O Pavilhão Dourado é um livro escrito por Yukio Mishima em 1956. Seu enredo é baseado no caso real do monge estudante Hayashi Yoken que, em 1950, incendiou e destruiu um templo Zen de mais de 500 anos em Kyoto. Mishima empreende um mergulho na vida e personalidade do monge Mizoguchi e faz o retrato de um jovem isolado socialmente.
O Pavilhão Dourado é considerado a obra prima do escritor Yukio Mishima e contém em seu enredo uma serie de elementos caros ao autor e explorados em outras obras como a fascinação pela beleza, a vida durante a Segunda Guerra Mundial, o desajustamento social e o sexo. ___________________________________________________________________________________________
A escrita do Pavilhão Dourado
Em meados da década de 1950, Yukio Mishima já desfrutava de incontestável reconhecimento e fama em sua terra natal e no estrangeiro. Ele havia mantido um mesmo e forte ritmo de trabalho desde o lançamento de seu primeiro sucesso, Confissões de uma Máscara, e sua produção incluía romances, contos, artigos e peças de teatro. Algumas de suas obras já haviam inclusive sido adaptadas para o cinema e/ou traduzidas. Seu lugar na literatura japonesa e mesmo internacional estava relativamente assegurado e o escritor dispunha de um recursos e confiança de público e editores para continuar trabalhando.
O Pavilhão Dourado, então, dispunha dos melhores ambientes para vir à luz. Sua recepção nesse sentido foi estrondosa. Até os dias de hoje, pesquisadores e estudiosos defendem que ele é o melhor trabalho da carreira de Yukio Mishima. O Pavilhão Dourado foi lançado de forma seriada na revista Sincho entre janeiro e outubro de 1956 e editado como livro já no mesmo mês de outubro.1
A história de O Templo do Pavilhão Dourado é baseada em um caso real que aconteceu em Kyoto em 2 de julho de 1950. Após planejamento, o jovem monge Hayashi Yoken incendiou o templo Zen em que fora estudante até então. Seu plano inicial era o de ser consumido pelas chamas junto com o templo, porém sabe-se que, uma vez iniciado o fogo, o monge fugiu para colinas próximas dali.

À distância, Token tentou cometer suicídio com o uso de uma faca e tranquilizantes, mas não teve sucesso. Uma vez capturado, o jovem explicou que seus atos haviam sido motivados por duas razões: vingança contra o monge Superior do templo, que teria colocado empecilhos ao progresso de sua carreira, e também inveja pela beleza do templo.2 Sobre isso ele declarou:
“Ver as multidões de visitantes virem todos os dias em busca da beleza do Pavilhão Dourado, eu comecei a sentir um forte ressentimento contra a beleza e aquela classe social. Eu sentia que o que o mundo pensava que era belo era feio, e ainda assim eu era incapaz de suprimir um sentimento de inveja com relação àquela beleza…no fim, encontrar uma resolução para o meu sofrimento, eu decidi que eu deveria partir para a ação de verdade em nome da revolução social“.3
O templo foi reconstruído em 1955, um ano antes da publicação do livro de Mishima.
Romance psicológico, Zen e crime: o enredo de Pavilhão Dourado
A caracterização de Mizoguchi feita por Mishima divide críticos e estudiosos até os dias de hoje. Conforme elenca Kinya Tsuruta, o crítico Hideo Kobayashi destaca que o personagem “nunca vai para além de suas próprias paredes psicológicas e nunca forma qualquer relacionamento real com o mundo exterior” de modo que o livro, assim ” é melhor entendido como um um não-romance, ou um poema lírico”.4
Em artigo, Thomas Swann abre possibilidades sobre o gênero da obra entre ao menos três tipos diferentes e concluindo que Pavilhão Dourado é uma bem sucedida fusão dos três:
“Entre várias possibilidades, ele poderia ser chamada de Romance Psicológico no qual se examina a extensão da psicologia do protagonista e os desenvolvimentos nela; um Romance Zen no qual se apresenta o registro detalhado do progresso único de um acólito em direção de uma eventual conquista de iluminação espiritual; ou um Romance de Filosofia Estética em que se pondera a beleza de maneira completa, retratando a relação da beleza em relação à e seu efeito na vida humana […]”.5
Sobre sua escolha de tratar da vida de Yoken e o ataque incendiário, Mishima comentou:
“Eu escrevi [O Pavilhão] com a intenção de colocar um homem obcecado pelo conceito de beleza como um símbolo para o artista. Alguns críticos disseram que é curioso haver um romance sobre arte no qual o protagonista é um monge, mas que é o que eu tinha em mente“.6
Seu profundo isolamento, sua introspecção, exacerbados pelo fato de ser gago, é um dos temas mais explorados pelo autor ao longo de todo o livro e traz uma série de consequências à vida de Mizoguchi. Nas palavras de Thomas Swann: “a tendência de idealizar coisas para além das proporções realistas, junto com sua visão negativa de si mesmo e seu isolamento introvertido, separa Mizoguchi do mundo real e da vida real.”7
Tais características são analisadas ao longo de toda a obra. Sua dificuldade em se expressar está inclusive registrada em seu próprio nome. Segundo Reiko Nemoto, o nome Mizoguchi é composto de dois termos: mizo, que significa lacuna, vala, sarjeta, e guchi, ou kuchi, que quer dizer boca).8
Para Kinya Tsuruta, Mizoguchi pode ser comparado a outros tipos de criminosos para os quais o crime é – incêndios e assassinatos – são meios de saírem do indigência e isolamento social:
“Se no ocidente a forma mais rápida de um Ninguém se tornar um Alguém é atirar no presidente ou em um famoso músico de rock, pode ser que a forma de se torna “alguém precioso” no Japão é queimar um templo de 600 anos. O jovem que matou John Lennon supostamente disse que ele fez aquilo porque admirava o cantor e queria se transformar nele ao atirar nele” e em seguida, acrescenta: “Eu me questiono se Mizoguchi queria se tornar Kinkakuji. Nesse sentido, é interessante considerar a sugestão feita por Marguerite Yourcenar de que Kinkakuji é Mizoguchi.”9
No livro de Mishima, o jovem empreende uma longa incursão por dentro do templo enquanto leva a cabo seu plano de reduzir o edifício a cinzas. Na realidade, isso nunca aconteceu já que o criminoso não conseguiu passar nem para o primeiro andar. N’O Pavilhão, Mizoguchi explora o templo com exceção de uma linda saleta conhecida como Kyukyokucho, que encontra-se trancada.
