A Volta do Parafuso ou A Outra Volta do Parafuso, é um conto do escritor britânico Henry James lançado em 1898. Considerado como uma obra de horror e suspense, o conto trata da mudança de uma personagem não nomeada para uma mansão na cidade de Bly, onde ela passa a trabalhar como preceptora de duas crianças.
Logo no início da obra, porém, a jovem governanta relata que consegue ver os fantasmas de duas pessoas falecidas que se tratariam de antigos empregados da casa.
Ela então inicia uma tensa e arrepiante busca para saber se seus alunos podem ver os tais espíritos e/ou se estão de alguma forma terrivelmente mancomunados com eles. A Outra Volta do Paraíso é um conto ambíguo e intrigante, que leva o leitor a se questionar sobre a existência da vida após a morte ao mesmo tempo em que duvida da governanta. Logo após seu lançamento, a história alcançou um sucesso considerável bem como críticas ferrenhas aos supostos acontecimentos horripilantes nela descrita.
O contexto de A Volta do Parafuso
Irmão do meio, com um irmão mais velho médico e uma irmã mais nova que sofria com uma saúde mental vacilante, Henry James pode ter se inspirado na realidade de sua família para compor seu conto. William James, respeitável médico e pesquisador em fenômenos psicológicos, deu uma série de palestras em 1896, um ano antes da escrita de A Outra Volta, sob o título de “Estados Mentais Excepcionais“1.
Interessado em buscar explicações para fenômenos que ainda eram entendidos como possivelmente relacionados com a paranormalidade – transmissão e leitura de pensamento, a histeria, a incorporação de espíritos, e possessão demoníaca e múltiplas personalidades – William James empreendeu estudos de caso bem como a leitura de profissionais de sua época.
Apesar de nunca ter declarado sua absoluta descrença em ocorrências que hoje são consideradas paranormais ou espirituais, William James as colocou derivadas de questões psicológicas. Em suas palavras: “Se os demônios existem, se os poderes sobrenaturais existem, é através do eu rachado e fragmentado que eles entram“2.
Os estudos e conclusões de William James, assim, podem estar na origem do conto de Henry e sua natureza tão ambígua. Afinal, a preceptora está em uma casa mal assombrada pelos fantasmas dos antigos empregados ou os tais espíritos são fruto de sua psique fragilizada e delirante?

“Fisgar o leitor rabugento assusta-lo”: a escrita de A Volta do Parafuso
A Outra Volta do Parafuso foi publicado no folhetim Collier Weekly: An Illustrated Journal. Uma de suas marcas é seu caráter aberto a interpretações múltiplas. O leitor passa grande parte da leitura se perguntando, por exemplo, o que teriam feito os antigos empregados da casa para merecerem uma reputação tão má. Ao longo do conto, não há uma explicação unívoca para tal pergunta. Em artigo sobre o conto, Gutman reproduz as motivações e os métodos de Henry James com relação a essa obra.
James define o conto como “uma pura e simples peça de engenho, de frio cálculo artístico” cujo intuito é o de “fisgar os não facilmente fisgáveis (fisgar o mero tolo não era senão uma ‘diversão’ de pouca monta), o calejado, o desiludido, o rabugento”3. Os fantasmas, por sua vez, ficariam com a “horrenda tarefa de fazer a situação exalar o ar da Maldade”.
O escritor é muito claro quando diz que estruturou sua narração de modo que a imaginação do leitor fosse instigada a preencher as lacunas com suas próprias ideias pré concebidas de horror e absurdo. Ou seja, a natureza aberta de A Outra Volta do Parafuso é proposital, planejada. Conforme James:
Do que […] eu tinha de transmitir a sensação? De ele ser, o par assombrado, capaz, como se diz, de tudo – ou seja, de exercer, com respeito às crianças, aquela pior ação a que poderíamos conceber sujeitas pequenas vítimas tão sugestionáveis. O que seria então, refletindo, essa concepção extrema? […] Não há, nesse caso, nenhum absoluto elegível do malfeito; este se mantém relativo a cinquenta outros elementos, uma questão de apreciação, especulação, imaginação – essas coisas, além disso, muito à luz da experiência do espectador, do crítico, do leitor.
