Mulher saindo do Psicanalista é um quadro da pintora Remedios Varo, feito em 1961. Apresentando uma figura coberta de véus próxima a um poço, a obra aborda o processo psicanalítico do ponto de vista de uma paciente. No início de sua carreira, enquanto ainda vivia em Paris, Remedios Varo se associou ao movimento surrealista, para o qual as obras de Freud eram uma fonte de inspiração fundamental.
Mulher saindo do Psicanalista compõe o conjunto de obras da fase madura de Remedios Varo e possui marcas distintivas do estilo da artista como a representação da mulher, sozinha, em algum tipo de ação, o ambiente parecido com uma torre com portas, a presença de nuvens e névoa, entre outros elementos. Trata-se de um dos quadros mais conhecidos – e reproduzidos – de Remedios Varo.

O Contexto de Mulher Saindo do Psicanalista
Quando Remedios Varo pintou Mulher Saindo do Psicanalista, ela já desfrutava de amplo reconhecimento tanto do público quanto da crítica de arte mexicanos. A pintora havia se exilado na Cidade do México havia duas décadas, fugindo da Segunda Guerra Mundial. Após anos trabalhando na indústria publicitária, Remedios Varo alcançou grande fama no México quando participou de uma exposição conjunta na Galeria Diana em 1955.
A artista juntamente com outras duas exiladas, chegou a ser conhecida e admirada por Diego Rivera, pintor mais famoso do México na época e marido de Frida Kahlo. Nas palavras do muralista: “México tem a boa sorte de que entre nós vivem três mulheres pintoras as quais indubitavelmente estão entre as maiores artistas mulheres do mundo: Remedios Varo, ah, como a pintura dessa mulher me encanta!, Leonora Carrington e Alice Rahon“1
Em uma série de quadros, Remedios Varo representa mulheres e/ou personagens andrógenos em meio a alguma jornada. Em Exploração das Fontes do Rio Orinoco, sua exploradora (ou explorador) navega em meio a uma paisagem aquática e obscura, em Nascer de Novo vemos uma mulher surgindo nua de dentro de uma estrutura (talvez o tronco de uma árvore) sob a luz da lua. Em Caçadora de Estrelas, uma figura feminina, vestida com um manto iluminado, sai à procura de astros com uma rede de caçar borboletas.
Nesse sentido, Mulher saindo do Psicanalista se encaixa nesse padrão de obras da autora que mostram a personagem sem muitas marcas definidas de gênero em meio a uma atividade ou processo.
Após praticamente duas décadas no México e mais de dez anos se dedicando à arte, ali, exclusivamente à pintura, Remedios Varo havia amadurecido seu próprio estilo e produzido a maior parte dos quadros pelos quais ficaria conhecida. No entanto, uma certa influência do grupo surrealista, do qual ela havia participado mesmo que de maneira marginal, ainda poderia ter se feito presente em Mulher saindo do Psicanalista.
Em sua obra Alchemy, Jung, and Remedios Varo: Cultural Complexes and the Redemptive Power of the Abjected Feminine (Alquemia, Jung e Remedios Varo: Complexos Culturais e o Poder Redentor do Feminino Abjeto, sem tradução para o português), Dennis Pottenger cita o texto de Jacquelyn Yvonne White em que a pesquisadora afirma:
“Enquanto pintora surrealista, Varo foi muito influenciada pela… psicanálise e pelo desenvolvimento da conexão entre a mente consciente e inconsciente.”2
Elementos de Mulher Saindo do Psicanalista
O título do quadro traz em si a indicação de que a personagem estava em uma consulta psicanalítica. Para além disso, a discreta plaqueta ao lado da porta que vemos à esquerda é outra referência à psicanálise. Ali estão gravadas as iniciais FJA. Conforme palavras da própria Remedios Varo, as letras se tratam do nome daquele psicanalista e derivam dos nomes Freud, Jung e Adler. Varo costumava mandar para seu irmão e mãe, na Espanha, imagens de seus quadros com curtos comentários sobre a mensagem e execução dos mesmos. Sobre Mulher Saindo do Psicanalista, ela disse:
“Essa senhora sai do psicanalista jogando em um poço a cabeça do seu pai – como é o correto ao se sair de um psicanalista -. No cesto [ela] leva desperdícios psicológicos: um relógio, símbolo do medo de chegar tarde, etcétera. O doutor se chama Dr. FJA ( Freud, Jung, Adler)“3
Tanto Dennis Pottenger, quanto Yvonne White, porém, defendem que Mulher saindo do Psicanalista, não é apenas uma simples representação de uma paciente no processo terapêutico ou dos métodos desenvolvidos pelos famosos psicanalistas citados, mas uma crítica ao lugar da mulher em muitas das teorias de Freud e seus seguidores:
“As questões que estavam preocupando a mulher foram expostas na visita ao psicanalista; ao sair da clínica, um símbolo de domínio do patriarcado sobre a mulher, a mulher ‘é capaz de remover isso de seu cesto das preocupações’ e abaixar um dos véus que vinham escondendo sua verdadeira natureza.”4
Pottenger continua em sua análise: “Rejeitando o mito da filha com inveja do pênis e desejo pelo pai, Varo desafiadoramente coloca sua personagem feminina deixando para trás o edifício da psicologia patriarcal, com a cabeça da autoridade masculina cortada e descartada como dejeto psicológico.”5
Janet Kaplan, autora de uma ampla biografia sobre Remedios Varo, já havia feito uma leitura parecida de Mulher saindo do Psicanalista em artigo de 1987 ao afirmar que a pintura estaria na obra “parodiando teorias psicanalíticas sobre mulheres”. Kaplan, nota, por outro lado, que o quadro, como tantos de Varo, retrata o meio de um processo, e não, necessariamente seu desenlace:
” […] a mulher é capaz de se libertar de uma camada de seu véu. Mas, assim como sua cesta traz “ainda mais dejetos psicológicos”, outras camadas do véu se mantêm, cobrindo sua boca e deixando-a muda.”6
Localização de Mulher Saindo do Psicanalista
Mulher saindo do Psicanalista pertence ao acervo do Museu de Arte Moderna da Cidade do México. A obra esteve no Brasil por ocasião da 8º Bienal de Arte de São Paulo, em 1965.7 A tela foi uma das que compôs a exposição Frida Kahlo – Conexões entre mulheres surrealistas no México ocorrida no Instituto Tomie Ohtake em 2015.8
Artigos Relacionados
Referências
- KAPLAN, Janet. Unexpected Journeys: the art and life of Remedios Varo. Abbeville Press. New York. 1994. p. 133. ↩︎
- White, Y. (2014). The surrealist woman: The art of Remedios Varo.
University Honors Program Capstone Projects. 744. Retrieved from surface.syr.edu/ honors_ capstone/ 744 apud POTTENGER, Dennis. Alchemy, Jung, and Remedios Varo: Cultural Complexes and the Redemptive Power of the Abjected Feminine. London: Routledge, 2021. p. 201. ↩︎ - MENDOZA BOLIO, Edith “A veces escribo como si trazase un boceto”. Los escritos de Remedios Varo, Madrid-Vervuert, Iberoamericana-Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Monterrey, 2010. Disponível em: https://repositorio.tec.mx/items/7611852e-a02b-49fe-a11d-dc5dcedec190 p. 171. ↩︎
- White, Y. (2014). The surrealist woman: The art of Remedios Varo.
University Honors Program Capstone Projects. 744. Retrieved from surface.syr.edu/ honors_ capstone/ 744 p. 29 apud
POTTENGER, Dennis. Alchemy, Jung, and Remedios Varo: Cultural Complexes and the Redemptive Power of the Abjected Feminine. London: Routledge, 2021. p. 201. ↩︎ - POTTENGER, Dennis. Alchemy, Jung, and Remedios Varo: Cultural Complexes and the Redemptive Power of the Abjected Feminine. London: Routledge, 2021. p. 202. ↩︎
- KAPLAN, Janet A. Remedios Varo. Feminist Studies, Vol. 13, No. 1 (Spring, 1987), pp. 38-48. Disponível no jstor. ↩︎
- Catálogo da 8ª Bienal. ↩︎
- Página sobre a exposição no site do Instituto Tomie Ohtake. ↩︎