As Duas Fridas é um quadro pintado por Frida Kahlo em 1939. A obra foi feita para ser exibida na Exposição Internacional do Surrealismo, ocorrida na Cidade do México no ano seguinte. Ao longo dos anos, As Duas Fridas recebeu uma série de interpretações e analises, muitas delas baseadas nos problemas conjugais enfrentados pela artista em seu casamento com Diego Rivera.
O quadro, porém, conforme pode-se ler abaixo, para além de tais questões de ordem sentimental, trata de temas como identidade mexicana, mestiçagem e cultura. As Duas Fridas compõe o acervo do Museu de Arte Moderna da Cidade do México.
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As Duas Fridas foi concebido para ser exposto na Exposição Internacional do Surrealismo, organizada por Wolfgang Paalen e sua companheira Alice Rahon e situada na Galería de Arte Mexicano de Inés Amor. Aberta em 17 de janeiro de 1940, o evento foi grande e atraiu gente de todo o país.1 Pintores mexicanos de diferentes estilos “de repente se declararam surrealistas e se superaram em contribuições originais”.2
Além de As Duas Fridas, a pintura também produziu A Mesa Ferida. Ambas as pinturas surpassam em muito, em dimensão, as outras obras da artista, usualmente pequenas : 173,5 e 173 cm e 121,6 e 245,1 cm respectivamente. Sobre essa escolha Badenberg comenta: Se o tamanho pequenos lhes atribui um caráter privado e intimo às pinturas, o tamanho relativamente gigantesco desses quadros indica um empenho publico e oficial.“3
Ao longo das ultimas décadas, As Duas Fridas se tornou um dos autorretratos mais famosos de Frida Kahlo e, assim, recebeu uma serie de interpretações. O entendimento de que a tela se relaciona diretamente ao rompimento com Diego Rivera, e também ao caso que o pintor teve com a irmã mais nova de Frida, é aquele que predomina na maior parte dos estudos. Abaixo, para além de tal compreensão, você poderá ler outras possíveis leituras de As Duas Fridas feitas por diversos pesquisadores.

Ressaltamos que as duas interpretações diferentes não necessariamente se excluem e que a obra de Frida, tanto o quadro em questão, como o conjunto de seu trabalho, permanece aberta para diversas visões.
As Duas Fridas e o drama conjugal
1939 também foi o ano em que Frida Kahlo se divorciou, após 9 anos de união, de seu então marido, o pintor Diego Rivera. O fato de que Rivera manteve casos extraconjugais ao longo de seu relacionamento com Frida – como também havia feito na época de seu primeiro casamento – é de conhecimento publico. Sabe-se que a própria Frida também fez o mesmo, embora de maneira mais discreta e menos frequente.
A separação como principal, talvez único, tema de Duas Fridas acabou se tornando comum. Muito possivelmente devido ao relato do historiador da arte McKinley Helm, que encontrou Frida no ano de 1939 e a visitou em quanto a artista pintava As Duas Fridas. Ele deixou suas impressões do encontro registradas:
“Ela estava trabalhando em sua primeira pintura grande, uma tela enorme chamada “As Duas Fridas“, uma peça simbolica e [feita] de uma maneira suficientemente surrealista para ser incluída na subsequente exposição mexicana da exibição trazida por Paalen de Paris. Havia dois autorretratos de corpo inteiro nele. Um deles era a Frida que Diego amava. Essa Frida derivava o sangue de sua vida do retrato em miniatura de Diego que ela tinha nas mãos.
O fluxo de sangue corria de uma artéria roxa exposta até seu coração, que também está disposto em seu peito; ele então dá a volta pelo pescoço e continua até a segunda Frida, a mulher que Diego não amava mais. Ali a arteria está rompida. A Frida desprezada conteve o fluxo de sangue, momentaneamente, com um par de tesouras de cirurgião.”4
A fala de McKinley Helm acabou se tornando paradigmática no entendimento de As Duas Fridas. Tal interpretação é, de certa maneira, reproduzida por Cris Hassold, em artigo sobre duplos na história da arte. Segundo o texto “Em As Duas Fridas, 1939, vemos a Frida que Diego havia amado, vestida com uma saia Tehuana e uma blusa, e a Frida que Diego não mais amava, em um vestido Vitoriano branco. A Frida que havia sido amada tem um coração que está inteiro. O sangue flui dele para o coração partido da Frida não amada“.