Basta tornar bastante intensa a visão geral que o leitor tem do mal, calculei […], e sua própria experiência, sua própria imaginação, sua própria compaixão (pelas crianças) e horror (pelos falsos amigos delas) lhe fornecerão, de forma satisfatória, todos os pormenores. Faça-o pensar no mal, faça-o pensar por si, e você estará livre das frágeis especificidades4.
Não à toa, conta-se que um leitor disse a Henry James que A Volta do Parafuso era “a história de fantasmas mais poderosa e que mais estilhaçou os nervos do leitor” que ele já tinha lido, ao que o autor agradado respondeu “eu quis assustar o mundo inteiro com aquela história“5.

Fantasmas ou alucinações: Particularidade do enredo de A Outra Volta
A característica mais marcante do enredo de A Outra Volta do Parafuso é sem dúvida sua abertura a duas interpretações com relação aos espíritos vistos pela protagonista. Chamada de controvérsia aparicionista/não aparacionista por Parkinson, tal ponto confronta o leitor com a mesma questão ao longo de todo livro: os fantasmas que assombram a preceptora são de fato manifestações do além ou são somente delírios, alucinações de uma jovem mulher isolada e reprimida sexualmente?
Guilherme Guttman, mais uma vez, explica que “uma parte significativa do encanto de The turn of the screw é, como se diz, nunca fechar questão, isto é, não permitir que o leitor decida facilmente, sustentando assim a experiência do fantástico.”6
A controvérsia, na verdade seu lado não-aparicionista, no entanto, apenas surgiu depois de algumas décadas do lançamento de A Outra Volta do Parafuso. Foi Edmund Wilson quem primeiro apontou, em 1934, para o fato do conto não ser “uma estória de fantasmas, mas uma estória de loucura, o estudo de um caso de neurose”7. Mc Elderly Jr. segue a mesma linha interpretativa e diz:
“Em síntese, a história da [preceptora] parece ser o relato de uma mulher nas garras da alucinação, descrita tão vivamente que parece ser verdadeira, não somente a ela, mas à governanta da casa, ao leitor…”.8
A ligação entre as crianças e os fantasmas é também outro ponto crucial da obra. Afinal, se considerarmos que de fato os espíritos aparecem para os vivos, as crianças podem vê-los? Elas mantêm algum tipo de relação com eles? Estão sendo manipuladas? Podemos até mesmo considerá-las seus cúmplices? Toda a dinâmica do episódio de Flora, Milles e o lago, a partir desse ponto de vista, toma uma maior e mais dramática dimensão.
Em artigo que trata dessa dinâmica, lemos que o corpo d’água em A Outra Volta mobiliza sentido e tradições que o tornam um condensador do fantástico e do sobrenatural. O artigo primeiramente se detém no nome em seu nome, Azov, que é mencionado ao menos duas vezes no conto.
Tal título se refere, na mitologia, ao Mar de Azov, modo como era conhecido o Lago Meótida (ou Lado Meótis) “localizado em Cítia, uma região gelada, triste e estéril, sem árvores e sem campos cultivados, por onde se poderia encontrar o Frio, o Medo, o Tremor e a Fome“.9 No mito, essa região aparece como sendo casa da Fome, a quem a deusa Ceres manda chamar para que punisse o rei Erisíchton:
“Como a própria Ceres não podia aproximar-se da Fome, pois as Parcas haviam ordenado que essas duas deusas jamais se encontrassem, chamou uma Oréade da montanha e assim lhe falou: — Há, na parte mais longínqua da gelada Cítia, uma região triste e estéril, sem árvores e sem campos cultivados. Ali moram o Frio, o Medo, o Tremor e a Fome. Vai àquela região e dize à última para tomar posse das entranhas de Erisíchton. Que a abundância não a vença, nem o poder de meus dons a afaste.”10
Leon Edel relembra que dubiedade é um traço da prosa de Henry James, e resume com competência como tal traço se dá na escrita de uma personagem como a governanta:
“as contradições estão por todo lado, e as imagens cancelam umas às outras […]. Mesmo quando trabalhos isolados são examinados, não há concordância. […] A governanta de The turn of the screw é valente, esplêndida, corajosa e tem grande autoridade; mas ela é obcecada, assombrada, reprimida sexualmente e neurótica – em resumo, total e completamente louca.”11
Personagens de A Volta do Parafuso
Governanta: personagem principal da história, ela nunca é nomeada. A preceptora está no centro da maior questão do conto: ela vê espíritos ou está apenas alucinando?
