Retrato de Edsel Ford de Diego Rivera

Retrato de Edsel Ford é um quadro feito pelo pintor e muralista mexicano Diego Rivera. O quadro foi pintado enquanto Diego Rivera produzia o grande complexo de murais A Industria de Detroit, no Detroit Institute of Arts. O mural havia sido financiado pela família Ford e ocupou o pintor e sua equipe por meses. Nesse período, o Retrato de Edsel Ford também foi encomendado.

Representando o filho de Henry Ford, que naquela época era quem comandava o complexo industrial fundado pelo pai, o retrato contém elementos que destacam aquilo pelo que a família se tornou célebre: a indústria automotiva. Pelo olhar de Diego Rivera, Edsel Ford é retratado como uma espécie de combinação entre cientista, projetista e homem de negócio. 

O Retrato de Edsel Ford e o mural do Detroit Institute of Arts são evidencia de uma parceria produtiva entre o artista Rivera e o mecenas Ford que, no entanto, pouco esconde as várias polemicas que tal relação suscitou entre personalidades e instituições tanto estadunidense quanto mexicanas. 


Retrato de Edsel Ford pintado por Diego Rivera de 1932.
Retrato de Edsel Ford feito por Diego Rivera em 1932. Fonte: DIA.

O Contexto do Retrato de Edsel Ford

Em 1930, o então diretor do Detroit Institute of Arts, Dr. William R. Valentier, se encontrou com Diego Rivera na California. Ao retornar para Detroit, Valentier propos à comissão de arte da instituição oferecer a Rivera a encomenda de um projeto de mural para as paredes do Roman Baroque Garden Court, complexo do jardim interno do Institute of Arts. Edsel For, que na época era o presidente da comissão, se interessou pela ideia. O herdeiro de Henry Ford acabou embarcando no projeto e se tornou não apenas seu patrocinador e entusiasta como também um grande defensor, quando os murais foram alvo de ataques diversos.1

Edsel Ford nutria grande interesse pela arte. Em 1933, ele esteve por trás da primeira exposição em solo estadunidense totalmente focada ao design automotivo como forma de arte, a “Art in the Automobile Industry“. Ford filho também apoiou iniciativas como um curso para designers e engenheiros de carros da Society school, anos depois, em 1936. Ele também foi um dos administradores do Museu de Arte Moderna entre 1935 e 1943, ano de sua morte. Na instituição, conforme artigo de Lida Downs, ele “promovia o conceito de qualidade estética de produtor indústria e comercialmente produzidos”.2 

Carro Lincoln Zephyr da Ford, cujo design vemos no retrato de Edsel Ford pintado por Diego Rivera
Ford Lincoln Zephyr de 1936. Fonte: Ford.

Diego Rivera, por sua vez, apesar de sua formação como pintor por longos anos na Europa e sua convicção comunista, era um grande admirador da engenharia estadunidense e entusiasta do design industrial. Nesse sentido, seu mural no Detroit Institute of Arts é fortemente inspirado não apenas no complexo industrial dos Ford, mas especificamente na produção e montagem do novíssimo modelo (na época) do Ford V-8 de 1932.3

O Retrato de Edsel Ford, assim, está intimamente relacionado à encomenda do mural do Detroit Institute of Arts. Seu trabalho na instituição já havia avançado consideravelmente quando o pintor mexicano se engajou na produção do quadro de Edsel Ford.4  Não por acaso, Diego Rivera inseriu um retrato de Ford no mural do Instituto, ao lado de outro, de William Valentier, diretor da instituição, como vimos. Ambos os retratos são semelhantes e compartilham uma serie de elementos.

Naquele do mural, por exemplo, Ford aparece atrás de uma mesa, lendo um diagrama e segurando uma régua. Atrás de sua figura vemos a imensa turbina de um gerador que converte vapor em eletricidade.5 

Elementos de O Retrato de Edsel Ford

Logo atrás da figura de Ford vemos o contorno de um Ford Coupe. Para a execução dos murais, Diego Rivera teve acesso às dependências do complexo Rouge da Ford. Isso incluiu o laboratório Tjaarda, segundo Linda Down, já que ao fundo do retrato não vê apenas um Coupe, mas o Lincoln Zephyr, veículo de luxo da Ford que foi lançado alguns anos depois, em 1936.6

Retrato de Luca Pacioli.
Retrato de Luca Pacioli. Fonte: wikipedia.

