Retrato da família Adolfo Augusto Pinto de Almeida Junior

Retrato da família Adolfo Augusto Pinto é um quadro do pintor paulista Almeida Junior. Pintado no ano de 1891, a pintura foi encomendada pelo próprio Adolfo Augusto, engenheiro e um dos membros mais eminentes da elite de São Paulo.

O Retrato da família Adolfo Augusto foi produzido em uma época em que as elites paulistas buscavam o reconhecimento politico e social condizente com a crescente importância econômica que o estado desfrutava. 

A família burguesa, nesse contexto, era tida como a base dessa sociedade e a garantia de seu futuro, desde que papeis raciais e de gênero fossem estritamente respeitados. Assim, O Retrato da Família Adolfo é não apenas um retrato de família mas uma projeção de uma família ideal no Brasil de fins do século XIX.

A obra compõe o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo desde a década de 1980.


Retrato da família Adolfo Augusto Pinto de Almeida Junior
Retrato da família Adolfo Augusto Pinto, 1891. Fonte: wikipedia

A Produção do Retrato da família Adolfo Augusto Pinto

Feito em 1891, o Retrato da família Adolfo Augusto Pinto integra uma longa serie de retratos de membros da elite produzidos por Almeida Junior. Antes dessa obra, o pintor Itu já havia recebido encomendas de retrato do marques de Itu, Antônio de Aguiar Barros (1886) Barão de Piracicaba, Antônio Paes de Barros (1876), do general Couto de Magalhães (1888) e mesmo do Imperador Dom Pedro II (1889).

O Retrato da família Adolfo, no entanto, se destaca não apenas por ser um retrato de várias pessoas mas por sua intenção de se estabelecer enquanto uma representação do que seria uma família ideal de fins do século XIX. Sobre isso, o próprio Adolfo Augusto Pinto declarou em sua autobiografia: “Conterrâneo e amigo, quase desde a infância, do grande pintor nacional que foi José de Almeida Júnior – o Jugica, como o tratávamos em Itu -, comuniquei-lhe um dia, em 1890, o desejo que eu acariciava de possuir bons retratos a óleo dos membros de minha família, mas não queria retratos isolados, individuais, desses que, no fim de anos, quando caem nas mãos de terceiros, são como trastes velhos, inúteis (…)

Queria os retratos de todos os meus, colhidos em conjunto, vivendo uma cena de família, queria uma tela que valesse não só pela imagem das pessoas que nela figurassem – e esse seria para mim seu grande valor subjetivo – porém que tivesse também um merecimento objetivo, de estimação em qualquer tempo e para qualquer amador de arte, em suma, um quadro de gênero que bem poderia se intitular “o lar” ou “um interior familiar.”1

Tal projeto de família comporia um maior, um projeto de nação, em um momento no qual o Brasil passava por transformações estruturais como a Abolição da Escravidão – e do debate em torno da possibilidade de se integrar socialmente escravos e seus descendentes – e a Proclamação da Republica.

Em sua tese de doutorado, Fernanda Pitta defende que o Retrato da Família Adolfo funciona como um evidencia de que o país poderia chegar se civilizar e progredir:

Este Retrato seria uma pintura banal de encomenda, não fora a intenção em expressa em registrar a marca civilizada desta nova sociedade dentro de um ambiente subtropical como o nosso, evidenciando aqui ainda uma vez na luminosidade irradiante – exterior versos interior – revelando um harmonioso de pessoas dispostas em linha compositiva sinuosa pela tela.2

Personagens do Retrato da Família Adolfo e a questão do bebê

Adolfo Augusto Pinto nasceu em Itu no ano de 1856. Ainda menino, ele estudou no Colégio São Luiz e depois se mudou para a Bahia onde estudou medicina. No entanto, Adolfo Augusto se mudou mais uma vez, agora para o Rio de Janeiro, onde se diplomou engenheiro em 1880. Ele então passou desempenhar a função de fiscal-de-obras para o Serviço de Águas e Esgotos de São Paulo. Após isso, ele trabalhou para a São Paulo Railway e também foi consultor técnico da Cia. Paulista de Estradas de Ferro. 3

O engenheiro Adolfo foi, ao longo de sua carreira, atuante em diversas frentes. Além de primeiro organizador do Serviço de Estatística em 1886, ele também representou o Brasil na Exposição Internacional Colombiana em Chicago de 1893. O politico e engenheiro Navarro de Andrade o considerava um gentleman e “uma grande figura da engenharia brasileira.”4

Bebê de Retrato da família Adolfo Augusto
Detalhe do bebê em Retrato da família Adolfo Augusto. Fonte: wikipedia.