Tio das crianças: personagem também não nomeado, o tio de Flora e Miles mora em Londres e contrata a governanta para cuidar de seus sobrinhos. Oferecendo um bom salário, ele exige que a jovem contratada não o incomode, não entre em contato com ele, sob hipótese alguma.
Flora: uma das crianças cuidadas pela nova governanta, Flora tem aproximadamente 8 anos, é irmã de Miles e tem aparência angelical.
Miles: irmão de Flora, Miles é alguns anos mais velho que a garota. Ele foi recentemente expulso (?) do colégio interno que frequentava.
Miss Jessel: antiga preceptora das crianças, sabe-se que miss Jessel faleceu não muito tempo antes da chegada de sua substituta.
Peter Quint: antigo empregado da propriedade em Bly, Peter Quint também faleceu e desfruta de uma reputação desfavorável em seu antigo posto.
Mrs. Grose: é a chefe dos empregados da casa e a pessoa que auxilia a nova funcionária a se adaptar.

Recepção
Gutmann elenca algumas das reações que o conto suscitou quando de seu lançamento, muitas delas de total desagrado e nojo pelos temas em que A Outra Volta toca. No The Outlook pode-se ler que “A história é decididamente repulsiva”. The Independent foi ainda mais enfático:
“The turn of the screw é a mais incorrigivelmente má história que jamais se leu em toda literatura, antiga e moderna. Como o Sr. James pode, ou como poderia qualquer homem ou mulher, escolher realizar tal estudo da devassidão humana […]. O estudo, embora exiba o talento do Sr. James de modo claro, afeta o leitor provocando um asco que não pode ser expresso. […] A imaginação humana não pode ir mais longe na infâmia, a arte literária não pode ser usada com mais refinada sutileza de purificação espiritual”12.
Tzetan Todorov chegou a afirmar que o conto era um “exemplo marcante” de literatura fantástica que, na explicação de Halttunen “é um gênero definido pela hesitação do leitor entre um entendimento natural ou sobrenatural dos eventos descritos”13.
Sabe-se que Oscar Wilde leu A Outra Volta do Parafuso e aprovou a história. Em carta, o escritor escreve: ” É uma pequena história maravilhosa, lúgubre e maligna, como uma tragédia elisabetana. Eu estou muito impressionado com ela”14.
Adaptações
O conto ganhou ilustrações e ainda no século em que foi lançado. John La Farge, por exemplo, retratou o garoto Miles e a governanta não nomeada. Eric Pape foi o responsável por ilustrar a publicação quando de seu lançamento na Collier’s Weekly.15
Muitas foram as adaptações de A Outra Volta do Parafuso em diversas mídias. Para o teatro temos a peça de William Archibald de 1961 e intitulada Os Inocentes. No mesmo ano foi lançado um filme, também intitulado Os Inocentes e dirigido por Jack Clayton. Em 1964, há a ópera de câmara intitulada The Turn of the Screw de Benjamin Britten.
A história de James seguiu sendo adaptada pelo menos uma vez por década para televisão ou cinema. Em 1999, A Volta do Parafuso foi dirigido por Atony Aloy. Em Um Lugar Escuro, de 2006, foi dirigida por Donato Rotunno16. Foi Os Outros, dirigido por Alejandro Amenábar em 2001 que se tornou a versão adaptada mais conhecida do conto de Henry James. Com Nicole Kidman no papel principal, o filme angariou premiações e rendeu à australiana tanto o Bafta quanto o Globo de Ouro de melhor atriz bem.

Bibliografia sobre A Volta do Parafuso
BOTOSO, Altamir. A focalização, o Gótico e o Fantástico em A Outra Volta do Parafuso, de Henry James. Revista Guará – Revista de Linguagem e Literatura. v.10, n.2 (2020): Dossiê: Clarice Lispector: Arte em Movimento. Aqui.
