Mary Barton de Elizabeth Gaskell

Mary Barton é um livro escrito por Elizabeth Gaskell em 1848. O romance retrata a dura vida de operários ingleses durante a revolução industrial, a exploração e miséria de que são vítimas, bem como os princípios da luta sindical. O enredo acompanha a trajetória dos Barton, Mary e seu pai John. Enquanto a filha é levada a descobrir seus verdadeiros sentimentos e abandonar sonhos de luxo e frivolidade, o pai desce em uma espiral de miséria e amargura até o crime. Mary Barton foi o primeiro trabalho de vulto de Elizabeth Gaskell e desfrutou de um imenso sucesso quando de seu lançamento apesar das muitas críticas severas que recebeu.

__________________________________________________________________________________________________

 A Escrita de Mary Barton

Ao se casar com o reverendo unitarista William Gaskell, Elizabeth se mudou da pequena e idílica Knutsford para Manchester. A cidade então passava por um intenso processo de industrialização. Em 1844, Friedrich Engels descreveu as casas dos operários em seu “As Condições da Classe Trabalhadora na Inglaterra“: “As habitações dos trabalhadores de Manchester são sujas, miseráveis e inteiramente desprovidas de conforto. Em tais casas apenas criaturas inumanas, degradadas e doentes se sentiriam em casa”.1

De maneira similar, Gaskell escreveu no prefácio de Mary Barton: “Eu sempre senti uma profunda simpatia pelos homens preocupados, que pareciam estar condenados a lutar por toda a vida em estranhas alternâncias entre trabalho e necessidade; jogados daqui para lá pelas circunstâncias, aparentemente muito mais do que outros homens”.2

Mary Barton foi o primeiro romance de Elizabeth Gaskell, mas não sua primeira experiência enquanto escritora. Ela já contribuia para o Howitt’s Journal com uma série de contos e histórias sob o pseudônimo de “Cotton Mather Mill”.3 Em uma época em que mulheres eram desencorajadas a tomar parte na vida pública, o uso de nomes masculinos ou a ocultação da real autoria de obras era rotina.

Jane Austen publicou seus livros sob a identidade de “uma dama” enquanto todas as irmãs Brontë se esconderam por trás de nomes de homens. Com Elizabeth Gaskell, pelo menos no início, isso não foi diferente. Mas o impacto de Mary Barton foi o suficiente para tirar sua autora do anonimato.

Canção da Camisa do pintor G. F. Watts usada para ilustrar a personagem Mary Barton
Canção da Camisa, pintada em 1847 por G. F. Watts. Fonte: ArtUK

Foram os Howitts que mandaram o manuscrito para Chapman e Hall, editora que acabaria lançando o livro cerca de ano depois. Agindo como representantes de Gaskell, os Howitts se comprometeram em conseguir o melhor valor. O acordo seria assinado por ele, o senhor Howitt, já que nem mesmo os editores sabiam quem era o autor de Mary Barton.4

Características do Enredo

Um dos pontos mais marcantes do romance é o arco do personagem John Barton, pai de Mary. Trabalhador e honesto, John Barton tem o caráter destruído pela fome, humilhações e desolação que sofre e testemunha ao longo do livro. Nas palavras de Ivette Marambaund: “a senhora Gaskell estava a par dos efeitos que o sofrimento tem no caráter de um indivíduo, e Mary Barton retrata a evolução psicológica de um “trabalhador estável e equilibrado” em um extremista. Muitas provações e privações, muita incompreensão e sofrimento, transformam indignação em raiva e um homem equilibrado em um assassino.”5 

Sabe-se que Elizabeth Gaskell queria ter mantido o título de sua obra como John Barton. Sobre o personagem, a autora escreveu em carta para uma amiga: “Em volta do personagem de John Barton todos os outros se formam; ele era meu herói, a pessoa para a qual toda a minha simpatia ia“.6

A história porém que John Barton, levado ao desespero, acaba por se tornar um assassino e isso pesou na escolha dele como título do livro. Elizabeth Gaskell admitiu, anos depois, que foi forçada pelo editores a trocar o nome de seu livro.7 O arco de Mary Barton também toma conta da maior parte da obra, mas é oposto àquele de John: “

nós [leitores] testemunhamos a evolução dela de uma garota infantil e superficial, seduzida por um tempo pelas atenções lisonjeiras do senhor Carson, para uma mulher responsável”.8

Apesar de expor em detalhes e com crueza a situação de exploração e miséria de grande parte dos trabalhadores das fábricas, muitos críticos destacam que para Elizabeth Gaskell a solução para tais mazelas não está em ações políticas ou governamentais, muitos menos em um projeto revolucionário.