Maraliz Christo nos da conta em artigo que a vida do engenheiro Adolfo, apesar de próspera, não foi livre de infortúnios. O mesmo perdeu o pai aos nove anos de idade. Tendo que dividir a herança com mais 16 irmãos, Adolfo Augusto sofreu desde cedo com a preocupação de se empregar bem e se manter financeiramente. No ano da produção do retrato de sua família, Adolpho estava com 35 anos e trabalhava na Companhia Paulista de Estradas de Ferra ja havia 3 anos e estava no cargo de Chefe do Escritório Centro e Engenheiro Auxiliar da Diretoria.5 

A esposa do engenheiro, sentada ao fundo é a senhora Generosa da Costa Liberal. Ela se tornou mulher de Adolfo Augusto em 1888 e, como dote, havia trazido 40 contos de reis para a união. Com a quantia, o casal comprou sua primeira residência, na Rua Conselheiro Crispiano, perto do atual Teatro Municipal de São Paulo.6 O casal ainda teria uma segunda residência, a partir de 1898, na Avenida Higienópolis.7 

A pose das mulheres do retrato da família estão condizentes com o projeto de civilização da época. Conforme afirma Paula Frias, a mulher do engenheiro ensina “diligentemente” a sua filha a cozer e: “Todos na cena acham-se ocupados em seus próprios misteres ou lazer.”8 

Nesse contexto, é reservado às mulheres o ambiente privado e as atividades dor lar: “O burguês, que com sua formação tecnológica e cientifica, assegura o crescimento e o progresso do Estado, encontra no seio da família, circundado pelas virtudes domesticas das mulheres, e na educação dos filhos a serenidade de um descanso justo e útil. Na casa burguesa, manifestam-se as virtudes pessoais e políticas […]”9

No chão, encontram-se três crianças, duas sentadas e uma no colo. Nessas crianças e mais especificamente, no bebe de colo, está um dos pontos de discussão do quadro. Como se pode observar, o bebê tem a pele mais escura do que as outras pessoas da família e a razão de tal fato permanece em aberto.

Sobre o isso, Sergio Miceli, em seu livro Nacional estrangeiro: historia social e cultural do modernismo artístico em São Paulo de 2003, elenca uma serie de possíveis explicações que o autor recolheu de guias turísticos e professores durante visitas à obra:

Por fim, não se pode deixar de comentar o bebê de tez escura cuja presença chama a atenção até mesmo de escolares em visita ao museu. Existem diversas explicações para esse enigma étnico-visual incorporado por Almeida Jr., que costumam ser contadas em registro ficcional pelas professoras e guias de excursões: o filho de uma das empregadas da família; o filho de um prócer político mulato e amigo do engenheiro; uma criança pobre adotada pela família do engenheiro; o emblema em carne e osso da adesão do engenheiro e do pintor aos ideais abolicionistas e republicanos de igualdade.10

Em seu artigo, Negros em espaços brancos: três quadros, uma só história, Maraliz Christo compara a representação da pequena criança de pele mais escura com aquela de outros personagens negros ou afrodescendentes.

Para ela, a figura, e mais ainda o fato de estar no chão, “reafirma sutilmente uma tradição ao se representar crianças negras no interior doméstico branco.” Christo se refere especialmente às gravuras de Jean Baptiste Debret, em uma das quais uma senhora branca oferece comida a crianças negras em volta de sua mesa, as quais pouco se diferem de animais de estimação.11

A retratação de pessoas negras no chão ainda continuaria, por décadas após o retrato de Almeida Junior, encontrando consonância em uma obra como A Negra, de Tarsila do Amaral, apesar de toda a valorização da cultura brasileira empreendida pela artista e os outros modernistas.12 

Retrato do pintor Almeida Junior
Retrato de Almeida Junior. Fonte: Jornal da USP.

Para a pesquisadora, a criança do retrato da família Adolfo Augusto é mais uma em uma série de representações inferiorizantes de pessoas negras na história da arte no Brasil: “As três obras aqui comentadas – Cena de Família de Adolfo Augusto Pinto, 1891, de Almeida Jr.; Fascinação, 1909, de Pedro Peres, e Limpando metais, 1923, de Armando Vianna – são marcadas pela ideia de continuidade, como se narrassem uma mesma história de exclusão.

