Prometeu de Clemente Orozco

Prometeu de Clemente Orozco é um mural feito pelo pintor em 1930. Prometeu foi executado no salão de refeição da Pomona University da Califórnia. Sendo o primeiro mural pintado nos Estados Unidos por um artista do México, Prometeu inaugurou uma série de trabalhos que seriam executados nos anos seguintes pelo próprio Clemente Orozco mas também o famoso Diego Rivera.

Prometeu foi herói mítico grego que roubou o fogo dos deuses para o dar à humanidade. No mural, o personagem é retratado em grandes dimensões, forte e em pleno movimento em comparação à massa anônima e miserável que lhe rodeia à espera da dádiva. Seus traços marcados e fortes, o predomínio de cores dramáticas e do contorno em tons de preto e cinza são marcas do estilo que Clemente Orozco continuou desenvolvendo ao longo de sua carreira.


Muralismo e os Estados Unidos: a produção de Prometeu de Clemente Orozco

Em 1930, o ano em que  Prometeu foi produzido, marcou o início de uma efervescente atividade muralista nos Estados Unidos. Em fevereiro daquele ano, por exemplo, o Los Angeles County Museum lançou uma competição internacional para a escolha de um projeto de mural para a instituição. Cerca de 70 trabalhos feitos para a ocasião foram exibidos em uma exposição derivada da disputa. Foi ainda no mesmo ano que Boardman Robinson, artista canadense, começou a trabalhar em murais na cidade de Pittsburg enquanto outro pintor, Thomas Hart Benton trabalhava na cidade de Nova Iorque.1

Apenas cinco meses após a conclusão de Prometeu, outro pintor mexicano chegaria em terras estado-unidense a fim de pintar murais: Diego Rivera, acompanhado de sua esposa Frida Kahlo

Mural Prometeu de Clemente Orozco na Universidade Pomona.
Prometeu. Fonte: Pomona

David Scott defende que o mural Prometeu, com o personagem mitológico sendo retratado de maneira imensa e semi-divina, não era um tema recente no repertório de Clemente Orozco. Em 1910, cerca de 10 anos antes do movimento muralista se iniciar no México, Orozco junto de seu amigo artista conhecido como Dr. Atl, já trabalhava com a ideia de gigantes “parecidos com os de Michelangelo” bem como com a possibilidade de transportar tais figuras da tela para a parede.2

Os primeiros murais de Clemente Orozco, porém, só foram feitos mais de uma década depois. Em 1926 na chamada Escola Preparatória, Clemente Orozco executou três painéis que se assemelham ao de Prometeu. Intitulados A Greve, A Trincheira e A Destruição da Velha Ordem, eles antecipam tematicamente o mural Prometeu:

“Na sua última série de afrescos da [Escuela] Preparatoria, Orozco trouxe para as suas figuras um crescente impacto emocional e uma sensação de realidade e de vida; os afrescos de alguma maneira se aproximam do Titam da Pomona College.”3

Em 1925, Clemente Orozco executou um mural na Casa de los Azulejos (Cidade do México) chamado Omnisciência. Ali, David Scott percebe uma antecipação do mural de Prometeu que seria feito cinco anos depois. Composto de três figuras humanas nuas, a obra é composta por pares de mãos que se localizam acima das figuras, e oferecem fogo e algo semelhante a uma massa. 

Mural Onisciência do artista Clemente Orozco.
Mural Onisciência (1925) da Casa de los Azulejos. Fonte: wikipedia.

Mãos e braços, tocam as figuras da esquerda e da direita, lhes dando apoio. Scott analisa: “O tema da criação, a alegoria de dar o fogo ou conhecimento, os gigantes, a abordagem levemente acadêmica da anatomia, tudo antecipa Prometeu de Clemente Orozco, ao mesmo tempo em que resgata os óbvios precedentes da arte e pensamento renascentistas e gregos.”4

Em sua autobiografia, o artista narra a ocasião em que obteve a “benção” para sua empreitada muralista. Pouco tempo antes de partir para Califórnia, Orozco foi a uma reunião na casa do poeta Leonard Van Noppen em Nova Iorque. Conforme nos relata Orozco:

Doutor Kalimacos [Patriarca da Igreja de Nova Iorque] se levantou e disse solenemente: para nós Gregos todos todos os artistas verdadeiros do mundo de todos os tempos são gregos. O poeta Van Noppen e eu nos curvamos e o Doutor Kalimacos nos coroou com uma coroa de louros, e nos deu novos nomes. Eu fui batizado com o [nome] de Panselenos, o famoso pintor Grego dos tempos bizantinos cujos murais podem ser encontrados em Mistra.

