Confissões de uma Máscara de Yukio Mishima

Confissões de uma Máscara (Kamen no kokuhaku) é um livro escrito pelo escritor e dramaturgo japonês Yukio Mishima e lançado em 1949. Foi a primeira obra de Mishima a alcançar grande sucesso. Escrito quando Mishima tinha apenas 24 anos, Confissões segue um estilo de livros muito popular no Japão do século XX em que um personagem descreve com honestidade e sem pudores seus verdadeiros pensamentos e emoções.

Recebendo aclamação do público e da crítica, Confissões de uma Máscara se tornou um best-seller e lançou o nome de Yukio Mishima para o alto escalão da literatura japonesa do século XX. 


Contexto da escrita de Confissões de uma Máscara

Confissões de uma Máscara é em grande medida baseado na própria vida de seu autor. Sabe-se, por exemplo, que Yukio Mishima teve relações casuais e também namoros com outros homens além de ter sido frequentador de bares gays. Sua fascinação por São Sebastião, tratada desde sua origem em Confissões, toma forma e se manifesta anos depois, em 1966, quando um Mishima, depois de se transformar de nerd pálido e franzino, em bodybuilder queimado de sol, posou seminu como o mártir para uma sessão de fotos.

Os temas da atração homossexual, fantasias masoquistas e desejos de morte, tão presentes em Confissões de uma Máscara, se fizeram presentes em praticamente todas as obras de Yukio Mishima e fizeram com que o livro fosse interpretado como uma autobiografia, principalmente tendo em vista os acontecimentos em torno da morte de Mishima em 1970.

Foto de Yukio Mishima em 1956
Yukio Mishima em foto de 1956. Fonte: wiki.

Analisando a obra, Henrique Marques problematiza o termo “autobiografia” e explica a relação entre vida e obra em dois livros de Mishima da seguinte maneira:

“Em Confissões de uma máscara se estabelece um jogo paradoxal entre identidades e simulacros que contribuiu sobremaneira para a imagem que se faz de Mishima até os dias de hoje. […]  Mishima se lançava, com esse livro, em uma existência de papel da qual não havia retorno. Não se tratava mais de adivinhar a vida de Mishima em sua obra, mas da percepção da vida do autor como uma fábula concorrente existindo paralelamente aos seus livros”.1 

Conforme o próprio título do livro, Confissões, o primeiro grande sucesso de Yukio Mishima é uma narrativa sobre intimidade e introspecção. Chamado no Japão de shi-shosetsu – e em inglês de I-novels ou romances-do-eu – o gênero era popular e teve adeptos antes e depois de Mishima. Um dos mais famosos na própria época de Mishima era o escritor Osamu Dazai (1909-48), autor de Pôr do sol e Declínio de um Homem.

Explicando de maneira resumida tanto o gênero e os personagens desenvolvidos por Dazai, Hiasaaki Yamanouch escreve: “A maioria dos personagens de seus romances eram reflexos do próprio autor. […] Há uma curiosa confusão entre vida e obra”.2 O pesquisador ainda define Confissões de uma Máscara como um Bildungsroman.3

Máscara do teatro Nô. Yukio Mishima, autor de Confissões de uma Máscara, escreveu peças para o teatro Nô
Máscara do teatro Nô. Fonte: International Noh Institute.

Características do enredo de Confissões de uma Máscara

Entre os materiais que Mishima pesquisou e utilizou enquanto ainda preparava seu romance estão os trabalhos de Cocteau, Havelock Ellis e de Magnus Hirschfeld.4 O autor também recorreu a conversas com psicólogos Ryuzaburo Shikiba e Mochizuki, este ultimo tendo formulado uma teoria sobre a homossexualidade.5 

Flanagan cita a explicação que Mishima fez, em 1949, de seu romance para Shikiba que, além de psicólogo, era também crítico: O que está escrito em Confissões de uma Máscara, com exceção de ajustes em alguns personagens baseados em pessoas reais e a junção de dois personagens em um só etc., é uma fiel interpretação dos fatos a partir da minha própria experiência pessoal. Eu acho que tanto neste país quanto fora daqui, descrições francas e confessionais de “inversão sexual” são raras. Há algumas coisas como Um Grão de Trigo de [André] Gide, mas ali o lado psico-histórico é enfatizado.

Eu dei uma olhada em um livro pouco desconhecido, o Livre blanc de Jean Cocteau, mas ele é um texto muito curto. No começo do verão do ano passado eu li Inversão Sexual no Homem [sic] e Amor e Dor [sic] do sexólogo Ellis, e mesmo que seja algo extremamente engraçado de se dizer, ambos exigiram muito orgulho e conseguiram a coragem de confessar a partir do fato de que todos os exemplos listados são de intelectuais.

Naquela hora, eu sofria muito mais por causa da minha incapacidade de tomar uma direção normal do que por minha orientação sexual inata e pensava que uma confissão seria o meio mais efetivo de psicoterapia.”6

De Magnus Hirschfeld, Mishima consultou o Sexualpathologia, de 1917, que lhe fora emprestado por Mochizuki. Nele, Hirschfeld transcreve cartas entre um jovem estudante de direito e seu pai, funcionário público de alto escalão. Segundo artigo de Hiasaaki Yamanouchi, o filho havia se envolvi em um “incidente homossexual” e escrevera ao pai na esperança que ele entendesse sua “verdadeira natureza”:

referindo-se à ‘máscara’ que ele deveria mostrar para o mundo, ele falava de suas primeiras experiencias de amor homossexual“.7

Personagens de Confissões de uma Máscara

Kochan: personagem principal e narrador do livro, o nome Kochan é na verdade um apelido, o mesmo que Yukio Mishima tinha entre seus familiares. Em meio a Segunda Guerra Mundial, Kochan vive dividido entre os deveres escolares e o trabalho nas fábricas do esforço de guerra. Tem uma forte atração sexual por homens das classes baixas ao mesmo tempo em que nutre um grande afeto por Sonoko.

