As Aventuras do Senhor Pickwick é um livro de Charles Dickens escrito e lançado entre 1836 e 1837. Produzido de forma serial, As Aventuras do Senhor Pickwick foram um grande sucesso e iniciaram a carreira de Charles Dickens como um dos maiores escritores da língua inglesa. Sua marca na literatura e cultura populares é inegável, com menção das Aventuras em obras posteriores também consideradas clássicas como Mulherzinhas e Cranford.
A escrita d’ As Aventuras do Senhor Pickwick
Com início em abril de 1836, as aventuras de Pickwick, cujo título original era The Posthumous Paper os the Pickwick Club (Os Documentos Póstumos do Clube Pickwick) foram lançadas de forma serial pelo editor Chapman and Hall. Charles Dickens foi chamado para escrever histórias que acompanhassem as ilustrações de Robert Seymour. Ficou estabelecido que Dickens produziria cerca de 8000 palavras por mês.1
Após aceitar a oferta, Dickens escreveu para sua noiva, Kate Hogarth, em 10 de fevereiro de 1836: “O trabalho não será brincadeira, mas o pagamento é muito tentador para resistir.“. Em seguida, o jovem Charles Dickens iniciou seu trabalho e, nas palavras de Mark Wormald, “imediatamente transformou os escritos em uma obra sua”.2

O interesse do público pela série aumentou consideravelmente. No ano seguinte, já na época da coroação da Rainha Vitória, a história já havia se tornado um sucesso de vendas com picos de 40,000 cópias vendidas. Se lembrarmos que no século XIX as leituras em voz alta, feitas em família ou outros grupos, ainda eram comuns, o alcance de As Aventuras do Senhor Pickwick pode ser considerado ainda maior.3 No outono de 1837, produtos como o sabonete do Senhor Pickwick bem como os veludos do personagem Sam Weller já podiam ser comprados.4
Dickens, a partir daí, apenas ampliaria sua fama e celebridade com as publicações subsequentes de Nicholas Nickleby e Oliver Twist.5 Em novembro de 1837, apenas três semanas após o aparecimento do último fascículo de As Aventuras do Senhor Pickwick, foi lançado um grosso volume reunindo toda a história.
O romance foi publicado por 19 meses sendo o último deles uma edição dupla. Seu preço era de 2 xelins. Quando a cunhada de Dickens, Mary Hogarth, faleceu, em Maio de 1937, a publicação foi interrompida por um mês.6
No episódio em que o senhor Pickwick é levado para à prisão, Dickens inicia sua longa série de personagens que se veriam, justa ou injustamente, atrás das grades. A pena por detenção era uma punição comum na Inglaterra de Dickens, inclusive a chamada prisão por dívidas. O pai de Dickens foi condenado por sua insolvência quando o escritor ainda era uma criança, de modo que o pai foi detido e toda a família o acompanhou em sua permanência na prisão Marshalsea.
Dickens, então com apenas 10 anos, foi empregado em uma fábrica de graxa e exposto a severas condições de trabalho. Aos domingos, passava o dia Marshalsea, com os pais e os irmãos.7 A traumática experiência marcaria o autor por toda a sua vida.
As Aventuras de Pickwick também trazem outra característica que estaria presente em quase todos os trabalhos subsequentes de Dickens: seus personagens advogados, julgamentos e demais questões processuais. Tal ponto também deriva, ao menos em parte, da própria experiência do autor o qual, após trabalhar na fábrica de graxa, foi empregado em dois escritórios de advocacia (o de Molloy, no Lincoln’s Inn, e o de Edward Blackmore, em Gray’s Inn).8
Para além de sua própria experiência pessoal, Dickens lançou mão de polêmicas ocorridas em sua época. O processo iniciado pela personagem Martha Bardell contra o senhor Pickwick parece ser um desses casos. Senhoria do personagem, Bardell acaba acreditando estar noiva de Pickwick e, quando o mal entendido lhe é apontado, ela escolhe processar o cavaleiro por “quebra de promessa de casamento”.
Segundo Mark Wormald, a história é baseada em um dos processos mais conhecidos do século XIX, quando o marido de Lady Caroline Norton, que aparentemente já não vivia mais com a mesma, iniciou um processo contra Lord Melbourne, antigo Primeiro Ministro por manter um “relacionamento impróprio com sua esposa”. Dickens foi um dos que cobriu o caso e acabou adaptando-o à sua própria narrativa posteriormente.9
As Aventuras do Senhor Pickwick foram promovidas antes de começarem a circular, conforme a propaganda citado em artigo por Seven Marcus: “No dia 31 de março começara a ser publicado, e mantido mensalmente, preço de um xelim, o primeiro número do Os Documentos Póstumos do Club Pickwick; contendo um registro verídico das perambulações, perigos, viagens, aventuras, e transações esportivas de seus membros correspondentes. Editado por ‘Boz’.”10

Particularidade do enredo de As Aventuras do Senhor Pickwick
As Aventuras do Senhor Pickwick trás uma série de temas que Charles Dickens continuaria a desenvolver ao longo de toda sua carreira. O episódio em As Aventuras no qual o personagem Gabriel Grub, um coveiro antissocial e mal-humorado, é atacado por um grupo de goblins enquanto cavava uma cova, não seria a única investida de Dickens no sobrenatural.
