A Passagem é um das únicas telas de Kay Sage em que se observa uma pessoa de forma clara e característica. Feita em 1956, um ano após a morte de seu marido, o também pintor Yves Tanguy, A Passagem reúne pontos trabalhados frequentemente por Sage até então, como o uso de cores neutras e frias, a amplificação do horizonte e o céu carregado. Como em outras telas, aqui o observador experimenta uma série de sensação que aqueles pontos podem produzir como solidão, quietude, desesperança, irrealidade e/ou sonho. Nesse sentido, A Passagem se liga a toda uma corrente de produção surrealista da qual Kay Sage foi um dos elos desde o início de sua carreira na década de 1940. O pesquisador Robert Belton, no entanto, relaciona a tela às figuras femininas de outro pintor de época e estilos anteriores ao surrealismo: fitando a planície estéril, esta figura – a única de seu tipo em sua obra geralmente deserta – tem mais em comum com o anseio religioso pelo inexprimível e a profunda alienação das mulheres nas pinturas de Casper David Friedrich.1

Já Michael Duncan afirma que A Passagem é na verdade um autorretrato feito no contexto de luto pela morte de Tanguy: “[o quadro] é seu último auto retrato, expressa sua solidão devastadora, apresenta uma figura virada para dentro, de costas para o observador, que encara planície de cacos planos”.2 Na mesma época em que pintou essa tela, Kay Sage começou a escrever sua autobiografia, China Eggs. Uma passagem do livro, pode, talvez, nos ajudar a entender seu estado psicológico e seu mindset quando da concepção e produção de A Passagem:
“Eu era praticamente a mesma aos 11 se comparada ao que eu era aos 3 anos e minha personalidade não mudou radicalmente desde então. De fato, existe um canto da minha mente que nunca se desenvolveu de maneira alguma. Eu ainda tenho medo de tempestades com trovões e de todo fenômeno climático. Eu ainda tenho medo de coisas conectadas ao sobrenatural e meus pesadelos são infantis ainda…Eu tinha e ainda tenho mais medo de sentir medo do que tenho de algo que de fato me dê medo“.3
A Passagem foi adquirida pelo colecionador Stanley J. Seeger em 1958. A marchand e galerista Catherine Viviano, que vendeu a obra para Seeger, foi também a responsável por tê-lo apresentado a Sage no início dos anos 1950. Seeger e Sage nutriam uma longa amizade. Tais informações conseguimos no site da casa de leilão Sotheby’s por onde a tela passou em 2014 e foi arrematada por mais de 4 milhões de libras.4
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Referências
- CALLAGHAN, Echo. Listening to the silences of Kay Sage. Trinity WGW Review. p.114 – 129. p. 117. Aqui. ↩︎
- Ficha do Leilão do quadro no site da Sotheby’s. ↩︎
- CURTIS, Molly. A Combination in Context: Kay Sage and Surrealism. Dissertação de Mestrado. Universidade da Califórnia. 2018. p. 17. Aqui. ↩︎
- Ficha do Leilão do quadro no site da Sotheby’s. Aqui. ↩︎