Omi: colega de escola do protagonista, exerce uma forte atração nele por seu jeito másculo e energético.

Sonoko Kusano: irmã de um amigo do protagonista, Sonoko para ser a mulher ideal para Kochan. 

Capa da primeira edição de Confissões de Uma Mascara de Yukio Mishima
Primeira edição de Confissões de uma Máscara. Fonte: Museu Yukio Mishima.
Recepção e critica de Confissões de uma Máscara

Flanagan nos conta em sua biografia de Yukio Mishima que os primeiros meses após o lançamento de Confissões de uma Máscara foram de angústia e apreensão para o autor. O livro, simplesmente não vendeu. Para promover a obra, Mishima lançou mão dos poucos contatos do meio literário que dispunha, feitos quando o jovem havia lançado seu primeiro livro Floresta em Pleno Florescer.

Mishima pediu, por exemplo, para o editor da revista Man para que fosse escrita uma crítica de suas Confissões. O texto de duas páginas feito por Kiyoshi Jinzai destacava as passagens eróticas incomuns bem como a diferença entre as duas metades do livro. Seis meses depois, as vendas permaneciam estagnadas e aparentemente cópias do livro começaram a ser devolvidas pelas livrarias.

De repente, porém, conforme nos dá conta Flanagan o livro apareceu na lista de melhores do ano do jornal Yomiuri. Uma outra crítica havia sido feita, dessa vez por Kiyotery Hanada para a edição de janeiro do Bungei. O texto, chamado “A Face de São Sebastião”, trazia a seguinte declaração: “com esse romance, o século XX começa no Japão”. O romance então começou a ser vendido.8 Em edição de capa dura, não muito tempo depois do texto de Hanada, foram vendidas 20.000 cópias, o que por sua vez fez com que novas críticas e análises surgissem. 9

Em 1950, o crítico Tsuneari Fukuda elogiou o livro dizendo “Confissões de uma Máscara não apenas se mantém no topo das obras de Yukio Mishima, mas também será, eu penso, uma das maiores e mais longevas realizações da literatura do pós-guerra”.10 O amigo e mentor de Mishima, o autor Yasunari Kawabata, ecoou tal opinião em um artigo de dezembro de 1949 intitulado “Mishima: a esperança de 1950“.11

Com tal sucesso, traduções do livro para diferentes línguas logo ocorreram. Sobre o trabalho feito em parceria com Yukio Mishima, a tradutora Meredith Wheaterby relatou como foi verter Confissões de uma Máscara para o inglês:

“Gastávamos um dia inteiro cobrindo apenas dois ou três pontos. Mishima nunca mostrava sinais de irritação. […] Traduzir o seu trabalho é mais difícil que traduzir Nô clássico. Às vezes me custava três horas para traduzir uma única sentença. Ele sempre expressava coisas mais sutis nas sentenças mais condensadas.”12

Antes de tirar a própria vida, Yukio Mishima transferiu os direitos autorais de Confissões de uma Máscara para sua própria mãe. Depois de mais de duas décadas, o livro ainda vendia cerca de 100.000 por ano.13

Artigos Relacionados

O Pavilhão Dourado de Yukio Mishima

Bibliografia sobre Confissões de uma Máscara

FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014.

MCADAMS, Dan P. Fantasy and Reality in the Death of Yukio Mishima. Biography, Fall 1985, Vol. 8, No. 4 (Fall 1985), pp. 292-317. Disponível no Jstor

MARQUES, Henrique de Oliveira. O Espaço Autobiográfico em Yukio Mishima. (Dissertação). Mestrado em Estudos Literários, Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. Aqui.

YAMANOUCHI, Hiasaaki. Mishima Yukio and His Suicide. Modern Asian Studies, 1972, Vol. 6, No. 1 (1972), pp. 1-16. Disponível no Jstor.  

Referências

  1. MARQUES, Henrique de Oliveira. O Espaço Autobiográfico em Yukio Mishima. (Dissertação). Mestrado em Estudos Literários, Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. p. 117. ↩︎
  2. YAMANOUCHI, Hiasaaki. Mishima Yukio and His Suicide. Modern Asian Studies, 1972, Vol. 6, No. 1 (1972), pp. 1-16. p. 3. ↩︎
  3. YAMANOUCHI, Hiasaaki. Mishima Yukio and His Suicide. Modern Asian Studies, 1972, Vol. 6, No. 1 (1972), pp. 1-16. p. 4. ↩︎
  4. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 98. ↩︎
  5. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 101. ↩︎
  6. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 98. ↩︎
  7. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 102. ↩︎
  8. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 99. ↩︎
  9. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 103. ↩︎
  10. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 103. ↩︎
  11. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 103. ↩︎
  12. MARQUES, Henrique de Oliveira. O Espaço Autobiográfico em Yukio Mishima. (Dissertação). Mestrado em Estudos Literários, Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. p. 23. ↩︎
  13. FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 231. ↩︎
Data: 1949
Origem: Japão
Autor: Yukio Mishima

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