Dorothea Tanning foi uma pintura, escultora e escritora nascida nos Estados Unidos em 1910. No início de sua carreira, Tanning fazia parte do grupo surrealista e muitos de seus quadros, como Eine Kleine Nachtmusik, foram feitos dentro daquele estilo. Com o passar do tempo, a artista experimentou com diferentes técnicas e produziu trabalhos que misturam tanto a arte figurativa quanto a abstrata.
Além disso, Dorothea Tanning produziu objetos com diferentes materiais – Emma e Nue Couchée são alguns exemplos – e também de escrever poemas e um romance, Chasm: A Weekend. A artista desfrutou de uma vida longa e produtiva. Sua morte ocorreu quando Tanning tinha 101 anos, em 2012.
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Infância e Início da carreira
Dorothea Tanning nasceu na cidade de Galesburg, estado de Illinois. A vida pacata no interior não a agradava e ela teria dito que em sua pequena cidade “nada acontece além do papel de parede“1. Filha de imigrantes suecos, Dorothea foi criada com suas irmãs em lar conservador. Desde pequena, sua maior distração era em livros góticos e poesia: “Fantasia gótica foi muito influente na minha vida. Ela me deu a possibilidade de criar uma nova realidade, uma que não dependesse de valores burgueses mas uma forma de mostrar o que realmente acontecia sob o tédio da vida cotidiana. Com certeza, eu vibrava com o terror e também com o caos“2.
Sabe-se que sua casa na Galesburg tinha um jardim de girassóis, “a mais agressiva das flores“, e que seria uma das marcas de seus estilo3. Anos 18 anos, ela se tornou estudante na Knox College, entre 1928 e 1930.

Mais tarde, a jovem Dorothea viajaria para Chicago e depois Nova York em busca de sua carreira artística. Em 1936 ela teve seu primeiro contato com o estilo surrealista na exposição Fantastic Art, Dada, Surrealism que aconteceu no Moma em 1936. Segundo Alyce Mahon, o evento marcou Dorothea profundamente e influenciou sua produção artística mesmo depois de décadas. A pesquisadora relaciona uma obra tardia de Tanning, como Almofada de Alfinete Servido de Fetiche (1965), com o célebre objeto de Meret Oppenheim Jogo de Café da Manhã em pele (1936)4.
Tanning descreveu o movimento surrealista como “uma dilatação ilimitada da possibilidade”5 e também como um “esforço de mergulhar no mais profundo subconsciente para descobrirmos a nós mesmos”6.
Em 1939 ela encarou a jornada para Paris. Porém, ela não poderia ter escolhido pior momento. Quando chegou à capital e procurou pelos artistas com quem tinha se correspondido desde a exposição do MoMA, não encontrou nenhum sequer.
O início iminente da Segunda Guerra Mundial tinha dispersado o grupo surrealista pela Europa e, principalmente, pela América. Dorothea Tanning se hospedou por um tempo na casa de um tio, em Estocolmo, onde pintou retratos de membros da família.
Com o início efetivo do conflito, ela retornou aos Estados Unidos. Uma vez de volta a Nova York, ela trabalhou, assim como muitos artistas então e ainda atualmente, como freelancer no desenvolvimento de peças publicitárias. Ela trabalhou para a loja de departamentos Macy’s.

Em 1942, envolvido na preparação da exposição 31 Mulheres, da galeria de sua companheira da época Peggy Guggenheim, Max Ernst foi ao encontro de Tanning por recomendação do também galerista Julian Lévy. O pintor alemão viu um dos trabalhos de Tanning, um autorretrato, e lhe sugeriu o título de Birthday, em um gesto que marcaria a entrada de Tanning para o movimento surrealista. Cerca de uma semana depois, Ernst já estava morando com Tanning em seu pequeno apartamento na East 58th Street em Nova Iorque7.
Os dois se casaram em 1946 em uma cerimônia dupla junto com o fotógrafo Man Ray e Juliet Browner. Alyce Mahon entende a integração de Dorothea Tanning no círculo surrealista – seu já citado Aniversário (1943) e seu conto Encontro às Cegas publicado na revista VVV, como “uma escolha estratégica no reposicionamento do surrealismo como movimento mais internacional” no pós Segunda Guerra Mundial.8
Em 1945, o casal já tinha resolvido se mudar de maneira permanente para a cidade de Sedona, no Arizona, região desértica que ficaria registrada nos trabalhos de ambos os artistas nas décadas seguintes. Nas palavras de Tanning “Acima de nossas cabeças, um azul tão triunfante que penetrava nos espaços mais escuros do seu cérebro. Por baixo de um chão antigo e cruel com pedras, apenas pedras, e espinhos de cactos brincando […]“9. A natureza opressiva, porém podia se tornar quase insuportável: “os decibéis da natureza podem esmagar o cérebro de um artista…Por isso, eu tranco a porta e pinto interiores….“10. Tal potência do ambiente é enfatizada, por exemplo, em um autorretrato de 1944.
