Microcosmo é um quadro pintado pela pintora hispano-americana Maria de los Remedios Varo Uranga em 1959. A obra foi feita como preparação de um projeto de mural que, infelizmente, nunca foi concluído.
Em 1945, quando María Izquierdo tinha 43, e anos de trabalho dedicados à arte, a artista foi convidada pelo governo mexicano a pintar uma série de ao menos três murais no Antigo Palacio del Ayntamiento. Izquierdo acabara de retornar de uma serie de viagens pela América Latina, onde expos seu trabalho e ganhou considerável notoriedade. O convite seria a consagração da artista e seu reconhecimento. No entanto, os pintores Diego Rivera – antigo professor de Izquierdo – e Clemente Orozco, boicotaram a pintora. Rivera argumentou que ela ainda não era experiente o suficiente para começar a receber encomendas. O projeto, para o qual Izquierdo já havia feito esboços, foi cancelado.
Quase 15 anos depois, em 1959, o ambiente cultural e artístico mexicano haviam mudado. A Segunda Guerra Mundial deslocou um sem número de artistas e intelectuais, além de vitimar tantos outros, e fez com que países das Américas abrissem seus portos para os refugiados. A capital do México recebia, na época, dezenas de pintores, poetas e escritores fugindo não só da Segunda Guerra mas também da Guerra Civil Espanhola. Dentre os exilados, estavam a pintora Remédios Varo.

Desde sua chegada ao México em 1944, até os início da década de 1950, Remédios Varo pouco se dedicou à pintura. Para se sustentar, a artista dispendia seu tempo e energia em campanhas publicitárias e trabalhos do tipo. A partir de 1950, porém, com o apoio emocional e financeiro de seu companheiro Walter Gruen, Remédios Varo conseguiu pintar alguns quadros e participar de poucas exposições.
A recepção à sua arte, no entanto, foi mais que bem sucedida: foi uma estrondosa. Após a exibição de suas telas na Galeria Diana em 1955, Varo começou a receber tantos pedidos a ponto de se formar uma lista de espera daqueles que pagariam por um quadro seu, qualquer que ele fosse.
Quatro anos depois, no auge de sua produção e fama, o governo do país que havia lhe acolhido, a chamou para elaborar um mural para o Pavilhão do Câncer do Centro Médico da Cidade do México. A obra de Remedios Varo era excepcional mas ela não seria a única a ser convidada. Alguns anos mais tarde, sua amiga e também pintora (e expatriada) Leonora Carrington também receberia a encomenda de um mural. Os tempos haviam mudado.
Remedios Varo sabia da responsabilidade que viria com o projeto. Iniciou os esboços do projeto e pintou um óleo com o resultado final de Microcosmo. Como era seu hábito, a artista enviou uma foto da tela para o irmão e mãe, na Espanha, dando uma breve explicação de seus elementos:
“Esse quadro é uma parte do projeto que fiz quando me encarregaram daqueles murais para o Pavilhão de Cancerologia que no final eu não quis fazer. Em cima se vê uma pequena parte do zodíaco. Nas navezinhas estão, da esquerda para a direita, Escorpião, Sagitário e Capricórnio – fica subentendido que o resto do zodíaco.
Como você verá, eles estão puxando substâncias celestes com as mãos, que saem depois pelos tubos de escape das naves, esses tubos de escape têm cada um a forma do signo; as substâncias celestes caem nesse espécie de templo, no qual após uma fervura adequada e transformação química, se produzem as várias criaturas que saem pelas portas e se espalham pelo mundo.
Ao sair, são todos brancos e estão envoltos em uma vestimenta branca comum, como uma placenta celeste, e ao se separarem os indivíduos tomam cor. Por um lado, eu trato de seguir uma espécie de determinismo, e por outro, de harmonia, essa última, por meio do astro motor que move as mãozinhas, e que é único. Na parte do projeto que não pintei nesse quadro, a falta de harmonia era uma nave horripilante, obedecendo a dois centros motores, etcétera.“1
Conforme a descrição da própria artista, Microcosmo trás uma série de referências caras a Remédios Varo. A astrologia (Três Destinos) e a alquimia (A Criação das Aves), exploradas em diversas outras obras como, mas também o nascimento (Nascer de Novo) e a harmonia, cujos muitos significados a pintora condensou em quadro com esse mesmo título. Varo também nutria um profundo interesse pela ciência, manifesto em quadros como Fenômeno da Gravidade e Planta Insubmissa. A pintora havia combinado suas paixões por esoterismo e ciência no retrato do doutor Ignácio Chavez, feito em 1957, e o fez mais uma vez em Determinismo.
Localização atual de Microcosmo
A autora Janet Kaplan, que escreveu uma biografia de Remedios Varo, nos dá conta de que a artista, de temperamento tímido e reservado, nunca se acostumou com a fama repentina que seu trabalho lhe trouxe a partir dos anos 1950. Estar presente em eventos não lhe agradava. Nesse sentido, a grande responsabilidade e exposição que viria com o mural fizeram com que Remedios Varo desistisse.
A tela Microcosmo é, assim, a mais famosa evidência da fama que sua autora alcançou no país em que viveu. E a julgar pela quantia que a obra alcançou quando foi leiloada pela casa Sotheby’s em 2020, um pouco menos de 2 milhões de dólares, o apreço pela arte de Remedios Varo não parece ter ficado no passado.2
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Referências
- BOLIO, Edith. “A veces escribo como si trazase un boceto” Los escritos de Remedios Varo. Tese de Doutorado. Tecnológico de Monterey. 2008. Aqui. p.165. ↩︎
- Nota do leilão no site da Sotheby’s. ↩︎