Fato Consumado é um quadro da pintora Leonor Fini feito em 1967. Diferente de obras realizadas durante os anos 30 e 40, quando Leonor trabalhava em proximidade do grupo surrealista, Fato Consumado, foi executado a partir de outras preocupações.
Aqui, Fini procura uma maior experimentação maior com cores e texturas, quando anteriormente seu estilo fora, ao menos na representação de objetos e personagens, mais realista. Fato Consumado também articula os pensamentos da artista em torno de questões de gênero, desigualdade e discriminação, apesar de Leonor Fini nunca ter se considerado uma feminista de fato.
Em 1967, Leonor Fini já contava com 60 anos, dos quais ao menos 40 tinham sido dedicados às artes. Pintora, figurinista, cenarista e escritora, Leonor fugira às expectativas sociais impostas às jovens dos anos 10 e 20 do século passado. Desde o início de sua carreira, Leonor produziu representação de mulheres em contextos e de maneiras pouco convencionais: sensuais, portando armadura, meio humanas meio esfinges ou sacerdotais.

Os quadros de Leonor Fini dos anos 30 e 40 são originais e intrigantes em sua retratação do feminino. Nada parecido a sua Pastora de Esfinges ou Pequena Esfinge Eremita pode ser encontrado dentre a obra de membros do Surrealismo como Max Ernst (com o qual Leonor teve um curto relacionamento) ou René Magritte. Na verdade, nem sua representação dos homens – belos, esguios, adormecidos e encantados – encontra paralelo nos artistas contemporâneos seus.
Fato Consumado e o estilo de Leonor Fini a partir dos anos 1950
A partir de 1950 e 1960, a artista continuou aprofundando sua abordagem do feminino, e agora temas como o lesbianismo, a bruxaria e a violência simbólica se fazem presentes. Fato Consumado, assim, é um exemplo par excellence do estilo tardio de Leonor Fini. Em artigo sobre artistas surrealistas, Gloria Orestein traz as palavras da própria Leonor sobre sua obra:
Em um café cheio de garotas, o contorno de um homem é desenhado no chão com giz do mesmo jeito que a polícia marca a posição de um corpo morto. […] É nesse traçado que a bruxa se rebela contra toda a opacidade dos homens. Eu sou a favor de um mundo onde haja pouca ou nenhuma distinção sexual.
Para Orestein o quadro retrata uma “rebelião de mulheres contra a dominação masculina ou uma castração simbólica“.1 Alessandra Scappini, em seu livro dedicado a companheiras de oficio de Leonor como Leonora Carrington (sua amiga), Remedios Varo, Kay Sage e Dorothea Tanning, relaciona Fato Consumado com outras duas obras de Fini: Lição de Anatomia (1966) na qual “quatro jovens olham com total indiferença um cadáver do sexo masculino de cor azul” e também O Tratamento (1972) em que vemos “uma cabeça de homem deformado encerrada em uma caixa de cristal”.
Para a pesquisadora, a origem de tais representações está nos desenvolvimentos sociais que se deram a partir dos anos 60 e 70 como o feminismo e os protestos de maio em Paris.2
Leonor Fini, no entanto, apesar de suas opiniões e postura artistas, não se via como feminista: ” Eu não sou feminista. Eu odeio ser considerada como uma feminista…Eu sou uma pintora, não uma mulher pintora”.3Feminista assumida ou não, Leonor Fini se dedicaria a um tema caro a intelectuais feministas de diferentes áreas nos nos seguintes a produção de Fato Consumado: a bruxa.
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Referências
- ORESTEIN, Gloria Feman. Art History and the Case for the Women of Surrealism. The Journal of General Education , SPRING 1975, Vol. 27, No. 1 (SPRING 1975), pp. 31-54. p. 36. ↩︎
- SCAPPINI, A. (2018). El paisaje totémico entre lo real y lo imaginario: [Leonora Carrington, Leonor Fini, Kay Sage, Dorothea Tanning y Remedios Varo]. Sevilla: Benilde. p. 99 e 100. ↩︎
- GREW, Rachel. 2016. Feathers, flowers, and flux: artifice in the costumes of Leonor Fini. IN: Allmer, P. (ed.) Intersections: Women / Surrealism / Modernism, Manchester, p. 380. ↩︎