A propriedade foi comprada com o prêmio que Max Ernst ganhou na competição promovida pelo diretor Albert Lewis: sua A Tentação de Santo Antônio lhe rendeu 2500 dólares e aparece no filme The Private Affairs of Bel Ami de 194711. Dorothea Tanning e Leonora Carrington, antiga companheira de Max, foram algumas artistas que haviam participado da disputa.
Dorothea Tanning conheceu o coreógrafo Balanchine com quem trabalhou em 4 ballés entre 1946 e 1953. Ela criou figurinos e cenários para Night Shadow (1946), Bayou (1952). Com esse último ela declarou que teve o objetivo de capturar uma “Joie de vivre (alegria de viver), gestos elegantes, muita superstição e (Eu espero) um pouco de selvageria“12.
Girassóis, adolescentes em transe e abstração: o estilo de Dorothea Tanning
Fortemente influenciada pelo surrealismo, alguns temas e motivos podem ser visto em toda a obra de Tanning. Um deles é a presença de meninas pré-adolescentes em cenários sombrios em meio a atividades surpreendentes. Em Eine Kleine Nachtmusik, um de seus quadros mais famosos, a(s) garota(s) encaram um imenso girassol, desenraizado, no chão. As personagens parecem ter acabado de derrotá-lo ou detê-lo. Similarmente, as garotas em Brincadeira de Criança (1941), similarmente, arrancam de maneira dramática o papel de parede em um longo corredor.
Outras pinturas como Palaestra, Interior com Alegria Repentina e O Quarto de Hóspede trazem crianças e jovens garotas em cenários ambíguos e inquietantes. Casas e cômodos fechados e escuros são outra marca de Dorothea Tanning. Sobre o tema, Gabriella Glavan analisa: “[Nas obras de Tanning] Casas e interiores não são espaços de proteção, e clausura não implica familiaridade, carinho, comunicação”13.
Com uma carreira que atravessa várias décadas, é compreensível que o estilo de Dorothea Tanning sofresse alterações e desenvolvimentos que tornassem seus quadros dos anos 30 e 40 diferentes daqueles das décadas 60 e 70. De uma maneira geral, as telas da artista se tornaram marcadamente mais abstratas com o passar dos anos, tendência que se verifica também na trajetória de outros pintores associados ao surrealismo como Gunther Gerzso e Leonor Fini. Tal observação deve ser feita com cautela, uma vez que a própria Tanning afirmou em determinado momento que:
“Cada uma das minhas pinturas é um passo na mesma estrada. Eu não vejo nenhuma ruptura ou desvio, nem mesmo temporário. As mesmas preocupações me obcecam desde o começo.”14
Ao longos dos anos 60 e 70, Dorothea Tanning e Max Ernst viveram entre o Texas e Paris. Com a morte do artista, em 1976, a pintora se mudou em definitivo para os Estados Unidos. Dorothea afirmou que uma vez sem Max ela “deu vazão livre a sua longa compulsão por escrever”. Sobre esse momento de perda, ela escreveu: ” ‘Max Ernst morreu em 1º de Abril, 1976 e Dorothea encarou um futuro solitário’, disseram os tubos de tinta, as telas, os pincéis“15.

Em 1964, Dorothea já havia publicado Demain, coletânea de poemas e gravuras. Em 1986, ela lançou Birthday, seu primeiro livro de memórias. Em 2001, Birthday ganhou uma versão expandida intitulada Between Lives: An Artist and Her World. Nessa época ela também começou a produção de seu romance que ganhou diferentes títulos até ser lançado em 2004 com o nome Chasm: A Weekend.
Esculturas e objetos
A partir dos anos 50 e 60, além das mudanças estilísticas em suas pinturas, Dorothea passou a produzir objetos em diferentes meios. Muitos deles são biofórmicos feitos de tecido e enchimento semelhante a almofadas, com prolongamentos e formatos inesperados. Frente a tais criações, o observador pode sentir desde familiaridade até desconforto, ameaça ou mesmo asco, repugnância.
Críticos os interpretaram – e interpretam – os objetos de Tannning de diferentes maneiras, relacionando-os a desejos reprimidos de violência e pulsões sexuais, desintegração e união de identidades e psiques ou estenderam a tais obras os mesmos entendimentos direcionados às pinturas de Tanning.
Entre tais criações Emma é uma que mais recebeu destaque desde sua primeira exposição. Atualmente parte do acervo do Nelson-Atkins Museum of Art, Emma é tido por alguns como a pesquisadora Catriona McAra como uma releitura ou reencarnação da personagem de Emma Bovary de Flaubert . Em artigo sobre o objeto, McAra denomina Emma de “descontextualizada e fragmentada“16 e filha do “cadáver esquisito .. parecida com um tornço ou placenta” e “gravida de significado“17. Para a pesquisadora:
“Emma invoca tanto a estética do fofo quanto do grotesco. Ela serve tanto como um prato de sobremesa sedutor ([ que remete ao] açúcar” do livro, como no açúcar puramente branco que Emma vê quando vai ao baile de La Vaubyessard) mas também um misterioso monte de carne velado (envenenado por arsênico). Ela é ao mesmo tempo taxidermica; um bouquet de noiva seco.“18
Morte e legado
Dorothea Tanning faleceu em 31 de janeiro de 2012, em seu apartamento em Nova Iorque aos 101 anos. Em 1997 foi fundada a Dorothea Tanning Fundation com o objetivo de preservar a obra da artista e manter seu legado.
