Quem foi Leonor Fini
Leonor Fini foi uma pintora, ilustradora, designer e escritora argentina nascida em 1907. Após fugir para a Itália ainda criança, iniciou sua formação artística em Trieste, cidade em que passou boa parte da infância. Ela fez parte do círculo de pintores surrealistas, foi uma das maiores figurinistas de seu tempo, escreveu contos.
Leonor Fini famosa por suas telas com personagens e ambientes sombrios, inquietantes e eróticos além da retratação de mulheres em poses de poder e comando. A pintora foi também apaixonada por gatos e os colocou em inúmeras de suas obras. __________________________________________________________________________________________
Leonor Fini nasceu em 30 de agosto de 1907. Sua mãe, Malvina Braun Dubich, havia nascido em Trieste, na Itália, e emigrado para a Argentina. O pai de Leonor, Hermínio Fini, argentino descendente de italianos, aparentemente foi um homem violento e dominador.
A mãe de Leonor fugiu com a filha quando esta contava com apenas 1 ano e meio, para sua Trieste natal. Foi na cidade nortenha que Leonor Fini cresceu. Por toda sua infância, Leonor e sua mãe ainda fugiram de Hermínio Fini. Já na adolescência, a artista sofreu de uma conjuntivite persistente que lhe obrigou a usar tampões por cerca de dois meses. Seu desejo – e decisão – de se dedicar à arte se deu logo após sua cura.
Juventude e início de carreira de Leonor Fini
Aos 17 anos, Leonor Fini se mudou para Milão. Leonor Fini, ao contrário da maior parte dos artistas com que teria contato, não teve qualquer treinamento institucional ou formação em artes. Mesmo assim, ainda uma adolescente em Milão, ela começou a receber encomendas para pintar retratos de membros da elite local.

Retratos sob encomenda e das pessoas de seu círculo social seria uma constante na carreira de Leonor Fini: Jacques Audiberti, Jean Genet, Anna Magnani, Alida Valli e Jean Schlumberge são apenas alguns que posaram para a pintora. Sua primeira exposição solo aconteceu na galeria Barbaroux em 1929. No início da década de 1930, ela se instalou em Paris.
Ali, Leonor conheceu os pintores Giorgio de Chirico e Carlo Carrà, que teriam certa influência no seu estilo em desenvolvimento. Ainda na capital francesa, Leonor conheceu Picasso, Max Ernst e Salvador Dali, além do escritor André Pieyre de Mandiarges que se tornou seu companheiro.
Apesar de nunca ter sido um membro oficial dos surrealistas – assim como não o foram nenhuma das outras jovens ligadas de alguma forma ao movimento como Leonora Carrington (que foi inclusive amiga de Leonor Fini) e Remédios Varo – ela chegou a expor seu trabalho junto com os artistas do grupo. No outono 1936 aconteceu sua primeira grande exposição – não exatamente individual, uma vez que foi feita em parceria com Max Ernst – na célebre galeria de Julian Levy em Nova Iorque. Paul Éluard escreveu um poema sobre Fini chamado Le Tableau Noir e que foi incluído na exposição assim como um texto de Giorgio de Chirico.

Em 1943, ela fez parte da Exposição de 31 Mulheres organizada por Peggy Guggenheim na galeria Art of this Century. Leonor foi casada por duas vezes. Com seu primeiro marido, Frederico Veneziani, ela não permaneceu por muito tempo. Posteriormente, ela se casou com Stanislao Lepri, diplomata que abandonou a carreira para viver com a artista em Paris. Ela passaria todo o período da Segunda Guerra Mundial na Itália. Segundo Justine Moeckli, Leonor Fini se casou com Frederico Veneziani porém apenas como forma de protege-lo institucionalmente durante o nazismo, já que o mesmo era judeu.1
Em janeiro de 1952, Leonor conheceu o poeta Konstanty Jelensky que passou a morar com ela e Lepri alguns meses depois. Os três passaram a viver juntos. Leonor não teve filhos e afirmou em entrevista de 1993 que “pensar em ter filhos a aterrorizava“. Paradoxalmente, a pintora lamentou quando teve que se submeter a uma cirurgia para extrair o útero – devido a um câncer – e perdeu assim a capacidade de engravidar. O quadro A Pequena Esfinge Eremita foi feito nesse contexto.2
Em 1949, Leonor foi a estilista responsável pelo figurino e cenário de seu ballet O Sonho de Leonor, coreografado por Frederick Ashton chamado O sonho de Leonor. Com trajes e fantasias de personagens meio humanos meio animais, Bejamin Britte foi responsável pela música do espetáculo. Leonor Fini começou assim a sua carreira na produção de figurinos de teatro que duraria décadas.

