Ervas daninhas de Richard Redgrave

Ervas Daninhas de Richard Redgrave é um quadro do pintor inglês feito em 1846 e exposto na Royal Academy no mesmo ano. Seu título completo é Preparando-se para tirar as Ervas Daninhas. Na época de Redgrave e de sua pintura, ervas daninhas ( widow’s weeds no original), também significava o vestuário do luto. A obra condensa a forte carga simbólica que o luto tinha durante o século XIX inglês. 

Uma jovem viúva, personagem principal do quadro, é retratada no momento em que está prestes a abandonar o vestido preto que costumava usar, indicativo por excelência de sua condição, em favor do tradicional vestido de noiva. Ao longo de todo 1800, o luto se tornou uma das características mais marcantes da sociedade inglesa, com uma complexa diversidade de regras e protocolos.

Por expor a questão do luto – e, principalmente, sua retirada – da maneira como o fez, o quadro foi criticado de maneira severa, além de ter sido alterado. Atualmente, Preparando-se para retirar as Ervas Daninhas faz parte do acervo do Victoria and Albert Museum da Inglaterra.

Preparando-se para tirar as Ervas Daninhas de Richard Redgrave.
Preparando-se para tirar as Ervas Daninhas, 1846. Fonte: VAM.

Luto e vanitas: elementos de Ervas Daninhas de Richard Redgrave

Sophie Gilmartin afirma, em artigo sobre o luto na Inglaterra Vitoriana, que o espelho – segurado por uma das acompanhantes da personagem principal – é um símbolo típico das vanitas.1 Esse tipo de pintura tinha como objetivo destacar a transitoriedade da vida da beleza e das coisas terrenas riquezas e poder, de modo que a vaidade que a beleza e/ou as posses ou conhecimento pudesse trazer, seria vazia. Em Ervas Daninhas, uma obra, como já apontamos, relacionada intimamente ao luto, o espelho ganha uma carga emocional ainda maior. 

A retirada do luto, durante a Era Vitoriana, era um processo gradual e delicado. Esperava-se que uma esposa que perdesse o marido, guardasse o chamado luto fechado (ou luto pesado) por ao menos dois anos. Luto fechado é o termo utilizado para se referir à vestimenta total e completamente preta. Atualmente, a tradição se mantém para a ocasião do funeral/enterro. Mas, no passado, vestir-se de preto devido à morte de alguém da família, era um protocolo que variava de acordo com a proximidade desse alguém. Até mesmo empregados deveriam portar o preto após a morte de seu patrão ou patrões.

Ao luto fechado, guardado pela viúva por dois anos, passava-se ao chamado luto aliviado ou meio luto. Aos poucos,  a mulher incorporava cores escuras e sóbrias às suas roupas, como o roxo escuro, tons de cinza escuros e mesmo vermelhos-bordô. Juliana Schmitt, especialista brasileira em representações da morte e vestuário do luto, nos esclarece que se a passagem do luto fechado para o meio luto – e deste para a normalidade – não fosse feita de maneira discreta e gradual, poderia causar não só fofoca, mas mesmo um escândalo, com suas consequentes sanções sociais.2 Você pode ler nosso artigo sobre o vestuário do luto no século XIX, tanto inglês quanto brasileiro.

Aqui, em Ervas Daninhas de Richard Redgrave, o que se vê é justamente uma passagem brusca do luto fechado para um vestido claro, acompanhado, talvez, de um xale multicolorido que podemos ver no colo da personagem. Ainda mais desconfortável para a sociedade inglesa do século XIX, são detalhes da pintura que remetem ao casamento. A caixa de cor cinza (ou roxa) no canto direito da tela contém um chapéu tipicamente utilizado por noivas. Além disso, na caixa há também um pequeno ramo com alguns botões de laranjeiras, também utilizado em casamentos.3

