Contos Natalinos de Charles Dickens

Contos Natalinos de Charles Dickens são cinco contos escritos pelo famoso autor inglês entre 1843 e 1848. O mais famoso dentre eles é sem dúvida o primeiro, Um Conto de Natal cujo título original é A Christmas Carol. Após seu grande sucesso, Dickens lançou outros contos natalinos nos anos seguintes. Todos foram editados juntos e publicados em 1852.

Conforme os testemunhos de amigos e conhecidos, sabe-se que o escritor Charles Dickens não apenas gostava de escrever histórias de Natal, mas adorava celebrar a data. Com o típico peru, decorações e músicas, Dickens costumava festejar o feriado cristão em família.

O Natal também foi ocasião de inspiração – e muitas vendas – para o escritor que, ao longo de sua carreira, escreveu cerca de 20 histórias de natal.1 O chamado Conto de Natal é certamente o mais célebre dentre todos, mas não é o único. Os contos natalinos que vieram depois dele, apesar de atualmente desfrutarem de menor fama, foram bem recebidos em seus respectivos anos de lançamentos. Senão pela crítica, ao menos por grande parte do público vitoriano, avido por contos natalinos.

Pintura natalina de Eduard Geselschap como ilustração para os contos natalinos de Charles Dickens
Detalhe de uma pintura natalina de Eduard Geselschap feita em meados do século XIX. Fonte: DW

Os Sinos e o contos natalinos como ocasião para crítica social

Os Sinos: Uma História de Goblin sobre Sinos que Batiam A Saída de um Velho Ano e a Entrada de um Novo Ano. O conto foi escrito enquanto Dickens visitava a cidade de Gênova, no ano de 1844. Atormentado pelos sinos das igrejas locais, o autor terminou de escrever o conto em novembro daquele ano. Antecipando a acolhida do conto, Dickens disse que Os Sinos provocariam “o que as mulheres chamam de um bom e verdadeiro choro”.2

Os Sinos traz a história de Trotty Veck, sua filha Meg e pessoas conhecidas da família. Ao expor o cotidiano de fome e miséria que predominava na vida da maior parte das pessoas da Londres de meados do século XIX, o conto adquire um tom sombrio, pesado e mesmo mórbido. Questões como o desemprego e a alta concentração de renda são/eram estruturais na sociedade londrina e o final do conto, mais ou menos otimista, não dá conta de tirar toda a carga emocionalmente pesada do conto.

Cedric Watts afirma que esse conto de natal de Dickens foi inspirado em obras com temas semelhantes como Notre Dame de Paris de Victor Hugo e Das Lied von de Glocke de Friedrich Schiller. Os Sinos teve ao menos 20.000 cópias vendidas na ocasião de seu lançamento.3

Ilustrações originais de contos natalinos de Charles Dickens
Ilustração original de O Grilo na Lareira (1845). Fonte: Victorian Web . Ilustração original de Um Homem Assombrado (1848). Fonte: Victorian Web.

O enredo da obra é uma referência direta à campanha promovida em 1841 pelo Sir Peter Laurie cujo o objetivo era a punição de pessoas que tentassem o suicídio. Os Sinos também é uma resposta ao caso de Mary Furley, jovem que havia sido condenada em abril de 1844 após tentar se matar afogada juntamente com seu filho. Furley, que vivia em condições de extrema pobreza, sobreviveu. Pela morte do filho, no entanto, ela foi processada. Dickens fez campanha para que a mãe recebesse uma pena branda e por fim Mary Furley foi condenada a 7 anos de desterro.4

As reações ao conto foram variadas. Ao tratar sobre as imensas dificuldades financeiras e questões como o suicídio, Charles Dickens tocou em problemas estruturais da sociedade de seu tempo. O amigo do escritor, John Forster, escreveu para Dickens após a leitura de Os Sinos: “Uma depressão permanece na mente após fecharmos o livro, que algumas páginas felizes não dispersam”5Um comentarista do The Times, insatisfeito, diz que Charles Dickens acabou representando “todo homem rico como mau, e todo homem pobre como bom“.

Tal representação poderia ser prejudicial já que “há alguns [membros] da classe trabalhadora que podem encontrar nisso [no conto] alimento para a insatisfação, e ódio para como os membros da sociedade mais afortunados”.6 

Na publicação The Northern Star, um comentarista de tendência cartista celebrou Os Sinos e Dickens como “campeão do povo” dizendo que o se o conto era “franco no enredo” era “politicamente o melhor trabalho de Dickens” pois “transmite esperança aos oprimidos”7 O conto natalino de Dickens foi criticado no Christian Remembrance, jornal da High Church e considerado de direita. Na publicação, Os Sinos aparecem como não tendo “o Espírito e a Força de Deus”8

O Grilo na Lareira

O Grilo na Lareira (The Cricket on the Hearth) apareceu em 1845. Trazendo no enredo temas como a disparidade etária entre marido e mulher, o casamento por conveniência e a ganância, o conto trata da história de John Peerybingle e sua jovem esposa Mary “Dot” Peerybingle.

O conto, conforme nota de Robert Fairhurst, surgiu a partir da intenção de Dickens em lançar um periódico de nome O Grilo, que tinha como principal objetivo a promoção dos ideais de lar que já haviam aparecido em Um Conto de Natal. Nas palavras do escritor, seu Conto era: “uma referência brilhante, sincera, generosa, alegre e radiante de tudo que tinha a ver com o Lar e a Lareira9 e, por isso, deveria continuar. 