Esfinges, homens em sono profundo e gatos: o estilo de Leonor Fini
Seu estilo se particulariza pela retratação extensiva de personagens com diferentes características e atitudes as quais frequentemente desafiam ou subvertem expectativas sociais de gênero. O trabalho de Leonor Fini traz mulheres em uma gama de posições diferentes: ameaçadoras, divinas, reflexivas, anti sociais ou sexualmente ativas tanto em cenários tidos como heterossexuais quanto homossexuais.
Ela por exemplo descreve as bruxas de Michelet – após ler o livro A Bruxa do historiador – como “belas, rebeldes, inteligentes”3. Amante de figuras femininas ambíguas, Leonor Fini também era uma grande admiradora de gatos e adotou vários ao longo de sua vida. Sobre a relação da artista com os felinos, Marcel Brion escreveu: “eles simbolizam toda a natureza, não humana, extra humana, animada e inanimada“4.Leonor ela mesma declara seu amor pelos gatos em entrevista de 19945.
Entre o fim da década de trinta e começo da de década de quarenta ela produz uma série de quadros que trazem esfinges e outras entidades em destaque: Pequena esfinge guardiã (Petit Sphinx gardien de 1948), A cerimônia (1938), Sphinx Regina (Esfinge Regina de 1946), A Pastora de Esfinges (1942).
A artista também foi uma das poucas em sua época a criar seres andróginos – e suas relações – bem como personagens masculinos em poses de vulnerabilidade, submissão e erotização como em Deidade Ctônica velando o sono de um jovem (1947). Para a pesquisadora Whitney Chadwick, Leonor explicou a posição de seus personagens masculinos: “O homem em minha pintura dorme porque ele recusa o papel social construído de animus e rejeita a responsabilidade de trabalhar em uma sociedade em direção a esses fins“6. Ainda sobre o tema, ela declarou em entrevista de 1967: “Você se revoltou mais contra a sociedade que exalta a virilidade do que contra os homens” ao que ela respondeu:
“Sim, com certeza. Eu sou contra a sociedade, eminentemente associal, e eu sou ligada à natureza como mais como uma bruxa do que uma como uma sacerdotisa, como eu disse. Eu sou a favor de um mundo que tenha pouco ou nenhuma distinção sexual”7.
Apesar de tal declaração e de sua exploração profunda de personagens femininos, Leonor Fini não se considerava feminista: “Eu não sou feminista. Eu odeio ser considerada como uma feminista…Eu sou uma pintora, não uma mulher pintora“8.

A profusão de esfinges na arte de Fini é explicada por Alyce Mahon: as pinturas de Fini enfatizam o poder regenerativo da esfinge e sua habilidade de retornar o indivíduo para a sua natureza primordial. Seu fascínio pela esfinge é anterior a sua afiliação com o surrealismo. Como ela explica ao seu biógrafo Peter Webb, sua obsessão com a esfinge vinha da infância: ‘eu lembro que eu queria ser como uma esfinge‘”9.
A partir dos anos 50, esse tema das entidades toma um rumo diferente. Vemos por exemplo Leonor Fini encarnar ela mesma uma deusa em A vida ideal (La vie Idéale de 1950) além de uma série de obras exibindo o que Estella Lauter chama de sacerdotisas carecas, “não inteiramente humanas”. Ceres (Cérès de 1945), Pensadora (La Pensierossa de 1954), O véu (Le voile de 1956) e A amizade (L’amitie de 1958) são exemplos dessa fase. Ainda segundo Lauter entre 1958 e 1963:
“Fini abandona a sacerdotisa/deusa imponente e se direciona para a formas da terra em si, formas que misteriosamente contem faces e formatos humanos.”
É o que se vê em quadros como Lugar de nascimento (Lieu de naissance, 1958), Os emergentes (Les Devenants, de 1958), A memória geológica (La memoire geologique, 1959), A ameaça (La menace, 1960), A terra fermentada (1961) e Quimera (1961). Da década de 1960 há também o quadro O Trem Branco sobre o qual a própria Fini comenta: “São duas garotas, sozinhas; uma é como uma linda vaca, muito branca e sonolenta, enquanto a outra, muito mais viva, muito mais alerta, puxa a persiana. Ela não sabe o que fará a seguir, se ela matará a outra ou irá fazer amor com ela”10.
Sobre sua própria arte, Leonor Fini chegou a afirmar:
“toda minha pintura é uma autobiografia encantatória de afirmação que expressa o aspecto pujante de ser; a verdadeira questão é transpor para a tela uma sensação lúdica.”11

Leonor Fini: ilustradora, figurinista, escritora
A carreira de Leonor Fini também se singulariza quanto aos múltiplos meios e mídias aos quais a artista se dedicou. Vemos contribuições suas no design de figurino de cerca de 35 peças de teatro, 15 ballets, 5 operas, oito filmes e produções para televisão além das várias criações para bailes e festas privadas. Seu trabalho nessa área durou até a década de 1970 e incluiu não apenas roupas, mas chapéus, máscaras e fantasias inteiras. Ela foi responsável pelo figurino do primeiro ballet de Roland Petit, Les Demoiselles de la nuit e do seu próprio ballet, Sonho de Leonor, de 1949.