E continua: “A Frida amada protege e sustenta a Frida não amada no momento critico do divorcio com o marido. O Duplo, nessa ocasião, provê proteção e conforto mas também expressa a batalha dentro de Frida ela mesma que mostra a impossibilidade de separar-se da Frida não amada assim como Diego havia feito.”5
Em artigo de Marie-Françoise Delaneuville, por exemplo, o quadro seria “censura visual da falta de amor de Diego Rivera com relação à Frida Kahlo.”6 Tal interpretação pode inclusive ser encontra na pagina online da enciclopédia Britannica, que trás no artigos sobre Duas Fridas a seguinte afirmação:
“Em As Duas Fridas, Kahlo lida com o coração partido que ela aguentou durante seu divorcio de Rivera e também ao longo do relacionamento deles.“7
Outros pesquisadores, no entanto, deram destaque a outras questões que já haviam se mostrado na obra de Frida e que não cessaram em As Duas Fridas. A principal delas é aquela relacionada ao povo mexicano, sua composição etnico-racional diversa, e o significado de tal fato para o futuro da nação mexicana no período pós-revolução.

As Duas Fridas: mestiçagem e o México
Luis Roberto Vera relaciona Duas Fridas com outras autorretratos de Frida: Dois Nus em um Bosque e O Que A Agua Me Trouxe. Nas três telas, nessas de forma inicial e exploratória, e naquela de maneira mais clara e desenvolvida, a artista trabalhar com sua origem mestiça, tanto indígena quanto europeia – em imagem que são “opostas e complementares”.
Conforme o pesquisador afirma: “O tema da mestiçagem em As Duas Fridas [..] se assume com um carácter desafiante mediante a especularidade da representação. A alusão, mesmo que seja parcial e sobre tudo por ser parcial, a uma origem indígena constitui uma atividade não menos rebelde e contestatória que o homoerotismo em uma sociedade tão conservadora e racista como aquela do México de entreguerras.”8
E mais adiante: “O outros não é reduzido ao mesmo, mas essa igualdade é assumida como a diferença no próprio interior da identidade. Dessa maneira, os temas entrelaçados da herança pré-colombiana e a suposição da mestiçagem como uma identidade problemática que surgiram empregados em O Que A Agua Me Deu e se condensaram logo constituindo uma unidade independência em Dois Nus No Bosque, alcançam finalmente uma dimensão mais complexa em As Duas Fridas.”9
Kahlo visualiza a experiencia de identidade mestiça como uma dualidade muito literal. Quando ela divide sua própria auto imagem em duas metades – a europeia e a indígena mexicana – a artista enfatiza uma fragmentação literal. Ela expõe, em vez de suavizar, a violência corporal inicial da mestiçagem que ocorreu durante a colonização e destaca a luta (ou impossibilidade) de se reconciliar essas duas partes dispares em um todo unificado.10
Em sua tese de doutorado, So Ra Lim investiga diversas pinturas de Frida Kahlo, entre elas As Duas Fridas. A pesquisadora reconhece a aceita a interpretação conjugal do quadro mas continua procurando outros significados para a obra. Para ela, a tela articula toda uma série de duplos, os quais estão presentes em outras obras de Frida Kahlo:
“Em Las Dos Fridas, a pintora tenta reintegrar duas identidades de uma maneira natural: ora a mexicana, ora a europeia; ora a mulher passiva, ora a mulher decisiva e manipuladora. Ambas se completam apoiando uma à outra. A dualidade recebida como um todo é outro componente permanente em sua arte, um elemento continuo da luta entre o bem e o mal, entre o dia e a noite, a luz e a obscuridade, o yang e o yin, e por conseguinte, ostentando em relevo as forças que o ser humano necessita manter em equilíbrio com o universo, o que retoma em Árbol de la esperanza.”11

Em certa medida, a posição de So Ra Lim segue a maneira de ler Duas Fridas de Fabiano Fernandes em seu artigo “O Mapa Íntimo: três telas de Frida Kahlo”, no qual o pesquisador apresenta sua ideia da tela enquanto “pensamento em processo”, de uma perguntas (ou várias), em vez de uma afirmação pronta ou resposta.12 Tal característica de abertura a diferentes visões é uma das razões que mantém a obra de Frida atualizada e relevante quase um século depois de existência.
Localização de Duas Fridas
A tela foi adquirida pelo Instituo Nacional Mexicano de Belas Artes da Cidade do México diretamente de Frida Kahlo no ano de 1947. Em 1966, a tela foi transferida para o Museu de Arte Moderna, também na capital, onde se encontra atualmente.13
Artigos Relacionados
Bibliografia
BADENBERG, Nana. Las Dos Fridas: Entre Diego Y Leonardo – Maternidad Artistica de Un Recuerdo Infanti. Dispositio, 1993, Vol. 18, No. 44, LA COMUNICACION TRANSTLANTICA (1993), pp. 27-50.