Para o biógrafo de Yukio Mishima Damian Flanagan , esse detalhe do livro aponta para a crença do escritor de que “havia algo ‘intocável’ no coração da cultura japonesa” e que seria, segundo Flanagan “esclarecido mais tarde como a presença transcendental do imperador“.10Reiko Nemoto compartilha dessa leitura: “[o] templo claramente manifesta o anseio [de Mishima] pelo Japão Imperial desaparecido, no qual o Imperador era a força unificadora e o centro da cultura japonesa.”11

Personagens de O Pavilhão Dourado
Mizoguchi: personagem principal do livro, ele é um estudante no templo do pavilhão dourado
Pai de Mizoguchi: antigo monge do pavilhão dourado e colega do atual monge superior, o pai de Mizoguchi está às portas da morte e encoraja o filho em sua carreira monástica.
Tsurukawa: estudante, ele se torna amigo de Mizoguchi apesar de ser seu exato oposto: bem humorado, sociável e energético. Seu fim ganha ares especialmente trágicos a partir das suspeitas de Kashiwagi.
Kashiwagi: colega estudante de Mizoguchi, cínico e pessimista.
Traduções d’O Pavilhão Dourado no Brasil
O Pavilhão Dourado foi lançado no Brasil, por meio de uma tradução da versão inglesa, em 1988. No mesmo ano, outras duas obras do autor apareceram traduzidas para o público brasileiro: A Queda do Anjo e O Templo da Aurora. Shiho Tanaka destaca como o filme de Paul Schrader, chamado Mishima: A Life in Four Chapters, que estreou em 1985, causou uma onda de interesse pelo escritor e sua obra, o “boom Mishima”.12
As três traduções de 1988 são os resultados desse fenômeno. Nos anos 2000, as obras de Mishima e outros escritores japoneses, já haviam começado a aparecer no Brasil a partir de traduções diretas do japonês. O Pavilhão Dourado ganhou uma nova tradução em 2010.
Artigos Relacionados
Confissões de uma Máscara de Yukio Mishima
Bibliografia
NEMOTO, Reiko Tachibana. The Obsession to Destroy Monuments: Mishima and Böll. Twentieth Century Literature, Summer, 1993, Vol. 39, No. 2 (Summer, 1993). Disponível no Jstor.
FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014.
SWANN, Thomas. What Happens in Kinkakuji. Monumenta Nipponica, Winter, 1972, Vol. 27, No. 4 (Winter, 1972), pp. 399-414. Disponível no Jstor.
TANAKA, Shiho. As Traduções Indireta e Direta de Kinkakuji, de Yukio Mishima, para a Língua Portuguesa. (Dissertação). Mestrado em Lestras, Progreama de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Aqui.
TSURUTA, Kinya. KINKAKUJI: Reality and Betrayal. Japan Review, 1991, No. 2 (1991), pp. 63-82. Disponível no Jstor.
Referências
- TANAKA, Shiho. As Traduções Indireta e Direta de Kinkakuji, de Yukio Mishima, para a Língua Portuguesa. (Dissertação). Mestrado em Lestras, Progreama de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. ↩︎
- TSURUTA, Kinya. KINKAKUJI: Reality and Betrayal. Japan Review, 1991, No. 2 (1991), pp. 63-82. p. 64. ↩︎
- FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 136. ↩︎
- TSURUTA, Kinya. KINKAKUJI: Reality and Betrayal. Japan Review, 1991, No. 2 (1991), pp. 63-82. p. 65. ↩︎
- SWANN, Thomas. What Happens in Kinkakuji. Monumenta Nipponica, Winter, 1972, Vol. 27, No. 4 (Winter, 1972), pp. 399-414. p. 400. ↩︎
- FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 138. ↩︎
- SWANN, Thomas. What Happens in Kinkakuji. Monumenta Nipponica, Winter, 1972, Vol. 27, No. 4 (Winter, 1972), pp. 399-414. p. 402. ↩︎
- NEMOTO, Reiko Tachibana. The Obsession to Destroy Monuments: Mishima and Böll. Twentieth Century Literature, Summer, 1993, Vol. 39, No. 2 (Summer, 1993). p. 246 nota 2. ↩︎
- TSURUTA, Kinya. KINKAKUJI: Reality and Betrayal. Japan Review, 1991, No. 2 (1991), pp. 63-82. p. 80. ↩︎
- FLANAGAN, Damian. Yukio Mishima. (Critical Lives). London: Reaktion Books, 2014. p. 150. ↩︎
- NEMOTO, Reiko Tachibana. The Obsession to Destroy Monuments: Mishima and Böll. Twentieth Century Literature, Summer, 1993, Vol. 39, No. 2 (Summer, 1993). p. 245. ↩︎
- TANAKA, Shiho. As Traduções Indireta e Direta de Kinkakuji, de Yukio Mishima, para a Língua Portuguesa. (Dissertação). Mestrado em Lestras, Progreama de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. p. 30. ↩︎