Percorrendo mais de 2.700 quilômetros, o Orinoco é o principal rio da Venezuela. Quando partiu em visita para aquele país, Remedios Varo nunca havia estado em nenhum outro lugar da América Latina que não fosse o México. Fugindo da Segunda Guerra Mundial, Remedios Varo tinha partido para o México em 1941 junto de seu companheiro Benjamin Péret e dezenas de outros artistas refugiados. Seis anos e uma separação depois, a artista partiu para a Venezuela com o intuito de reencontrar um dos irmãos e mãe, que não via há mais de uma década.
Empregado em um projeto de combate a doenças tropicais, Rodrigo Varo desempenhou a função de chefe de epidemiologia para o Ministério da Saúde Pública. Com sua posição, ele conseguiu que Remedios Varo também fosse admitida na empreitada e a pintora passou parte de sua estada em Maracay. Segundo Jane Kaplan, Remedios “trabalhou na divisão de controle de malária” e “estudou insetos parasitas transmissores de doenças no microscópio e fez desenhos para serem usados por estudantes.“1
Após o fim do projeto para o governo venezuelano, Remedios Varo permaneceu no país com seu então namorado Jean Nicolle. O casal visitou as planícies de Llano na região do rio Orinoco acompanhando um time de cientistas do Instituto Francês no México interessado no potencial agrícola de Llano. A beleza e singularidade do local marcaram a artista por toda a sua vida.
A descrição dada por Jane Kaplan da área descreve em grande medida o quadro que Remedios Varo produziria cerca de 10 depois: “localizada entre a cadeia de montanha dos Andes e o rio Orinoco, essa era uma área extraordinária, raiada por vários rios de vazão lenta que transbordam na estação chuvosa, alagando as florestas que cercam suas nascentes“.2

Em artigo, Jane Kaplan explica que uma das razões da viagem para Llanos pode ter sido a esperança que Remedios e Jean Nicolle tinham de conseguir prospectar ouro na região.3Sem sucesso, a pintora teve que recorrer a amigos para conseguir pagar a passagem de volta para o México. Sua/seu personagem do quadro, com um toque de ironia e humor, descobre que a fonte do rio Orinoco, que havia alagado árvores e mais árvores, era na verdade um pequeno cálice.
Se lembrarmos, porém, que o pequeno objeto traz em si uma forte carga simbólica, cujo elemento mais conhecido seria o próprio Santo Graal, podemos entender a pintura de Remedios Varo como a representação da busca pela riqueza do conhecimento e sabedoria. Humor e jornada espiritual estão também unidos e condensados na personagem andrógina da exploradora. Kaplan analisa:
“Apesar dela estar bem humoradamente vestida com uma capa de chuva inglesa e um chapéu-coco e trazer asas acima da cabeça que parecem ter sido emprestadas de uma produção teatral, a seriedade de seu propósito não está comprometida.
Mesmo a ludicidade de seu casaco-colete que se transforma em um frágil pequeno barco com anotações no bolso do lado e bússola em vez de um relógio de corrente, não negam a intensidade de sua expressão ou a sobria lucidez dos pássaros que a observam dos buracos das árvores ao redor. Ela é uma mulher independente e resoluta, que partiu em missão para encontrar a fonte“.4
Exploração das Fontes do Rio Orinoco é com certeza um dos quadros mais emblemáticos de Remedios Varo. Talvez por isso, Janet Kaplan tenha o escolhido como capa para a sua biografia da artista. Em 2007, a obra foi a leilão pela famosa casa Christie’s. A expectativa era de que ela seria vendida por até $600.000 dólares mas a tela só foi arrematada quando o último lance alcançou 1.273.000 dólares.5
Referências
- KAPLAN, Janet. Unexpected Journeys: the art and life of Remedios Varo. Abbeville Press. New York. 1994. p. 114. ↩︎
- KAPLAN, Janet. Unexpected Journeys: the art and life of Remedios Varo. Abbeville Press. New York. 1994. p. 115. ↩︎
- KAPLAN, Janet. ‘Remedios Varo: Voyages and visions’, Woman’s Art Journal, 1: 2 (Autumn, 1980–Winter, 1981), pp. 13-18 (p. 17). Disponível no Jstor. p. 15. ↩︎
- KAPLAN, Janet. ‘Remedios Varo: Voyages and visions’, Woman’s Art Journal, 1: 2 (Autumn, 1980–Winter, 1981), pp. 13-18 (p. 17). Disponível no Jstor. p. 15. ↩︎
- Página do site da Christie’s com informações sobre o lote de Exploração da Fonte do Rio Orinoco. ↩︎