Em artigo sobre os figurinos e outras roupas desenhadas por Leonor, Rachel Grew destaca a relação entre aqueles e os quadros da artista. Sobre sua atuação como figurinista e seu interesse em fantasias – são inúmeras as fotografias de Leonor Fini posando com as diversas peças, vestidos e acessórios que criou – Leonor disse:
“Se fantasiar, se travestir, é um ato de criatividade [..] é mudar de dimensão, de espécie , de espaço, é ser capaz de se sentir gigante, de mergulhar na vegetação, se tornar um animal até que se sinta invulnerável e intemporal, e se encontrar, obscuramente, em rituais esquecidos“12.
Ela ainda expandiu sua atuação para produções cinematográficas, trabalhou com o diretor Renato Castellani em seu Romeo e Julieta e também com John Huston em seu Caminhando com o Amor e a Morte de 1968. A artista também trabalhou com a célebre Elsa Schiaparelli para quem projetou o design do frasco do perfume “Schocking“13. Sucesso de vendas absoluto, esse mesmo perfume seria a fonte de inspiração para o frasco em formato de torso de Jean-Paul Gaultier.

As ilustrações feitas por Fini são ainda mais numerosas e incluem trabalhos em edições de obras de escritores consagrados como Shakespeare, Edgar Allan Poe, Baudelaire e marquês de Sade. Leonor Fini foi responsável também pela ilustração da polêmica e sexual obra Histoire d’O de Pauline Réage. Ela também ilustrou obras de Lise Deharme e Anne Déclos além de contribuir gratuitamente com ilustrações para autores iniciantes e pouco conhecidos.
Lenor também escreveu quatro romances: Rogomelec, Moumour, Contes pour enfants velu e Oneiropompe.
Leonor Fini faleceu em Paris, em 18 de janeiro de 1996, vítima de uma pneumonia.
Artigos Relacionados
Bibliografia sobre Leonor Fini
GREW, Rachel., 2016. Feathers, flowers, and flux: artifice in the costumes of Leonor Fini. IN: Allmer, P. (ed.) Intersections: Women / Surrealism / Modernism, Manchester, pp. 380 – 402. Aqui
GREW, Rachel., 2010. Sphinxes, witches and little girls: reconsidering the female monster in the art of Leonor Fini. In: Nelson, E., Priest, H. and Burcar, J. (eds.) Creating Humanity, Discovering Monstrosity: Myths and Metaphors of Enduring Evil. Oxford: Inter-Disciplinary Press, pp. 97 – 106. Aqui.
LAUTER, Estella. Leonor Fini: Preparing to meet the strangers of the new world. Woman’s art journal. Vol. 1, No. 1, (Spring – Summer, 1980), pp. 44 – 49. Aqui.
MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante: Surrealism, Leonor Fini and the Sphinx. Dada/Surrealism. 19 (2013). Aqui
WEBB, Peter. The Burlington Magazine, Vol. 128, No. 1002 (Sep., 1986), pp. 699-700. Disponível no Jstor.
Entrevista com Leonor Fini na Revista DUODA Revista d’Estudis Feministes, num 6-1994. Aqui. Traduzida por nossa equipe e disponível em nosso academia.edu
Site da Maison Schiaparelli. Aqui
Artigo em inglês da wikipédia sobre Leonor Fini.
Referências
- MOECKLI, Justine. Leonor Fini: Nu/Portrait de Nico (1942). ETH Zürich. Volume 65 (2017). Aqui. p. 71 e 72. ↩︎
- MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante: Surrealism, Leonor Fini and the Sphinx. Dada/Surrealism. 19 (2013) p.15 ↩︎
- MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante… p.5 ↩︎
- MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante…p. 8. ↩︎
- Entrevista concedida por Leonor Fini para a revista DUODA e traduzida por nossa equipe. ↩︎
- MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante… p.13. ↩︎
- MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante: Surrealism, Leonor Fini and the Sphinx. Dada/Surrealism. 19 (2013) p.17. ↩︎
- GREW, Rachel. 2016. Feathers, flowers, and flux: artifice in the costumes of Leonor Fini. IN: Allmer, P. (ed.) Intersections: Women / Surrealism / Modernism, Manchester, p. 380. ↩︎
- MAHON, Alyce. La Feminité Triomphante: Surrealism, Leonor Fini and the Sphinx. Dada/Surrealism. 19 (2013) p. 5. ↩︎
- LAUTER, Estella. Leonor Fini: Preparing to meet the strangers of the new world. Woman’s art journal. Vol. 1, No. 1, (Spring – Summer, 1980), p. 48. ↩︎
- LAUTER, Estella. Leonor Fini: Preparing to meet… p. 48. ↩︎
- GREW, Rachel. 2016. Feathers, flowers, and flux: artifice in the costumes …. p. 384. ↩︎
- Nota sobre o perfume no site da Maison Schiaparelli. ↩︎