A história de Grub, que não por acaso se passa no natal, seria, para James Buzard, “um ensaio triste para Um Conto de Natal“, obra de 1843 e que pode ser considerada a mais famosa do autor inglês. Após o encontro com as criaturas macabras, Grub, de maneira similar à de Scrooge, se regenera:
“Grub é levado à ‘conclusão de que esse era um mundo muito decente e respeitável no final das contas’, e ele carrega hematomas por causa da surra [dos goblins] como um lembrete para não pecar de novo contra a domesticidade sagrada.”11
Seres fantásticos, a importância do natal e da família: elementos centrais não apenas em Um Conto de Natal como na maior parte dos contos natalinos de Dickens
Mark Wormald, autor de uma introdução de As Aventuras do Senhor Pickwick para a edição da Penguin, destaca como a obra é, em certa medida, amadora e improvisada, especialmente em comparação às obras que a seguiram. Dickens usa com frequência recursos linguísticos diversos e recorre ao humor e informalidade para compor as várias pequenas histórias contadas pelos personagens componentes da trama principal. Para Wormald, tais características, no entanto, lhe tiram as qualidades:
“Ao longo do livro, foram imagens, detalhes, que impulsionaram [Dickens], e o capacitaram a transformar uma série de piadas às custas dos outros, conjunções estranhas, analogias precárias e trocadilhos bregas em uma obra de coerência, humanidade e sabedoria genuínas.”12
Jacqueline Simpson tem um ponto de vista parecido, em artigo sobre que se centra nas lendas urbanas presentes em As Aventuras do Senhor Pickwick: “Dickens nunca mais fez uso tão frequente de histórias independentes como em Pickwick; e nunca mais ele escreveu com [tal] pressa e sem um enredo pré-planejado.”13 Aqueles que já leram a obra irão se lembrar que o personagem Sam Weller é uma das grandes fontes dessas pequenas histórias.
Kimberley Stern é uma das pesquisadoras que afirmam que Charles Dickens baseou o personagem na babá de seus filhos, Mercy Weller, que também tinha o hábito de contar histórias.14 No entanto, muitas das anedotas de Sam (e também das Aventuras no geral) são pouco ou nada infantis mas, lendas urbanas mais ou menos macabras e outros temas “maduros”.

Stern procurar compreender tais inserções a partir das diferenças entre Pickwick – um senhor de cerca de 50 anos, pertencente à nobreza não ocupada do trabalho, e cultivador do conhecimento acadêmico – e Sam Weller – jovem, emprego do senhor Pickwick, sem qualquer educação acadêmica mais profunda porém sagaz, astuto e dificilmente manipulável:
“A incansável necessidade de Sam de expor Pickwick (e o leitor) às horrendas realidades da política sexual vitoriana sugerem que, para Dickens, as histórias que importam são aquelas que produzem desconforto ao resistir às convenções genéricas do romance Inglês.”15
Personagens de As Aventuras do Senhor Pickwick
Senhor Samuel Pickwick: líder do clube, o senhor Pickwick é bondoso e nobre, porém inocente. Sua jornada e desventuras pelas diversas cidades da Inglaterra e pela capital, o coloca no caminho de maior maturidade e perspicácia.
Nathaniel Winkle: um dos membros do clube, Winkle é mais novo que o senhor Pickwick e acredita possuir grande habilidade esportiva. Muitos dos incidentes que o grupo enfrenta se dão por sua causa.
Augustus Snodgrass: um dos companheiros de viagem do senhor Pickwick, Snodgrass se diz um grande poeta, apesar de nunca apresentar qualquer uma de suas composições.
Sam Weller: se torna empregado pessoal do senhor Pickwick no começo de suas andanças. É um jovem simples porém sagaz, de modo que, com a convivência, seu patrão se torna menos ingênuo.
Tony Weller: pai de Sam, o senhor Tony compartilha com o filho sua seriedade e simplicidade.
Alfred Jingles:um dos grandes antagonistas do livro, o senhor Jingles vive viajando e aplicando os mais diferentes golpes naqueles com quem interage. As Aventuras do Senhor Pickwick é, em alguma medida, composto dos embates entre o clube e o farsante.
Senhora Martha Bardell: é a senhoria do Senhor Pickwick que, por uma série de enganos e mal entendidos, acredita estar noiva do mesmo. A senhora Bardell chega a processá-lo por quebra de promessa.