O tema do casamento entre um homem de meia idade e uma mulher muito mais jovem também continuou aparecendo em outras obras de Dickens, com a “força de uma obsessão”, em personagens subsequentes como Dr Strong (David Copperfield), Arthur e Clennam (A Pequena Dorrit) e Joe Gargery (Grande Esperanças).10

No Chamber’s Edinburg Journal, o conto foi elogiado e sobre o autor se afirmou “Senhor Dickens foi bem sucedido tanto pelo tato quanto pela genialidade”.11 Menos acalorada foi a crítica do The Times em que O Grilo na Lareira foi chamado de uma “manifestação tagarela de tolice“.12

No Edinburg Ecclesiastical Journal apareceu outra crítica ainda menos lisonjeira: o conto não tinha “muita engenhosidade e nenhuma originalidade“. As sacadas ao longo do conto também foram consideradas “forçadas e artificiais”13 De uma forma geral, porém, O Grilo seguiu no rastro de seus antecessores, ao menos em parte. 

Um mês após seu lançamento, datado de dezembro de 1845, ao menos 17 adaptações já haviam tomado os palcos. Dentre os espectadores de tais encenações, sabe-se que um deles foi ninguém menos que Vladimir Lenin. Ele, segundo sua esposa, teria detestado a adaptação da história de O Grilo que assistiu no Teatro das Artes de Moscou, devido à sua “sentimentalidade de classe média”.14

Batalha da Vida

 Os contos natalinos de Dickens ainda incluem Batalha da Vida: Uma História de Amor, escrito em 1846. Trazendo a história das irmãs Grace e Marion, o conto foi o penúltimo a ser produzido pelo escritor inglês especialmente para as festas de fim de ano. Ecoando as opiniões ruins de seus antecessores, Batalha da Vida recebeu criticas negativas de Edward Fitzgerald, por exemplo.

Escrevendo para o crítico William Thackeray, ele disse: “que coisa mais miserável é A Batalha da Vida”.15 Wilkie Collins, amigo de Charles Dickens, defendeu a obra nos seguintes termos: ” [Batalha da Vida é um livro] que todo mundo falou mal, e que, no entanto, todo mundo eu”. Ao final do primeiro ano, a obra vendeu 24.450 cópias.16

O Homem Assombrado

O último dos contos natalinos de Dickens tem como título O Homem Assombrado e a Barganha do Fantasma – Uma fantasia para a época do natal. Lançado em 1848, o conto quebrou um hiato de quase dois anos de produções natalinas. Isso se deveu ao fato de Dickens ter se ocupado com a escrita de Dombey e Filho durante o período. Tanto a quebra na tradição quanto a ausência de recursos que elas traziam ao escritor haviam sido sentidas, conforme o próprio Dickens chegou a afirmar: “[…] detesto perder o dinheiro. E ainda mais deixar esse intervalo nas lareiras do Natal que eu devo preencher“.17

Para Robert Fairhurst, que escreveu a introdução dos contos natalinos de Dickens para a edição da Oxford University Press, o personagem do Homem Assombrado, professor Redlaw, retoma o tema de se estar acorrentado ao próprio passado, já trabalhado em O Conto de Natal. O ponto seria retomado mais uma vez em Grandes Esperanças com o personagem de Abel Magwitch.18

A história logo ganhou uma versão para o teatro, feita pelo próprio Dickens em parceria com Mark Iemon, que performou ao menos 42 duas vezes no Adelphi Theatre de Londres. A obra terminou o ano de seu lançamento com 17,776 cópias vendidas. Isso se traduziu em 793 libras para o bolso Dickens, superando os ganhos de Um Conto de Natal.19 

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Referências

  1. MAGGIO, Sandra Sirangelo (2015). “Vivendo em Três Tempos: Os Contrastes em Dickens e os Três Espíritos de Natal”. In: DICKENS, Charles. Um Cântico de Natal e Outras Histórias. São Paulo: Martin Claret. p. 7. ↩︎
  2. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XX. ↩︎
  3. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXII ↩︎
  4. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XX. ↩︎
  5. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXI. ↩︎
  6. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXI. ↩︎
  7. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXI. ↩︎
  8. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXII. ↩︎
  9. FAIRHURST, Robert Douglas. 2006. “Introduction”, In: Charles Dickens’ A Christmas Carol and Other Christmas Books. New York: Oxford University Press. XXII ↩︎
  10. FAIRHURST, Robert Douglas. 2006. “Introduction”, In: Charles Dickens’ A Christmas Carol and Other Christmas Books. New York: Oxford University Press. XXVII ↩︎
  11. FAIRHURST, Robert Douglas. 2006. “Introduction”, In: Charles Dickens’ A Christmas Carol and Other Christmas Books. New York: Oxford University Press. XXIII. ↩︎
  12. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXIII. ↩︎
  13. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXIII. ↩︎
  14. FAIRHURST, Robert Douglas. 2006. “Introduction”, In: Charles Dickens’ A Christmas Carol and Other Christmas Books. New York: Oxford University Press. XXIX. ↩︎
  15. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXIV. ↩︎
  16. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXV. ↩︎
  17. FAIRHURST, Robert Douglas. 2006. “Introduction”, In: Charles Dickens’ A Christmas Carol and Other Christmas Books. New York: Oxford University Press. XXII. ↩︎
  18. FAIRHURST, Robert Douglas. 2006. “Introduction”, In: Charles Dickens’ A Christmas Carol and Other Christmas Books. New York: Oxford University Press. XXVII. ↩︎
  19. WATTS, Cedric. “Dickens Christmas Stories (Wordsworth Classics).” Christmas Books, Hertfordshire, Wordsworth Editions, 2004, Introduction. p. XXV. ↩︎

Data: A partir de 1843
Origem: Londres, Inglaterra
Autor: Charles Dickens

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