O Abraço de Amor de Frida Kahlo

O Abraço de Amor do Universo, a Terra (México), Eu, Diego e o Senhor Xólotl é um quadro da pintora Frida Kahlo feito em 1949. A pintura é uma das que mais abertamente trata dos sentimentos que a artista nutria por seu marido, o também pintor Diego Rivera. Aqui, temos um Rivera infantilizado e posto no colo de sua esposa com as feições de um bebê. As figuras de Frida e Diego são abraçadas por entidades cobertas por uma vegetação rica e diversa que faz referências ao México natal dos dois artistas. 

Há também referências à religião asteca na pintura, com destaque para a figura do cãozinho bem como seu nome, Senhor Xólotl. O animal de estimação também marca o aspecto da convivência doméstica do casal Frida e Diego. O Abraço de Amor do Universo, a Terra (México), Eu, Diego e Senhor Xólotl encontra-se na Cidade do México, compondo a coleção de Jacques e Natasha Gelman.


O Abraço de Amor e a cultura indígena

Para Janice Helland, o quadro trata, para além do relacionamento entre Frida e Diego, “obviamente sobre a vida e a morte.” Em suas palavras, “a grande deusa está ferida mas também faz brotar vida nova de seu corpo”. O Senhor Xolotl, que é o cachorrinho deitado no braço da entidade,  também reforça essa dimensão de vida e morte da pintura.

Para Helland, a representação do animal de estimação do casal faz referência tanto ao cachorro do infra mundo Mictlan da religião asteca, quanto ao personagem chichimeca Xolotl, considerado o progenitor dos Astecas. No idioma nahuatl, Xolotl é também o alter-ego de uma das principais divindades astecas, Quetzalcoatl. Nesse sentido, Xolotl é o gêmeo de Quetzalcoatl e representado por Vênus, estrela da tarde.1

O Abraço de Amor do Universo, a Terra (México), Eu, Diego e o Senhor Xólotl de Frida Kahlo
O Abraço do Amor de Frida Kahlo. Fonte: Fridakahlo.org

A proximidade e mesmo a interdependência da vida e morte, para Helland, é uma das chaves para a compreensão do quadro. Tanto a figura de Rivera, retratada como um bebê de colo, como todas as referências à abraços maternais no quadro, relacionam-se à ideia de vida ou inicio da vida. Já o peito ferido da deusa da terra bem como o largo corte no pescoço do retrata de Frida remetem à morte, ao fim da vida.2

Para Camilla Sutherland, O Abraço de Amor não apenas valoriza a cultura indígena pre-colombiana, mas trata na verdade da mestiçagem típica da sociedade mexicana e, principalmente, do poder criativo feminino. Para ela, a figura de Frida Kahlo no quadro espelha as imagens da terra e do universo de modo que a artista, carregando Diego Rivera, acaba por tomar atributos de uma “deusa protetora mas também poderosa.”3 Roberto Vera compartilha da visão de Frida em O Abraço de Amor enquanto deusa. Em suas palavras:

“Ali Frida aparece encarnando a imagem da Grande Deusa Mãe, que, segundo a mitologia asteca, é a própria Terra, mãe do sol, lua e estrelas: Coatlicue. Assi, a pintora assume essa identidade apresentando a si mesma como a terra, o lugar nutritivo por excelência.”4

O quadro também, organizado em duas metades simétricas – “lua e sol, escuro e luz, etc” – “alude à dualidade inerente à cosmogonia Asteca e Maia”. As mãos do universo, no entanto, que vemos englobando as figuras, são marrom e brancas respectivamente, aludem em um primeiro momento para a “miscigenação biológica”. No entanto, para Sutherland, na pintura “Frida dá primazia para as forças criativas femininas, sutil e humoristicamente minando a centralidade inflada dada aos artistas masculinos no cânone pós revolucionário Mexicano.”5 

O Abraço de Amor e a vida doméstica de Frida e Diego

Na casa que dividiram enquanto foram casados, chamada hoje de Casa Azul, o casal Frida e Diego mantinha uma grande coleção de peças, artefatos e obras indígenas. Desde vasos e outros objetos de cerâmica encontrados em sítios arqueológicos, até estátuas.