Para além de tais detalhes, originalmente a tela contava com a presença de um personagem que não está mais presente. Do lado esquerdo, vemos uma porta e um biombo no cômodo em frente, ambos com aparência borrada. Richard Redgrave havia pintado ali a figura de um homem, acredita-se que com um uniforme de soldado, o qual estava prestes a entrar no quarto. Sua presença, no original, estabelecia um grande contraste com o retrato do primeiro marido da personagem, já falecido, que vimos pairando acima no centro da pintura.4

Na época, o colecionador John Sheepshanks pediu para que Redgrave apagasse o noivo da pintura para que, só então, ele pudesse adicionar a tela à sua coleção.5

Recepção e crítica de Ervas Daninhas de Richard Redgrave

Preparando-se para tirar as Ervas Daninhas foi considerado vulgar por grande parte da crítica de sua época. Conforme nos dá conta Sophie Gilmartin em seu artigo, na publicação The Critic da época, a pintura “foi muito longe para o bom gosto, na senhora que, como deveria ser lembrado, ainda está vestindo o luto”.

O Sindicato das Artes, por sua vez, afirmou que o tema de “noivado de uma viúva é indelicadamente anunciado pela entrada apressada do oficial [do exército], o qual certamente vem inoportuno e mal avaliada; e o tratamento, é, por outro lado, […] vulgar”. 

Para Sophie Gilmartin, Ervas Daninhas de Richard Redgrave é um quadro sintomático de toda a atitude e compreensão da sociedade inglesa do século XIX não apenas com relação ao luto e a morte, mas ao papel da mulher:

“As reações à pintura de Redgrave revelam muito sobre a ansiedade em torno da posição da jovem viúva. Ela é sexualmente atraente e reconhecível, e essa viúva claramente não vai se manter fiel às cinzas do marido. A vulgaridade jaz na justaposição abrupta dos rituais de luto e casamento, o tecido preto e o botão de laranjeira, e também no fato da cena acontecer no quarto privado da viúva, seu camarim, e pelo fato do quarto conter a presença de dois homens que nunca deveriam se encontrar, a imagem do marido falecido e do (agora apagado) futuro marido.”6

Localização

Conforme a ficha da obra disponível no site do Victoria and Albert Museum, a coleção de John Sheepshanks, incluindo Ervas Daninhas de Richard Redgrave, foi doada para aquela instituição.7

  1. GILMARTIN, Sophie. The Sati, the Bride, and the Widow: Sacrificial Woman in the Nineteenth Century. Victorian Literature and Culture, 1997, Vol. 25, No. 1 (1997), pp. 141-158. p. 141. ↩︎
  2. SCHMITT, Juliana. O luto nas páginas da revista A Estação: o que vestir, como vestir. Tempo. Niterói. V.27, N.3, Set/Dez. 2020. ↩︎
  3. GILMARTIN, Sophie. The Sati, the Bride, and the Widow: Sacrificial Woman in the Nineteenth Century. Victorian Literature and Culture, 1997, Vol. 25, No. 1 (1997), pp. 141-158. p. 141. ↩︎
  4. GILMARTIN, Sophie. The Sati, the Bride, and the Widow: Sacrificial Woman in the Nineteenth Century. Victorian Literature and Culture, 1997, Vol. 25, No. 1 (1997), pp. 141-158. p. 141. ↩︎
  5. GILMARTIN, Sophie. The Sati, the Bride, and the Widow: Sacrificial Woman in the Nineteenth Century. Victorian Literature and Culture, 1997, Vol. 25, No. 1 (1997), pp. 141-158. p. 144. ↩︎
  6. GILMARTIN, Sophie. The Sati, the Bride, and the Widow: Sacrificial Woman in the Nineteenth Century. Victorian Literature and Culture, 1997, Vol. 25, No. 1 (1997), pp. 141-158. p. 144. ↩︎
  7. Ficha do quadro disponível no site do Victoria and Albert Museum. ↩︎

Data: 1846
Origem: Inglaterra
Autor: Richard Redgrave
Dimensão: 76.2 cm x 62.3 cm
Material: Óleo sobre tela
Localização Atual: Victoria and Albert Museum, Inglaterra

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