Observa-se em seus “romances industriais”, Gaskell acredita que um maior diálogo e cooperação entre os grandes industriais e seus operários seria o caminho para o fim da superexploração e das greves. Gerald De Witt Sanders, citado por Marambaund, analisa: “Essa com cooperação deveria ocorrer por meio do indivíduo em vez de se dar através da massa, e por meio de ator voluntários em vez de leis parlamentares”.9

Desigualdade social, miséria e crime eram assuntos polêmicos na época de Gaskell em grande medida como o sal até os dias de hoje. Antecipando as reações que sua obra necessariamente incitaria, a autora escreveu no prefácio da obra: “eu não sei nada sobre economia política“. A aparente humildade da confissão (?) não deve esconder, na verdade, o projeto de Gaskell. Para Annette Hopkins: “o que ela quer dizer aqui é que sua preocupação não é com teorias mas com fatos – o trágico contraste, qual fosse a causa, entre a vida dos chefes abastados e aquela dos homens e suas famílias; que ela via com seus próprios olhos, dia após dia.”10

Mary Barton é, além de sua crueza e violência, um livro sobre a comunidade e fraternidade. Nas palavras de Marambaud: “esse é um livro que confronta e tem uma formidável dureza e mesmo selvageria. […] Porém Mary Barton é repleto do candor do amor – entre vizinhos, casais, familiares – e hospitalidade e delícias compartilhadas.”11 Exemplos de generosidade abundam ao longo do livro, mostrando como o apoio mútuo entre operários que vêm em socorro de seus próximos e compartilham com eles o pouco que têm.  

Personagens

Mary Barton: filha de John Barton, Mary trabalha como costureira em uma loja. No início do romance, acompanhamos seu envolvimento com Henry Carson, filho do dono da fábrica em que seu pai trabalha. 

John Barton: pai de Mary, John Barton é um operário exemplar e dedicado. Ele tenta, com seus colegas de trabalho, conseguir melhores condições e inicia uma greve. A progressiva piora de sua situação financeira leva-o ao desespero e ao crime, enquanto sua saúde psicológica também declina.

Jem Wilson: vizinho e amigo da família Barton. Jem trabalha em uma fundição e cresceu com Mary, por quem é apaixonado. Passa a correr um grave perigo quando é acusado de um crime que não cometeu.

Harry Carson: um rapaz bonito e bem nascido, é filho do dono da tecelagem, John Carson. Inicialmente se aproxima de Mary Barton apenas por causa da beleza da garota. 

Recepção e impactos

Quando decidiu escrever sobre a penúria e sofrimento das classes trabalhadoras, Elizabeth Gaskell não poderia ter nutrido a ilusão de passar despercebida e inatacada. Mary Barton foi recebido de formas diversas, o que inclui críticas ferrenhas que fugiram ao escopo da obra e chegaram à própria autora. No prefácio à própria obra, Gaskell tenta, de certa maneira, acomodar as críticas que uma obra centrada na miséria da classe trabalhadora fatalmente incitaria: “Eu não sei nada sobre economia política ou as teorias do comércio. Eu tentei escrever de maneira sincera. E se minha narrativa concorda ou se opõe a qualquer sistema, o acordo ou desacordo não foi intencional.”12

Seus parceiros do início da carreira, William e Mary Howitt foram alguns dos primeiros a ter acesso a Mary Barton e não esconderam o entusiasmo com a obra. Em carta para a autora podemos ler: “Dickens não poderia ter escrito nada superior… porque aqui não há exagero, nem caricatura, e todo personagem é tocante e toma o coração do leitor… Tenho certeza que a obra fará uma imenso bem.”13

Anos mais tarde, em sua autobiografia, Mary Howitt escreveria: “nós ficamos encantados com ele [Mary Barton], e alguns meses mais tarde, a senhora Gaskell veio a Londres para a nossa casa com a obra terminada. Todo mundo sabe com que entusiasmo ela foi recebida; e daquela vez em diante ela se tornou um dos escritores de ficção preferidos”.14

Annette Hopkins recupera que uma série de aristocratas e mestres das principais instituições de ensino britânicas entraram em contato com Elizabeth Gaskell para parabenizá-la pela obra. Entre tantos, mencionamos a escritora Maria Edgeworth, que escreveu uma carta pouco antes de falecer. A escritora Anne Thackeray Richie, filha mais velha de William Makepeace Thackeray, escreveu: “meu próprio pai e Dickens e Carlyle, e Kingsley, e todos os críticos líderes daqueles dias reconheceram em Mary Barton seus grandes dons de uma vez por todas e com aplausos calorosos.”15 