A coroa de louros não era exatamente, nesse caso, um símbolo de triunfo, mas de adoção… Era uma noite transparente iluminada por uma lua cheia, e ao retornar para Manhattan na balsa, pela encantadora baía de Nova Iorque, minha imaginação foi povoada de alongadas, rígidas e austeras dos apóstolos e da virgem ao pé de um Pantocrator gigante.”5

Elementos de Prometeu de Clemente Orozco

Em seu artigo, David Scott afirma que um dos artistas que mais inspirou Clemente Orozco foi o Júlio Ruelas. Nascido no México, e morto em 1907, Ruelas por vezes pintou temas  pouco convencionais como cadáveres, enforcados e casais suicidas. Orozco em seu registro da Revolução Mexicana chamado Os Horrores da Revolução (1926-1928), mostra o lado sombrio de tal processo histórico: execuções sumárias, deslocamentos populacionais, estupros e a miséria. Tal aproximação artística entre Orozco e Ruelas leva Scott a considerá-los pintores “atormentados”.6

Em seu artigo, Scott nos dá conta de que Orozco iniciou seu estudo para a execução de Prometeu firmando rigidamente andaimes, com divisões baseadas na Proporção Áurea:

“Orozco possuía um bom conhecimento matemático, e havia estudado um pouco de arquitetura quando jovem; agora [em Prometeu] ele experimentava um pouco com a estrutura da imagem, com retângulos, proporções e diagonais controladas.”7

Para além de tais temas, Orozco se inspirou no conteúdo mitológico presente na obra de Ruelas. O pintor, em um de seus autorretratos, se representou como um sátiro enforcado enquanto seus amigos apareceram na tela como serpentes centauros. Tais criaturas, Ruelas emprestou do movimento simbolista francês do qual era grande admirador e do pintor alemão Boecklin.

Laterais do mural Prometeu de Clemente Orozco
Laterais do mural Prometeu de Clemente Orozco. Fonte: Pomona.

Nesse sentido, em 1909, o escritor e tradutor José Maria Frances afirma: “Em todos os trabalhos de artistas mexicanos, a influência dos simbolistas alemães modernos é visível e inegável.”8  Em uma das paredes que compõem o mural de Prometeu, vemos uma mãe-centauro sendo envolvida por uma grande serpente. Seu pequeno filho ao lado chora desesperado. 

Em Prometeu, representação do personagem mitológico que se apropria do fogo, elemento reservado aos deuses, e o compartilha com a humanidade, segue a linha sóbria e trágica do estilo de Orozco. No painel da Universidade de , não se observa qualquer tom celebratório ou de redenção com a façanha do herói. Pelo contrário, as várias personagens que o acompanham são esquálidas, carecas e com expressões pesadas de sofrimento. Sobre sua própria obra, Clemente Orozco afirmou que ela representa “os antigos tempos que Prometeu acabou perturbando ao dar o conhecimento para o homem.”9

Desenho Prometeu de Clemente Orozco
Desenho Prometeu de Clemente Orozco (1945). Fonte: Christie’s.

Assim como seu colega de ofício Diego Rivera, Clemente Orozco produziu versões de alguns de seus murais em outros meios como pinturas e desenhos. Seu Prometeu foi reproduzido em tinta, tinta a óleo sobre papel em 1945. Diferentemente do mural de Pomona, neste trabalho o herói aparece de costas para o observador, ladeado por figuras de aparência triste e desencarnada.

Alejandro Anreus, curador, historiador da arte e autor do ensaio sobre esse desenho de Clemente Orozco no site da casa de leilão Christie’s analisa: “Essas três figuras indubitavelmente representam os mortais que vivem no frio e na escuridão e que serão libertos pelo fogo que Prometeu rouba dos deuses.10

Tela Prometeu de Clemente Orozco feita em 1944. Fonte: Sotheby’s.

Nesse sentido, o contraste entre o herói, aquele que faz algo, é marcado com relação às figuras ao seu redor. Anreus destaca: “em Prometeu is significativo que apenas só seu corpo tenha cor, já que ele é aquele que traz a luz e o calor, enquanto que o resto da composição seja em tinta preta sobre papel branco – um mundo sem vida de frieza e obscuridade.”11

Para Anreus, Prometeu se aproxima de outras obras murais de Clemente Orozco feitas nos Estados Unidos posteriormente: “Prometeu é um herói trágico e solitário, parecido em sua atitude de rebelião com Migração Moderna do Espírito de Orozco (Dartmouth College, 1932-1934) e sua ultima versão de Cristo Destruindo Sua Cruz (óleo sobre tela, 1943, Carrillo Gil Museum). Em todas essas obras o corpo do rebelde é um receptáculo de uma nobre luta, carregado de sofrimento.”12

Localização de Prometeu de Clemente Orozco

A Pomona University é onde se encontra o mural de Prometeu. Ela fica na cidade de Claremont do estado da Califórnia. O desenho do personagem bem como a pintura a óleo – também intitulada Prometeu – encontram-se em coleções privadas.

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Clemente Orozco

Diego Rivera

Frida Kahlo

Referências

  1. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 6. ↩︎
  2. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 10. ↩︎
  3. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 13. ↩︎
  4. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 13. ↩︎
  5. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 16. ↩︎
  6. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 10. ↩︎
  7. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 16. ↩︎
  8. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 10. ↩︎
  9. SCOTT, David W. Orozco’s Prometheus: Summation, Transition, Innovation. College Art Journal, Autumn, 1957, Vol. 17, No. 1 (Autumn, 1957), pp. 2-18. p. 6. ↩︎
  10. Nota sobre o desenho Prometeu leiloado pela casa Christie’s. ↩︎
  11. Nota sobre o desenho Prometeu leiloado pela casa Christie’s. ↩︎
  12. Nota sobre o desenho Prometeu leiloado pela casa Christie’s. ↩︎
Data: Junho de 1930
Autor: José Clemente Orozco
Material: Mural
Localização Atual: Universidade Pomona, California, Estados Unidos

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