A Pastora de Esfinges de Leonor Fini

“Eu lembro que eu queria ser como uma esfinge”.1 É com essa frase que Leonor Fini sumariza o lugar que a esfinge teve  em sua vida e arte. A relação da pintora surrealista Leonor Fini com a figura mitológica da Esfinge foi construída ao longo de toda a sua carreira. Principalmente durante a década de 1940, Fini exploraria o tema da esfinge em uma série de quadro.

Começando com Sphinx Amalburga (também chamada Esfinge Apaixonada) de 1941, a pintora produziria a presente A Pastora de Esfinges ainda em 1941. A esses se seguiram Esfinge Filagrial, em 1945, e Pequena Esfinge Eremita, três anos depois, entre outras. Décadas depois, nos anos 1960 e 1970, as esfinges marcaram presença esporadicamente na obra de Fini, porém trazendo em si as características etéreas e abstratas, típicas do estilo que Fini desenvolveria no pós guerra.

A Pastora de Esfinges pintado por Leonor Fini em 1941.
A Pastora de Esfinges (1941). Fonte: Coleção Peggy Guggenheim

Nascida na Argentina mas criada na Itália, por uma mãe que fugiu do autoritarismo e violência do pai de Fini, a pintora teve uma vida longe dos padrões e expectativas sociais da época. Dedicou-se à arte e literatura desde a juventude e ganhou sua vida como retratista da elite italiana. Viveu com dois companheiros – André Pieyre de Mandiarges e Stanislau Lepri – até o fim de seus dias. Assim podemos compreender ao menos em parte sua identificação e atração por uma figura mitológica, forte mesmo que ambígua, como a esfinge. 

Seu quadro A Pastora de Esfinge dá início à criação desse mito particular de Leonor Fini. Outros artistas do meio surrealista como Leonora Carrington e Max Ernst também acabariam desenvolvendo alter egos em seus quadros. No caso de Leonor, suas esfinges costumam aparecer em cenários escuros e sombrios, às vezes noturnos, às vezes desolados e apocalípticos. Outras, as personagens estão rodeadas de uma vegetação densa e de aspecto úmido.

Com expressões românticas ou sérias, as esfinges de A Pastoras são diversas em suas aparências e atitudes. Os objetos espalhados pelo chão, como a casca de ovo e os ossos, serão reiteradamente utilizados por Fini em quadros com a presença ou não de esfinges e podem remeter a questões de luto, morte/renascimento e feminilidade. 

Sobre a aquisição de A Pastora, Leonor Fini no início da carreira e sua relação com Max Ernst, a célebre colecionadora e mecenas Peggy Guggenheim deixou um relato vívido: 

Leonor era uma grande favorita de Max [Ernst]. Ela vinha nos ver em Marselha e chegou pouco depois de eu passar pela polícia. Eu sempre acusei Max de ter duas Sophies em vez de uma só, como Arp. Ele tinha Leonora Carrington e Leonor Fini, ele tentava continuamente fazer com que suas carreiras avançassem. Fini era uma garota muito bonita e suas maneiras eram livres.

Ela era de Monte Carlo, onde ela tinha se refugiado e pintava retratos para viver. Ela queria ver as novas pinturas de Max e me trouxe uma pequena sua que eu tinha comprado ao ver por uma fotografia. Laurence [Vail], Marcel [Duchamp] e eu não gostávamos de seu jeito de estrela. Max adorava e queria que eu o fizesse também. Ele parecia sempre precisar da minha aprovação.

Ele me apresentou a Fini como se eu fosse uma mecena não como sua companheira. Eu tenho certeza que ele queria esconder esse fato. A pintura que Fini trazia com ela era uma coisinha charmosa que tinha o ar de um cartão postal. Mais tarde, em Nova Iorque, Breton deplorava sua presença na minha coleção, mas por causa de Max ele não podia fazer nada.

Max achou a obra maravilhosa, porque Fini a havia pintado. Mas ao mesmo tempo ele amava o trabalho de qualquer jovem bonita que o admirasse. Com os pintores homens ele não era tão indulgente.2

Símbolo de força e perspicácia, a Esfinge foi adotada por Leonor Fini mesmo em momentos de fragilidade. Em 1948, quando descobriu um câncer na bexiga, a artista foi submetida a uma histerectomia, já que seu útero também havia sido atingido.

A operação foi um momento delicado e de vulnerabilidade para Leonor Fini, que lamentou a impossibilidade de poder se tornar mãe apesar de nunca tê-la buscado para si. Desse contexto nasceu a tela Pequena Esfinge Eremita.

Do início da carreira, passando por dilemas e perdas, as esfinges de Leonor Fini foram traduções de sua própria trajetória e de sua visão da arte.

Artigos Relacionados

Leonor Fini

Pequena Esfinge Eremita de Leonor Fini

Referências

  1. MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante: Surrealism, Leonor Fini and the Sphinx. Dada/Surrealism. 19 (2013) p. 15. ↩︎
  2. MOECKLI, Justine. Leonor Fini: Nu/Portrait de Nico (1942). ETH Zürich. Volume 65 (2017). Aqui. p. 69. ↩︎

Data: 1941
Origem: Italia
Autor: Leonor Fini
Dimensão: 46.2 x 38.2 cm
Material: Óleo sobre tela
Localização Atual: Coleção Peggy Guggenheim, Veneza

Busque no portal urânia