Legado e Adaptações
Tamanho sucesso deixaria sua marca não apenas no próprio tempo, mas também na posterioridade. Não cabe no escopo, desse artigo, listar as várias referências ao Senhor Pickwick e seu clube feitas pela cultura desde o aparecimento do livro. Talvez uma das mais significativas seja o “empréstimo” que as irmãs do livro “Mulherzinhas” (Little Women), de Louisa May Alcott, fazem do clube Pickwick. Escrito em 1868, Little Women nos dá conta do carinho que grande parte do público nutria pela obra.
Em outra obra – hoje clássica – do século XIX inglês, Cranford (1851) de Elizabeth Gaskell, o personagem capitão Brown é um fã das Aventuras e acompanha o lançamento das histórias com entusiasmo. Tal hábito é reprovado pela personagem Deborah Jenkyns, líder do grupo de mulheres que vivem em Cranford.
Como a grande maioria dos trabalhos de Dickens, As Aventuras do Senhor Pickwick ganhou inúmeras adaptações para o palco e cinema. As Aventuras do Senhor Pickwick foi adaptado para a televisão em formato de série de 1985. A empreitada da BBC contou com 12 episódios e foi ao ar entre janeiro e março daquele ano.
Artigos Relacionados
Referências
- STERN, Kimberly. “A Want of Taste”: Carnivorous Desire and Sexual Politics in “The Pickwick Papers”. Victorian Review , Spring 2012, Vol. 38, No. 1 (Spring 2012), pp. 155-171. p. 168.WORMALD, M., Introduction to The Pickwick Papers, in Charles Dickens, The Pickwick Papers, ed. M. Wormald, London, Penguin, 2003. p. 15. ↩︎
- WORMALD, M., Introduction to The Pickwick Papers, in Charles Dickens, The Pickwick Papers, ed. M. Wormald, London, Penguin, 2003. p. 15. ↩︎
- WORMALD, M., Introduction to The Pickwick Papers, in Charles Dickens, The Pickwick Papers, ed. M. Wormald, London, Penguin, 2003. p. 16. ↩︎
- WORMALD, M., Introduction to The Pickwick Papers, in Charles Dickens, The Pickwick Papers, ed. M. Wormald, London, Penguin, 2003. p. 17. ↩︎
- López-Varela, Asunción; and Khaski Gaglia, Camila. “Intermedial Serial Metarepresentation in Dickens’s The Pickwick Papers.” CLCWeb: Comparative Literature and Culture 15.7 (2013): <https://doi.org/10.7771/1481-4374.2390> p. 3. ↩︎
- López-Varela, Asunción; and Khaski Gaglia, Camila. “Intermedial Serial Metarepresentation in Dickens’s The Pickwick Papers.” CLCWeb: Comparative Literature and Culture 15.7 (2013): <https://doi.org/10.7771/1481-4374.2390> p. 3. ↩︎
- GEST, John Marshall. The Law and Lawyers of Charles Dickens. The American Law Register (1898-1907) , Jul., 1905, Vol. 53, No. 7, Volume 44 New Series (Jul., 1905), pp. 401-426. Disponível no Jstor. p. 403. ↩︎
- GEST, John Marshall. The Law and Lawyers of Charles Dickens. The American Law Register (1898-1907) , Jul., 1905, Vol. 53, No. 7, Volume 44 New Series (Jul., 1905), pp. 401-426. Disponível no Jstor. p. 403. ↩︎
- WORMALD, M., Introduction to The Pickwick Papers, in Charles Dickens, The Pickwick Papers, ed. M. Wormald, London, Penguin, 2003. p. 25. ↩︎
- MARCUS, Steven. Language into Structure: Pickwick Revisited. Daedalus , Winter, 1972, Vol. 101, No. 1, Myth, Symbol, and Culture (Winter, 1972), pp. 183-202. ↩︎
- BUZARD, James. “Wulgarity and Witality: On Making a Spectacle of Oneself in Pickwick.” Victorian Vulgarity: Taste in Verbal and Visual Culture, edited By Susan David Bernstein and Elsie B. Michie, Taylor & Francis, 2009. p. 21. ↩︎
- WORMALD, M., Introduction to The Pickwick Papers, in Charles Dickens, The Pickwick Papers, ed. M. Wormald, London, Penguin, 2003. p.20. ↩︎
- SIMPSON, Jacqueline. Urban Legends in The Pickwick Papers. The Journal of American Folklore, Oct. – Dec., 1983, Vol. 96, No. 382 (Oct. – Dec., 1983), pp. 462-470. p. 468. ↩︎
- STERN, Kimberly. “A Want of Taste”: Carnivorous Desire and Sexual Politics in “The Pickwick Papers”. Victorian Review , Spring 2012, Vol. 38, No. 1 (Spring 2012), pp. 155-171. p. 165. ↩︎
- STERN, Kimberly. “A Want of Taste”: Carnivorous Desire and Sexual Politics in “The Pickwick Papers”. Victorian Review , Spring 2012, Vol. 38, No. 1 (Spring 2012), pp. 155-171. p. 168. ↩︎