonçalo: UERJ, 2009. Disponível aqui.
ALVES, Marcos Francisco. História e Literatura em diálogo: a escravidão em Bernardo Guimarães. Revista de História Comparada. v. 2, n.2, (2008). Disponível em aqui.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. “Ilustração e educação: uma leitura de Bernardo Guimarães”. Educação Revista do Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, V. 31, N. 1, 2006, pp. 163-168. Disponível em https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/1534 .
FIGUEIREDO, L. A. de. Considerações a respeito da escrava Isaura. Alfa. Revista de Linguística, Marília, v. 13-14, p. 315-323, 1968.
GOMES, Heloisa Toller. Silences and Voices of Slavery: A escrava Isaura and Incidents in the Life of a Slave Girl In: SILVA, Ana Claudia Suriani da. VASCONCELOS, Sandra Guardini. Comparative Perspectives on the Rise of the Brazilian Novel. UCL Press. (2020). Disponível no Jstor.
Halperin, P. (2020). Então ela é escrava? Escrava Isaura, história e identidade nacional. Significação: Revista De Cultura Audiovisual, 47(53), 162 183. https://doi.org/10.11606/issn.2316-7114.sig.2020.155856
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. O Bacharel de Direito no Século XIX: Herói ou anti-herói? Luso-Brazilian Review, Vol. 34, No. 1 (Summer, 1997), pp. 77-93. Disponível no Jstor.
MANCIO, Ivanessa Sanches. A religiosidade na obra “A Escrava Isaura” de Bernardo Guimarães. [ISSN 2317-0476] Diversidade Religiosa, João Pessoa, v. 9, n. 1, p. 142-154, 2019. Aqui.
MUÑOZ, Juliana Fillies Testa. A estereotipização do negro nos romances de Bernardo Guimarães. Todas as Musas. ISSN 2175 – 1277 Ano 08 Número 02 Jan – Jul 2017. Disponível aqui.
PAGOTO, C.; BONNICI, T. A DUPLA COLONIZAÇÃO DA MULHER NO ROMANCE A ESCRAVA ISAURA (1875), DE BERNARDO GUIMARÃES. Línguas & Letras, [S. l.], v. 8, n. 15, p. p. 147–164, 2000. DOI: 10.5935/rl&l.v8i15.1151. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/linguaseletras/article/view/1151
Silva Júnior, J. S. da. (2020). Capitu, Lucíola e Isaura: uma releitura feminista da literatura brasileira do século XIX. Biblioteca Escolar Em Revista, 7(1), 43-56. https://doi.org/10.11606/issn.2238-5894.berev.2020.169324
SILVEIRA, Daniela Magalhães. As lições de Bernardo Guimarães em A Escrava Isaura: escravidão e literatura na seculo XIX. Temporalidades, Belo Horizonte, Vol. 9, n. 3 (set./dez. 2017). Disponível aqui.
SOUZA, Tabatha, Bernardo Guimarães e Baptiste-Louis Garnier : literatura e materialidades. Campinas, SP : Asa da Palavra, 2023. Disponível aqui.
Referências
- SOUZA, Tabatha, Bernardo Guimarães e Baptiste-Louis Garnier : literatura e materialidades .Campinas, SP : Asa da Palavra, 2023. p. 78. ↩︎
- SILVEIRA, Daniela Magalhães. As lições de Bernardo Guimarães em A Escrava Isaura: escravidão e literatura na século XIX. Temporalidades, Belo Horizonte, Vol. 9, n. 3 (set./dez. 2017). p. 48. ↩︎
- SILVEIRA, Daniela Magalhães. As lições de Bernardo Guimarães em A Escrava Isaura: escravidão e literatura na século XIX. Temporalidades, Belo Horizonte, Vol. 9, n. 3 (set./dez. 2017). p. 48. ↩︎
- SILVEIRA, Daniela Magalhães. As lições de Bernardo Guimarães em A Escrava Isaura: escravidão e literatura na seculo XIX. Temporalidades, Belo Horizonte, Vol. 9, n. 3 (set./dez. 2017). p. 58. ↩︎
- SILVEIRA, Daniela Magalhães. As lições de Bernardo Guimarães em A Escrava Isaura: escravidão e literatura na seculo XIX. Temporalidades, Belo Horizonte, Vol. 9, n. 3 (set./dez. 2017). p. 52. ↩︎
- ALVES, Marcos Francisco. História e Literatura em diálogo: a escravidão em Bernardo Guimarães. Revista de História Comparada. v. 2, n.2, (2008). p. 9. ↩︎
- SILVEIRA, Daniela Magalhães. As lições de Bernardo Guimarães em A Escrava Isaura: escravidão e literatura na seculo XIX. Temporalidades, Belo Horizonte, Vol. 9, n. 3 (set./dez. 2017). p. 52. ↩︎
- MUÑOZ, Juliana Fillies Testa. A estereotipização do negro nos romances de Bernardo Guimarães. Todas as Musas. ISSN 2175 – 1277 Ano 08 Número 02 Jan – Jul 2017. p. 131 ↩︎
- JUNQUEIRA, Eliane Botelho. O Bacharel de Direito no Século XIX: Herói ou anti-herói? Luso-Brazilian Review, Vol. 34, No. 1 (Summer, 1997), pp. 77-93. ↩︎
- Ficha técnica da novela em Memória Globo ↩︎
- Halperin, P. (2020). Então ela é escrava? Escrava Isaura, história e identidade nacional. Significação: Revista De Cultura Audiovisual, 47(53), 162 183. https://doi.org/10.11606/issn.2316-7114.sig.2020.155856 p. 173.´ ↩︎
- Artigo da wikipedia sobre a novela. ↩︎