Giorgio de Chirico

Giorgio de Chirico foi um pintor e escultor de origem nascido em 1888. De Chirico se tornou célebre na década de 1920 por desenvolver um estilo marcado por referências à antiguidade greco-romana cercadas por uma atmosfera opressiva, melancólica e contemplativa. O conceito de  Arte Metafísica foi criado pelo próprio De Chirico, em conjunto com outros artistas, para se referir ao seu estilo.

Durante toda a década de 1910, Giorgio de Chirico produziu obras seguindo os preceitos de sua Pintura Metafísica, e se tornou um artista célebre entre o público e a comunidade de pintores. Há, no Brasil, um quadro de Giorgio de Chirico, O Enigma de um Dia, que compõe o acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP).

Juventude e primeiro sucesso

Giorgio De Chirico nasceu em Volo, na Grécia. Seus pais, Evaristo e Gemma de Chirico eram italianos. Seu nome completo era Giuseppe Maria Alberto Giorgio de Chirico. Giorgio de Chirico perdeu o pai em 1905, quando contava com apenas 17 anos. Evaristo de Chirico era engenheiro de estradas de ferro e um homem que apreciava a música. Logo após a morte do marido, a mãe de Giorgio, decidiu por se mudar da Grécia para Monique, o que pode também ter impactado a vida do jovem.

Entre as duas cidades, porém, a família fez uma pausa em Florença. Em suas memórias, de Chirico relembraria os tempos na Itália e as visitas à Galleria Degli Uffizi: ” […] havia compreendido, não menos do que compreendo agora, a profundidade e a metafísica de obras de Böcklin, Klinger, Segantini, Previati, de todos os quais, pintando, independentemente da qualidade de sua pintura, narraram algo de poético, de curioso, de estranho, de surpreendente“.1

Retratos de Giorgio de Chirico
Foto de Giorgio de Chirico. Fonte: GDM Autorretrato (1922). Fonte: Toledo Museum of Art

Uma vez na Alemanha, Giorgio de Chirico deu início a sua formação na Academia Real de Belas Artes. Além disso, ele também estuda pintura antiga na Pinacoteca. Em Monique, Giorgio aprofunda o seu contato com a obra de artistas como Böcklin, Lenbach, Dürer e Rubens. De Chirico conhece na Alemanha o pintor Thoma, o qual seria uma referência para ele em suas pinturas. Alguns dos manequins que De Chirico passou a desenhar mais tarde, são semelhantes às poses das figuras feitas por Thoma.2 É nesse contexto que o jovem produz seus primeiros quadros, de forte inspiração romântica, e cujos temas mais comuns são centauros, sereias, cidades e marinhas. 

Em 1910, enquanto seu irmão Andrea se muda para Paris, Giorgio retorna com a mãe para Florença para passar uma temporada. O artista começa a sofrer mais intensamente de problemas intestinais – que perdurariam por toda a sua vida, e também de estados melancólicos. Na Itália, inicia-se uma nova fase em seu estilo, com a aparição em suas telas de tardes de outono e a presença recorrente de praças italianas. Obras como Enigma do Oráculo (1909) e Enigma de uma Tarde de Outono (1910). 

Enigma da Partida (1914) e Enigma da Tarde de Outono (1910) de Giorgio de Chirico.
Enigma da Partida (1914). Fonte: MRocca. Enigma de uma Tarde de Outono (1910). Fonte: The Collector.

Em 14 de julho de 1911, Giorgio chega a Paris. Os frequentes deslocamentos, desde à infância devido à profissão de seu pai e depois por causa da morte deste, deixam no artista a marca da melancolia da despedida. Daí, segundo Paulo Barbosa, seus quadros que abordam partidas como O Filho Pródigo, Heitor e Andrômaca, Cavaleiros Errantes, Partida do Poeta, Os Argonautas e etc.3 Na capital francesa, De Chirico toma conhecimento do Salão de Outono e se inscreve com os quadros Enigma do Oráculo e Enigma de uma Tarde Outono após o incentivo do crítico musical, e amigo de seu irmão Andrea, Calcovoressi.

A boa acolhida após exposição, em grande medida devido à promoção e aprovação do poeta Guillaume Apollinaire, encorajou o artista a continuar pintando. É nesse contexto que o pintor dedica um retrato ao poeta francês, obra que seria considerada “premonitória” devido ao que Apollinaire sofreu em combate.