Frida Kahlo e Diego Rivera no detalhe de O Abraço de Amor
Detalhe central de O Abraço de Amor. Fonte: fridakahlo.org

De modo que o passado indígena do México eram orgulhosamente exposto e exaltado nos diferentes imóvel dos pintores. Essa postura de valorização, no caso de Frida, perpassa toda a sua obra e transparece mais claramente em quadros como Autorretrato na Fronteira do México com os Estados Unidos, Quatros Habitantes do México e a Mesa Ferida, por exemplo. 

Não se sabe, exatamente, o motivo que levou Frida Kahlo a acrescentar a figura de um de seus animais de estimação na presente pintura. O que se pode afirmar com certeza é que a pintora já havia retratado seus animais em ocasiões anteriores, como em seus autorretratos com macacos (grande parte deles feito na década de 1930) ou em seu Autorretrato com Macaco de 1945, na qual aparece em companhia de um de seus macacos, de um cachorro e uma estátua indígena. 

Dentre os vários animais de estimação que Frida e Diego tinham na Casa Azul (atual Museu Frida Kahlo) estava o Senhor Xólotl, cãozinho da raça Itzcuintl. Sua presença reforça o caráter domestico e privado do retrato e nos lembra que Frida e Diego, são não somente dois pintores famosos mas também um simples casal, marido e mulher, como em Retrato de Casamento, de quase vinte anos antes. 

Senhor Xólotl também pode ter sido escolhido pela especial relação que tinha com seus donos. Segundo anedota contada por Raquel Tibol, o cãozinho teria urinado em uma tela em que trabalhava Diego Rivera. O pintor, furioso, perseguiu o animal pela Casa Azul até que, percebendo o pavor de Senhor Xólotl, parou e disse: “Senhor Xólotl, imperador de Xibalba, senhor das trevas, você é o melhor critico de arte.”6

Tibol, que foi cronista, critica e historiadora da arte, fez sua própria leitura de O Abraço do Amor, a qual retoma os temas cachorro, do divino e da morte/nascimento que vimos no item anterior:

“Esse abraço múltiplo não se da como algo feliz, mas com uma determinação dolorosa simbolizada pelo pequeno animal que, segundo os mitos antigos, a de conduzir os humanos ao espaço da morte, onde Frida continuará nascendo espiritualmente de Diego, enquanto que do fogo maternal de Frida surgirá outro Diego.”7 

É de conhecimento geral que o casamento de Frida Kahlo e Diego Rivera foi turbulento e que a relação dos dois seria considerada tóxica por muitos atualmente. Os dois haviam se divorciado em 1935, porém reataram e se casaram novamente apenas um ano depois. A obra de Frida Kahlo é com frequência por muitos críticos e estudiosos aos seus aspectos pessoais e biográficos.

Frida Kahlo ao lado de sua pintura O Abraço de Amor
Frida Kahlo e sua obra O Abraço de Amor em fotografia de Florence Arquin. Fonte: Smithsonian

Não são raras as analises de quadros de Frida que se baseiam quase que exclusivamente no fato de que a artista foi traída por Diego Rivera, que o casal se separou e que Kahlo teve episódio de profundo sofrimento causados por seu marido, como no quadro Alguns Cortezinhos de 1935. O Abraço de Amor, por outro lado, nos lembra a complexidade da situação em que Frida se encontrava, pois ressalta a grande afeição e proximidade do casal. 