A peculiaridade que apresentam reside no fato de trazerem à tona contradições sociais no interior dos ambientes domésticos de um determinado período. Interior que, a partir da pintura de gênero, se tornou mais visível.”13

O ambiente de Retrato da família Adolpho Augusto Pinto

O cômodo no qual o retrato foi feito é a sala de estar, a mesma sendo retratada a comunicar não apenas os recursos financeiros da família mas também sua educação e cultura. Chama atenção do observador o violoncelo bem como o piano, ambos do lado direito, próximos ao pai. A educação musical bem como a posse de instrumentos comunicam e reforçam a posição social do grupo familiar. Sobre o piano vemos também bustos de terracota, um deles identificado por Maraliz Christo como o compositor Beethowen.14 

O álbum de fotografias que o menino ao fundo folheia, assim como as fotografias ao fundo, sobre o sofá vermelho, produtos de uma tecnologia até então pouco acessível, reiteram o lugar de elite da família de Adolpho Augusto Pinto. As fotos ainda indicam, segundo Paula Frias, o apreço pelo passado familiar.15

A sofisticação da família ainda é representada pelos três quadros nas paredes, bem como o medalhão logo abaixo de um deles e a acima do menino folheando o álbum de fotografias. Paula Frias aventa a possibilidade dessa peça já haver sido representada por Almeida Junior em uma obra anterior, Ateliê em Paris de 1880, o que reforçaria o método do artista de reaproveitar o mesmo elemento em pinturas diversas.16

Procedência e localização de Retrato da família Adolfo Augusto

O quadro permaneceu com a família de Adolfo Augusto até a década de 1980. No ano de 1981, uma das filhas do engenheiro, Carmen Pinto Hermanny, doou a obra para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde ela ainda pode ser vista até hoje.17 

Bibliografia

CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). Aqui.

FRIAS, Paula Giovana Lopes Andrietta. Almeida Júnior, uma alma brasileira? 2006. 264f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Aqui.

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O Derrubador Brasileiro de Almeida Junior

  1. PINTO, Adolfo Augusto. Minha Vida – Memórias de um Engenheiro Paulista. Prefácio e Notas de Hélio Damante. São Paulo Conselho Estadual de Cultura, 1970. 127 apud CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). p. 170.  ↩︎
  2. FRIAS, Paula Giovana Lopes Andrietta. Almeida Júnior, uma alma brasileira? 2006. 264f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. p. 248. ↩︎
  3. FRIAS, Paula Giovana Lopes Andrietta. 
    Almeida Júnior, uma alma brasileira? 2006. 264f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. p. 249. ↩︎
  4. FRIAS, Paula Giovana Lopes Andrietta. 
    Almeida Júnior, uma alma brasileira? 2006. 264f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. p. 249. ↩︎
  5. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). p.169. ↩︎
  6. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n.  ↩︎
  7. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). p.170. ↩︎
  8. FRIAS, Paula Giovana Lopes Andrietta. 
    Almeida Júnior, uma alma brasileira? 2006. 264f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. p. 249. ↩︎
  9. FRIAS, Paula Giovana Lopes Andrietta. 
    Almeida Júnior, uma alma brasileira? 2006. 264f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. p. 262. ↩︎
  10. MICELI, Sérgio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 2003. p. 50 apud CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). p. 170. ↩︎
  11. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). p.172. ↩︎
  12. HILL, Marcos César da Senna. Quem São os Mulatos? Sua Imagem na Pintura Modernista Brasileira Entre 1916 e 1934. Belo Horizonte. Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. Capítulo 3 – A Negra, 1923, Tarsila do Amaral, a mulher-colo, matriz cultural e afeto mestiço – ítem 3.5 : “Sobre o afeto: mães-pretas e mães-mulatas no imaginário dos modernistas brasileiro”, pp. 278-301. ↩︎
  13. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). p. 180. ↩︎
  14. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). p. 169. ↩︎
  15. FRIAS, Paula Giovana Lopes Andrietta. Almeida Júnior, uma alma brasileira? 2006. 264f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. p. 250.
    ↩︎
  16. FRIAS, Paula Giovana Lopes Andrietta. Almeida Júnior, uma alma brasileira? 2006. 264f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. p. 250. ↩︎
  17. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Negros em espaços brancos: 3 quadros uma só história. Nava: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagem/ Universidade Federal de Juiz de Fora. v. 1, n. 1 (jul./dez. 2015). p. 168. ↩︎

Data: 1891
Origem: Estado de São Paulo, Brasil
Autor: Almeida Junior
Dimensão: 106 x 137 cm
Material: Óleo sobre tela
Localização Atual: Pinacoteca do Estado de São Paulo

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