Primeira Guerra Mundial e a Arte Metafísica de Giorgio de Chirico

No verão de 1914, De Chirico e seu irmão retornam à Itália e são convocados para a guerra. A frágil constituição física de Giorgio faz com que seja alocado em uma posição administrativa na cidade de Ferrara. Ali, o pintor dá continuidade ao seu trabalho artístico e inaugura com seu irmão, Philippo de Pisis e Carlo Carrá a chamada Pintura Metafísica, também chamada de Escola Metafísica. No manifesto que escreveu em conjunto com o irmão Alberto, em 1917, de Chirico define seu estilo nos seguintes termos:

“[ a Arte Metafísica] é como a superfície plana de um oceano perfeitamente calmo [que] nos perturba…. por todo o desconhecido que está escondido em sua profundidade4 

Tal definição capta a sensação do observador quando encara obras daquele ano como O Grande Metafísico (1917), Composição Geométrica com Paisagem de Fábrica bem como aquelas produzidas anteriormente como A Torre Vermelha e Nostalgia do Infinito. Ainda falando sobre a Arte Metafísica, de Chirico declarou: “O que é especialmente necessário é uma maior sensibilidade: olhar para tudo no mundo como se fosse um enigma … viver no mundo como se fosse um imenso museu de coisas estranhas.”5 O chamado período metafísico do pintor italiano compreenderia as obras produzidas entre 1911 e 1917. 

Por ocasião da exposição Sentimento da Arquitetura, ocorrida no MASP em 2012, o curador Teixeira Coelho reafirmou em nota as características da arte metafísica bem como sua atualidade e frescor, mais de cem anos após seu desenvolvimento por De Chirico e outros:

“Como um pesadelo infindável. Suas visões de uma cidade vazia […] , uma cidade vazia e habitada por não-homens, por objetos e coisas e pela arte, pelos restos da arte e da civilização, espantaram quando surgiram nas primeiras décadas do século XX e continuam a inquietar agora quando o homem-máquina atual, em sua versão nanotecnológica, já é uma realidade. Suas cidades esvaziadas, premonitórias de uma época em que a bomba de nêutrons poderia matar tudo que vive e deixar intactos prédios e coisas, ressurgiram como signos de um pavor latente que perseguiu a humanidade durante a Guerra Fria.”6

Sua cooperação com Carrá, porém, não terá vida longa: os dois artistas se desentendem quando Carrá, que até então trabalhara em íntima proximidade com de Chirico no conceito de Pintura Metafísica, organiza uma exposição, solo, em segredo. 

O Rompimento com o Surrealismo

A partir de 1919, a pintura de de Chirico passou por um novo desenvolvimento. As praças amplas, tomadas por sombras e uma atmosfera de mistério e nostalgia deu lugar à experimentação com as técnicas da tradição clássica italiana.7Seus quadros ganharam novos elementos como o tema da arqueologia (que Giorgio de Chirico estava estudando na época), gladiadores, troféus e cavalos.

Em 1921, o pintor expôs em Berlim e retornou à Paris. Ele também colaborou na criação do cenário e figurinos para o espetáculo La Giara de Pirandello no Théâtre des Champs Elysées e para o balé Le Bal, produzido por Serge Diaghilev.8 Após uma crítica ferrenha ao Le Bal por parte dos surrealistas, de Chirico rompeu com o grupo. O rompimento com o surrealismo aproximou Giorgio de Chirico de pintores italianos como Mario Tozzi, Massimo Campigli, Alberto Magnelli e Gino Severino os quais moravam em Paris. Giorgio de Chirico expõe com seus colegas italianos na Biennale di Venezia de 1932.9

Maturidade e Legado

De Chirico já desfrutava de reconhecimento nessa época, e sua exposição solo na Pierre Matisse Gallery (Nova Iorque) em 1940 contribuiu para aumentar sua fama. Na ocasião, o pintor participou da criação do salão de jantar da Decorators Picture Gallery também em Nova Iorque, junto com Matisse e Picasso. Em 1948, de Chirico passou a ser membro da Royal Society of British Artists10 A partir da década de 1960 e pelos próximos anos, Giorgio de Chirico se dedicou à escultura. Obras anteriores receberam uma versão tridimensional em bronze tais como Os Arqueólogos de 1966, Musas Inquietantes de 1970 e Heitor e Andrómaca de 1971.11

Giorgio de Chirico no Brasil

Merece destaque o fato de um famoso quadro de Giorgio de Chirico fazer parte do acervo de uma instituição brasileira. Faz parte do acervo do MAC-USP a obra O Enigma de um Dia, pintada em 1914.12 Segundo nota do arquivo do jornal Folha de São Paulo, O Enigma foi adquirido pela pintora Tarsila do Amaral, em Paris, na década de 1920. Posteriormente, a obra se tornou posse de Francisco Matarazzo Sobrinho, que a doou ao MAC.13 Em 2020, a tela foi emprestada ao Palazzo Reale, em Milão, por ocasião de uma exposição do trabalho do pintor.14  

Foto do casal Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo com Enigma de um Dia
Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo com a pintura Enigma de Um Dia. Imagem do Acervo MAC-USP. Fonte: Jornal USP.