Em seu texto “Retrato de Diego”, escrito por ocasião da exposição Diego Rivera: 50 años de su labor artística de 1951, Frida retoma imagens de O Abraço de Amor, mostrando o quanto eram significativas para si e sua relação com Rivera: “A forma de Diego, é a de um monstro cativante, o qual a avó, Antiga Acultadora, a matéria necessária e eterna, a mãe dos homens, e de todos os deuses que esses inventaram em seu delírio, originados do medo e da fome, a mulher, entre todas elas – eu – queria sempre o ter nos braços assim como a seu filho recém nascido.”8 

Localização

O Abraço de Amor do Universo, a Terra (México), Eu, Diego e Senhor Xólotl encontra-se na Cidade do México e compõem a coleção de Jacques e Natasha Gelman.

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Bibliografia

DEFFEBACH, Nancy. Frida Kahlo y el Ociddente de México. Em: “Apropriarse del arte: impulsos y pasiones: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012. Disponível no academia.edu da autora.

HELLAND, Janice. Aztec Imagery in Frida Kahlo’s Paintings: Indigenity and Political Commitment Woman’s Art Journal , Autumn, 1990 – Winter, 1991, Vol. 11, No. 2 (Autumn, 1990 – Winter, 1991), pp. 8-13. Disponível no Jstor

SUTHERLAND, C. (2022). Indigenismo and the Limits of Cultural Appropriation: Frida Kahlo and Marina Núñez del Prado. Angelaki: Journal of the Theoretical Humanities, 27(3-4), 75-90. https://doi.org/10.1080/0969725X.2022.2093949

VERA, Luis Roberto. Raíz mesoamericana: Octavio Paz, lendo Efraín Huerta y Frida Kahlo. Impossibilia Nº4, Págs. 202-232 (Octubre 2012). Disponível aqui.

Referência

  1. HELLAND, Janice. Aztec Imagery in Frida Kahlo’s Paintings: Indigenity and Political Commitment 
    Woman’s Art Journal , Autumn, 1990 – Winter, 1991, Vol. 11, No. 2 (Autumn, 1990 – Winter, 1991), pp. 8-13. p. 10.  ↩︎
  2. HELLAND, Janice. Aztec Imagery in Frida Kahlo’s Paintings: Indigenity and Political Commitment 
    Woman’s Art Journal , Autumn, 1990 – Winter, 1991, Vol. 11, No. 2 (Autumn, 1990 – Winter, 1991), pp. 8-13. p. 10.  ↩︎
  3. SUTHERLAND, C. (2022). Indigenismo and the Limits of Cultural Appropriation: Frida Kahlo and Marina Núñez del Prado. Angelaki: Journal of the Theoretical Humanities, 27(3-4), 75-90. p. 79. ↩︎
  4. VERA, Luis Roberto. Raíz mesoamericana: Octavio Paz, lendo Efraín Huerta y Frida Kahlo. Impossibilia Nº4, Págs. 202-232 (Octubre 2012). p. 224. ↩︎
  5. SUTHERLAND, C. (2022). Indigenismo and the Limits of Cultural Appropriation: Frida Kahlo and Marina Núñez del Prado. Angelaki: Journal of the Theoretical Humanities, 27(3-4), 75-90. p. 79. ↩︎
  6. DEFFEBACH, Nancy. Frida Kahlo y el Ociddente de México. Em: “Apropriarse del arte: impulsos y pasiones: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012. p. 173. ↩︎
  7. TIBOL, Rachel. Frida Kahlo en su luz más íntima. México: Lumen [Random House Mondadori]. apudVERA, Luis Roberto. Raíz mesoamericana: Octavio Paz, lendo Efraín Huerta y Frida Kahlo. Impossibilia Nº4, Págs. 202-232 (Octubre 2012). p. 226. ↩︎
  8. KAHLO, Frida, “Retrato de Diego”. Diego Rivera: 50 años de su labor artística: exposición de homenaje nacional, México, Departamento de Artes Plásticas, Instituto Nacional de Bellas Artes, 1951, p.38. apud DEFFEBACH, Nancy. Frida Kahlo y el Ociddente de México. Em: “Apropriarse del arte: impulsos y pasiones: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012. p. 162. ↩︎
Data: 1949
Origem: México
Autor: Frida Kahlo
Localização Atual: Cidade do México, México

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