FAUST, Ivan Lucas Borghezan. XAVIER, Rodrigo Alexandre de Carvalho. A Travessia em Outra Volta do Parafuso: Uma Análise do Elemento Fantástico no Romance de Henry James. Revista Abusões. n. 05, v. 05, ano 03. Aqui.
GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James, William James, cérebros e fantasmas. Alea. vol. 7, n. 1 Janeiro/Junho 2005. p. 79-100. Aqui.
HALTTUNEN, Karen. “Through the Cracked and Fragmented Self”: William James and The Turn of the Screw. American Quarterly, Dec., 1988, Vol. 40, No. 4 (Dec., 1988), pp. 472-490.
MARRET, Sophie. Henry James “The Turn of The Screw”: L’angoisse au Temps de L’Autre qui N’Existe Pas”. Polysèmes [En ligne], 7,2005. Aqui.
MATOS, Xênia Amaral. The turn of the screw, de Henry James: a (in)confiabilidade do relato e a questão da perspectiva. Miguilim – Revista Eletrônica do Netlli, Crato, v. 7, n. 2, p. 468-486, maio-ago. 2018. Aqui.
PENTEADO, Marcos Ramos. Esfinge de Henry James: Uma Visão sobre A Volta do Parafuso (The Turn of the Screw). Travessias. Ed. 05. 2009. Aqui.
RENAUX, Sigrid. A outra volta do parafuso: relações transmediais de texto e imagem em Henry James e Charles Demuth. Revista da Anpoll. v.2, n. 27 (2009): Multimodalidade e intermidialidade: abordagens linguísticas e literárias. Aqui.
SILVA, Matheus Lima da. GIROLDO, Ramiro. A Crise de Representação na Narrativa Jamesiana, A Outra Volta do Parafuso (1898) e a Rescrita em Os Outros (2011). SCRIPTA, v. 26, n. 56, p.197 – 209, 2022. Aqui.
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Retrato de uma Senhora de Henry James
Referencias
- HALTTUNEN, Karen. “Through the Cracked and Fragmented Self”: William James and The Turn of the Screw. American Quarterly, Dec., 1988, Vol. 40, No. 4 (Dec., 1988), pp. 472-490. p. 473. ↩︎
- HALTTUNEN, Karen. “Through the Cracked and Fragmented Self”: William James … p. 474. ↩︎
- GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James, William James, cérebros e fantasmas. Alea. vol. 7, n. 1 Janeiro/Junho 2005. p. 79-100. Aqui. p. 92 ↩︎
- GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James… p. 93. ↩︎
- HALTTUNEN, Karen. “Through the Cracked and Fragmented Self”: William James … p. 472. ↩︎
- GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James… p. 85. ↩︎
- GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James… p. 86. ↩︎
- GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James… p. 86, nota 7. ↩︎
- PENTEADO, Marcos Ramos. Esfinge de Henry James: Uma Visão sobre A Volta do Parafuso (The Turn of the Screw). Travessias. Ed. 05. 2009. Aqui. p. 97. ↩︎
- PENTEADO, Marcos Ramos. Esfinge de Henry James: Uma Visão sobre A Volta do Parafuso (The Turn of the Screw). Travessias. Ed. 05. 2009. Aqui. p. 98. ↩︎
- GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James… p. 88. ↩︎
- GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James… Nota 2. ↩︎
- HALTTUNEN, Karen. “Through the Cracked and Fragmented Self”: William James… p. 472. ↩︎
- GUTMAN, Guilherme. The turn of the Screw: sobre Henry James… Nota 2. ↩︎
- RENAUX, Sigrid. A outra volta do parafuso: relações transmediais de texto e imagem em Henry James e Charles Demuth. Revista da Anpoll. v.2, n. 27 (2009): Multimodalidade e intermidialidade: abordagens linguísticas e literárias. Aqui. ↩︎
- SILVA, Matheus Lima da. GIROLDO, Ramiro. A Crise de Representação na Narrativa Jamesiana, A Outra Volta do Parafuso (1898) e a Rescrita em Os Outros (2011). SCRIPTA, v. 26, n. 56, p.197 – 209, 2022. Aqui. ↩︎