DELANEUVILLE-SHIDELER, Marie-Françoise. La Rhétorique visuelle du thème de l’écorchée dans les autoportraits de Frida Kahlo: outil de thérapie ou d’accusation? RHETOR. Volume I (2004). Aqui.
FERNANDES, Fabiano Seixas. O Mapa Intimo. Estudos Feministas, Florianópolis, 16(1): 288, janeiro-abril/2008. Disponível aqui.
HASSOLD, Cris.The Double and Doubling in Modern and Postmodern Art Journal of the Fantastic in the Arts , 1994, Vol. 6, No. 2/3 (22/23), Double Issue: The Doppelgänger in Contemporary Literature, Film, and Art (1994), pp. 253-274.
LIM, So Ra. Da Imagem à Palavra: medo e ousadia em Hye Seok Rha, Tarsila do Amaral e Frida Kahlo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2005. Aqui.
SUTHERLAND, Camilla. (2022). Indigenismo and the Limits of Cultural Appropriation: Frida Kahlo and Marina Núñez del Prado. Angelaki: Journal of the Theoretical Humanities, 27(3-4), 75-90. Aqui.
VERA, Luis Roberto. “Raíz mesoamericana: Octavio Paz, Efraín Huerta y Frida Kahlo”. Impossibilia Nº4, Págs. 202-232 (Octubre 2012). Aqui.
Referências
- BADENBERG, Nana. Las Dos Fridas: Entre Diego Y Leonardo – Maternidad Artistica de Un Recuerdo Infanti. Dispositio, 1993, Vol. 18, No. 44,LA COMUNICACION TRANSTLANTICA (1993), pp. 27-50. p. 36. ↩︎
- BADENBERG, Nana. Las Dos Fridas: Entre Diego Y Leonardo – Maternidad Artistica de Un Recuerdo Infanti. Dispositio, 1993, Vol. 18, No. 44,LA COMUNICACION TRANSTLANTICA (1993), pp. 27-50. p. 36. ↩︎
- BADENBERG, Nana. Las Dos Fridas: Entre Diego Y Leonardo – Maternidad Artistica de Un Recuerdo Infanti. Dispositio, 1993, Vol. 18, No. 44,LA COMUNICACION TRANSTLANTICA (1993), pp. 27-50. p. 36. ↩︎
- HELM, McKinley. Modern Mexican Painters: Rivera, Orozco, Siqueiros and Other Artists of the Social Realist School. New York: Harper & Brother, 1941, pp. 167-168. apud. LIM, So Ra. Da Imagem à Palavra: medo e ousadia em Hye Seok Rha, Tarsila do Amaral e Frida Kahlo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2005. p. 288. ↩︎
- HASSOLD, Cris.The Double and Doubling in Modern and Postmodern Art Journal of the Fantastic in the Arts , 1994, Vol. 6, No. 2/3 (22/23), Double Issue: The Doppelgänger in Contemporary Literature, Film, and Art (1994), pp. 253-274. p. 256. ↩︎
- DELANEUVILLE-SHIDELER, Marie-Françoise. La Rhétorique visuelle du thème de l’écorchée dans les autoportraits de Frida Kahlo: outil de thérapie ou d’accusation? RHETOR. Volume I (2004). p. 9. ↩︎
- Artigo “Duas Fridas” da enciclopédia Britannica online. ↩︎
- VERA, Luis Roberto. “Raíz mesoamericana: Octavio Paz, Efraín Huerta y Frida Kahlo”. Impossibilia Nº4, Págs. 202-232 (Octubre 2012). p. 218. ↩︎
- VERA, Luis Roberto. “Raíz mesoamericana: Octavio Paz, Efraín Huerta y Frida Kahlo”. Impossibilia Nº4, Págs. 202-232 (Octubre 2012). p. 220. ↩︎
- SUTHERLAND, Camilla. (2022). Indigenismo and the Limits of Cultural Appropriation: Frida Kahlo and Marina Núñez del Prado. Angelaki: Journal of the Theoretical Humanities, 27(3-4), 75-90. ↩︎
- LIM, So Ra. Da Imagem à Palavra: medo e ousadia em Hye Seok Rha, Tarsila do Amaral e Frida Kahlo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2005. p. 289. ↩︎
- FERNANDES, Fabiano Seixas. O Mapa Intimo. Estudos Feministas, Florianópolis, 16(1): 288, janeiro-abril/2008. p. 38. ↩︎
- Artigo “Duas Fridas” da enciclopédia Britannica online. ↩︎