As obras de Giorgio de Chirico foram expostas no Brasil em algumas ocasiões nos últimos anos. A primeira vez aconteceu no outono de 1998, em uma exibição ocorrida no MuBe, Museu Brasileiro de Escultura. Com 80 pinturas, 43 esculturas e obras em outros meios, a exposição ocorreu sob curadoria do italiano Achille Bonito Oliva.15 Em 2012, a Fundação Iberê Camargo recebeu 45 pinturas e 11 esculturas de Giorgio de Chirico na exposição De Chirico: O Sentimento da Arquitetura.16 17

Artigos Relacionados

Retrato de Guillaume Apollinaire de Giorgio de Chirico

Bibliografia

BARBOSA, Paulo Roberto Amaral. Melancolia e Questões Estéticas – Giorgio de Chirico. Tese de Doutorado. Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo. 2011. Aqui.

BOHN, Willard. Giorgio de Chirico’s ‘Portrait of Guillaume Apollinaire’ of 1914. The Burlington Magazine, Nov., 2005, Vol. 147, No. 1232, Italian Art (Nov., 2005), pp. 751-754. Disponível no Jstor.  

GASPAR, Rafael Fontes. Vestígios e Ruínas: Entre Piranesi, de Chirico e Lichtenstein. Inter. Interdisc. Art&Sensorium, Curitiba, v.5, n.1, p. 259 – 270 Jan.-Jun. 2018. Aqui.

GIAMMEI, Alessandro. “Stratigraphy of Andromeda: Giorgio de Chirico, Alberto Savinio, Origins, and Originality”, Modernism/modernity, 25 (1): 21-43. Disponível no academia.edu

RIBEIRO, Mariana K. Giorgio de Chirico e o Enigma de um Dia entre Texto e Imagem. III ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMPAqui.

SANTOS, Luis Guilherme Barbosa dos. O Sentido Simbólico na Poética de “Jornada Ansiosa”, de Giorgio de Chirico. Revista Mosaico, v. 13, p. 49-56, 2020. Aqui.

Resenhas

GIAMMEI, Alessandro. Giorgio de Chirico and the Metaphysical City. Nietzche, Modernism, Paris, Italian Culture, 34:2, 124-125, DOI: 10.1080/01614622.2016.1204180. Disponível no academia.edu.

Sites

Artigo sobre Giorgio de Chirico na enciclopédia Britannica.

Artigo sobre Giorgio de Chirico no site do MoMA

Artigo sobre a obra Enigma de uma dia do site do MoMA

Artigo sobre Giorgio de Chirico no site da Galleria d’arte Maggiore 

Artigo do Archdaily sobre a exposição De Chirico: O Sentimento da Arquitetura

Nota da Folha de São Paulo sobre a primeira exposição retrospectiva da obra de Giorgio de Chirico no Brasil

Referências

  1. BARBOSA, Paulo Roberto Amaral. Melancolia e Questões Estéticas – Giorgio de Chirico. Tese de Doutorado. Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo. 2011. p. 63 e 64. ↩︎
  2. Regards sur La Peinture, 77, De Chirico. Paris: Editions Fabbri, 1988. — 35 p. — ISBN-2-907745-69-7. p. 2. ↩︎
  3. BARBOSA, Paulo Roberto Amaral. Melancolia e Questões Estéticas – Giorgio de Chirico. Tese de Doutorado. Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo. 2011. p. 67. ↩︎
  4. Artigo sobre Giorgio de Chirico no site do MoMA ↩︎
  5. Giorgio de Chirico, [Manoscritti Eluard], in Giorgio de Chirico Scritti/I, ed. Andrea Cortellessa (Milan: Bompiani, 2008), 612. Citado na nota sobre Enigma de uma dia do site do MoMA. ↩︎
  6. Nota o site do MASP sobre a exposição De Chirico: O Sentimento da Arquitetura. ↩︎
  7. Artigo sobre Giorgio de Chirico na enciclopédia Britannica. ↩︎
  8. Artigo sobre Giorgio de Chirico no site da Galleria d’arte Maggiore  ↩︎
  9. Artigo sobre Giorgio de Chirico no site da Galleria d’arte Maggiore  ↩︎
  10. Artigo sobre Giorgio de Chirico no site da Galleria d’arte Maggiore  ↩︎
  11. Artigo sobre Giorgio de Chirico no site da Galleria d’arte Maggiore  ↩︎
  12. Ficha de O Enigma de um Dia no MAC USP ↩︎
  13. Nota da Folha sobre a exposição das obras de Giorgio de Chirico ocorrida em 1998. ↩︎
  14. Nota da Folha sobre o empréstimo de O Enigma de um Dia ocorrido em 2019. ↩︎
  15. Nota da Folha sobre a exposição das obras de Giorgio de Chirico ocorrida em 1998. ↩︎
  16. Artigo do Archdaily sobre a exposição De Chirico: O Sentimento da Arquitetura. ↩︎
  17. Nota o site do MASP sobre a exposição De Chirico: O Sentimento da Arquitetura. ↩︎
Nascimento: 10 de julho de 1888
Falecimento: 20 de novembro de 1978
Origem: Italiana
Ocupação: Pintor, escultor, ensaísta
Principais obras: A Torre Vermelha, Musas Inquietantes, O Enigma de um Dia

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