Artigos Relacionados
Eine Kleine Nachtmusik de Dorothea Tanning
Bibliografia
Guia online da exposição ocorrida em 2019 no Tate Museum. Aqui.
BALSACH, Maria Josep. (2019). Visiones desde el desierto. Las metamorfosis de Dorothea Tanning. Barcelona, Research, Art, Creation, 7(3) 307-335. Aqui
BOZHKOVA, Yasna. “« Dorothea Tanning, le modernisme et l’avant-garde transatlantique »”, Transatlantica [Online], 1 | 2018, Online since 30 September 2019. Aqui
GLAVAN, Gabriella. Corrupt Childrood – Dorothea Tanning’s Chasm: A Weekend. BAS – British & American Studies . 2016, Vol. 22, p. 57-63. p. 60. Aqui
HAMIMED, Nadia. Dorothea Tanning: Erotic and Dark Aesthetics.International Journal of Applied Linguistics & English Literature. Vol 11, No 4 (2022). Aqui
MCARA, Catriona. Emma’s navel: Dorothea Tanning’s narrative sculpture. In: Intersections: Women Artists/Surrealism/Modernism. 2016. Manchester University Press. Aqui
MCARA, Catriona. Glowing Like Phosphorus: Dorothea Tanning and the Sedona Western. Journal of Surrealism and the Americas.10:1 (2019), 84-105. Aqui
Referências
- Guia online da exposição de 2019 ocorrida no Tate. p. 8. ↩︎
- HAMIMED, Nadia. Dorothea Tanning: Erotic and Dark Aesthetics.International Journal of Applied Linguistics & English Literature. Vol 11, No 4 (2022). p. 35. ↩︎
- BALSACH, Maria Josep. (2019). Visiones desde el desierto. Las metamorfosis de Dorothea Tanning. Barcelona, Research, Art, Creation, 7(3) 307-335. p. 317. ↩︎
- BOZHKOVA, Yasna. “« Dorothea Tanning, le modernisme et l’avant-garde transatlantique »”, Transatlantica [Online], 1 | 2018, Online since 30 September 2019. p. 3. ↩︎
- Guia online da exposição de 2019 ocorrida no Tate. p. 4. ↩︎
- Guia online da exposição de 2019 ocorrida no Tate. p. 8. ↩︎
- BALSACH, Maria Josep. (2019). Visiones desde el desierto. Las metamorfosis de Dorothea Tanning. Barcelona, Research, Art, Creation, 7(3) 307-335. p. 307. ↩︎
- BOZHKOVA, Yasna. “« Dorothea Tanning, le modernisme et l’avant-garde transatlantique »”, Transatlantica [Online], 1 | 2018, Online since 30 September 2019. p.8. ↩︎
- MCARA, Catriona. Glowing Like Phosphorus: Dorothea Tanning and the Sedona Western. Journal of Surrealism and the Americas.10:1 (2019), 84-105. p. 89 ↩︎
- GLAVAN, Gabriella. Corrupt Childrood – Dorothea Tanning’s Chasm: A Weekend. BAS – British & American Studies . 2016, Vol. 22, p. 57-63. p. 60. ↩︎
- MCARA, Catriona. Glowing Like Phosphorus: Dorothea Tanning and the Sedona Western. Journal of Surrealism and the Americas.10:1 (2019), 84-105. p.88 ↩︎
- Guia online da exposição de 2019 ocorrida no Tate. p. 46. ↩︎
- GLAVAN, Gabriela. Verbal Dreamscapes. Dorothea Tanning’s Visual Literatura. De Gruyter Open. 14-2016. pp. 110-115. p. 87. ↩︎
- Guia online da exposição de 2019 ocorrida no Tate. p. 8. ↩︎
- Guia online da exposição de 2019 ocorrida no Tate. p. 49. ↩︎
- MCARA, Catriona. Emma’s navel: Dorothea Tanning’s narrative sculpture. In: Intersections: Women Artists/Surrealism/Modernism. 2016. Manchester University Press. p. 93. ↩︎
- MCARA, Catriona. Emma’s navel: Dorothea Tanning’s narrative sculpture. In: Intersections: Women Artists/Surrealism/Modernism. 2016. Manchester University Press. p. 94. ↩︎
- MCARA, Catriona. Emma’s navel: Dorothea Tanning’s narrative sculpture. In: Intersections: Women Artists/Surrealism/Modernism. 2016. Manchester University Press. p. 94. ↩︎