O mencionado Carlyle também escreveu para Gaskell dizendo: “Nós lemos o seu livro aqui, minha esposa e depois eu nós dois com um real prazer. Um carácter lindo, alegremente pio, social, claro e observador é reconhecível em todo lugar no escritor […] o seu campo é de fato novo, importante e cheio de material rico. O resultado é um livro que merece tomar o seu lugar muito acima dos romances lixos comuns.”16

Entre as críticas contemporâneas positivas estão por exemplo a do Prospective Review que vê em Mary Barton um trabalho “cheio de vida e cor, que deixa entrever um o olho rápido e observador” e continua “[o romance] é um poema em prosa”.17De maneira mais ou menos ambígua, mesmo se positiva, o Athenaeum publica em 21 de outubro de 1848, questiona: “quão gentil ou prudente é fazer da ficção veículo para a exposição crua e direta de mazelas sociais?”.18

Uma das críticas mais ferrenhas à obra certamente foi a de William Rathbone Gregg em seu artigo para a Edinburgh Review de abril de 1849. Apesar de reconhecer os méritos literários de Mary Barton, Gregg afirma que o romance é

permeado pela ideia fatalmente falsa que parece ter tomado posse da mente do autor […] de que os pobres tem que olhar para os ricos, e não para si mesmo, para encontrar alívio e socorro de sua condição degradante e misérias sociais. Uma impressão mais totalmente errônea, mais culposamente rasa, mais lamentavelmente maliciosa, é difícil de se conceber.”19

Elizabeth Browning é outra das vozes críticas ao romance. Para a poetisa, o romance originou diferentes reações. Ela reconhece, por exemplo, seu “poder e verdade” mas também o considera “tão tedioso aqui e ali e, além disso, eu quero mais beleza”.20 A poetisa foi mais além e disse: “é desleixado e dado a um tipo de fraseologia que seria vulgar mesmo no inglês coloquial.”21

Artigos Relacionados

Cranford de Elizabeth Gaskell

Norte e Sul de Elizabeth Gaskell

Bibliografia

BROWN, Pearl L. (2000). From Elizabeth Gaskell’s “Mary Barton” to Her “North and South”: Progress or Decline for Women? Victorian Literature and Culture, 28(2), 345-358. Disponível no Jstor.

FAZAN, Daiane de Cássia Martins. A Construção de Heroínas sob a Ótica da Militância Social e da Luta Política: estudo dos romances Mary Barton (1848) e Norte e Sul (1854-55) de Elizabeth Gaskell. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual Paulista. São José do Rio Preto. 2019. Aqui

HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. Disponível no Jstor.

LOWE, Meghan. Masculinity in the Work of Elizabeth Gaskell. Palgrave Mcmillan. Saint Andrews, Uk, 2020.

MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. Aqui.

Referencias

  1. Curta biografia de Elizabeth Gaskell disponível no site da Elizabeth Gaskell Society. Aqui. ↩︎
  2. MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p. 8. ↩︎
  3. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 1. ↩︎
  4. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 2. ↩︎
  5. MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p. 9. ↩︎
  6. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 10. ↩︎
  7. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 11. ↩︎
  8. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 11. ↩︎
  9. SANDERS, Gerald De Witt. Elizabeth Gaskell, New Maven, Yale University Press, 1929. p. 66. In: MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p. 34. ↩︎
  10. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 8. ↩︎
  11. MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p. 23. ↩︎
  12. MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p.33. ↩︎
  13. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 2. ↩︎
  14. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 3. ↩︎
  15. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 16. ↩︎
  16. Carlyle,  Carta para a Senhora Gaskell, Nov. 8, 1848. Nov. 8, 1848, printed in: HALDANE, Elizabeth, If.rs. Gaskell and Her Friends (New York, 1931), pp. 47-48. Em: MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p. 13. ↩︎
  17. MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p. 72. ↩︎
  18. HOPKINS, Annette. “Mary Barton”: A Victorian Best Seller. The Trollopian, Jun., 1948, Vol. 3, No. 1 (Jun., 1948), pp. 1-18. p. 3. ↩︎
  19. MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p. 15. ↩︎
  20. MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p.4 ↩︎
  21. MARAMBAUD, Ivette D. Mrs Gaskell’s Industrial Novels: Mary Barton and North and South. University of Richmond. 1971. p. 72. ↩︎
Data: 1848
Origem: Manchester, Inglaterra
Autor: Elizabeth Gaskell

Busque no portal urânia