No quadro à esquerda, a inscrição diz, em espanhol: “Verdadeiro retrato do senhor Edsel B. Ford engenheiro industrial e Presidente da Comissão da Cidade de Detroit, Estado do Michigan, Estados Unidos da Américo. O pintou Diego Rivera no mês de novembro de 1932.7 

Em artigo sobre o quadro, Linda Downs defende que Diego Rivera se inspirou no estilos de retratos feitos durante o Renascimento para compor seu quadro. A presença de objetos que representam tanto a posição do retrato como seus interesses e o meio em que vivia são algumas da características dos retratos renascentistas. A pesquisadora compara a obra de Rivera com o retrato de Fra Luca Pacioli, por exemplo. Downs continua:

“O ambiente de laboratório que Rivera criou atrás da figura de Edsel tem relação com a configuração espacial que foi desenvolvida inicialmente por pintores renascentistas do norte, nos quais o sujeito do retrato era retratado em seu próprio ambiente. Esse método foi adotado pelos artistas italianos que aplicavam as leis de perspectiva de maneira a representar tais ambientes como espaços claramente definidos e racionais.”8 

Clareza e racionalidade são transmitidos ainda pela postura e expressão de Edsel Ford e também pela escolha das cores. Cinza azulados e azul esverdeados – os quais, segundo Downs, Diego Rivera afirmava admirar nas obras de Cèzanne – “acentuam a sensação de gênio calmo e perspicácia nos negócios” que Ford transmitem.9 

A pesquisadora vai mais longe e aponta para a semelhança entre a postura de Edsel no retrato e um outro tipo de pintura: os autorretratos. Costumeiramente retratando a cabeça em três quartos, com o olhar concentrado – por causa da necessidade do uso de um espelho – junto com objetos do oficio, como pinceis e paleta, além do ambiente do estúdio. Por trás de tais escolha, para Downs, está o fato de que Diego Rivera era “particularmente sensível às similaridades do processo criativo e do ambiente de trabalho do engenheiro e do artista e sua crença de que os engenheiros era os grandes artistas americanos”.10 

O design do carro, feito em giz ao fundo segue o contorno da cabeça de Edsel Ford, em primeiro plano. Tal coincidência não é acidental, para Linda Downs:

“a forma retangular da tela serve a mesma função composicional de emoldurar a figura e levar o olho de volta para a cabeça, colocada no centro. Assim, no trabalho de Rivera o engenheiro em seu laboratório se torna o equivalente do artista em seu estúdio”.11  

Crítica e localização de Retrato de Edsel Ford

Feito, como se viu, dentro a partir dos parâmetros renascentistas e de artistas já consagrados na década de 1930, como Cèzanne, além do fato de sua destinação privada, o Retrato de Edsel Ford não foi recebida como os murais de Detroit. As obras de Rivera no Institute of Arts foram alvo de inúmeras criticas de lideranças religiosas, setores conservadores, colunistas de rádios e outras personalidades.12 A polêmica foi intensa e ganhou outra dimensão em face dos acontecimentos em torno do mural encomendado – e depois cancelado – a Rivera pela família Rockfeller meses depois. 

Em casa, junto de sua esposa Frida Kahlo, Diego também parece ter sido criticado. Um dos quadros mais famosos da artista, Autorretrato na Fronteira entre o México e os Estados Unidos, não deixa dúvidas de seu posicionamento: com um cigarro na boca e uma expressão séria, Frida se retrata entre os dois países.

Entre muitos detalhes, ela porta uma bandeira do México na mão. Do lado americano do quadro, vemos chaminés industriais liberando fumaça em uma paisagem acinzentada. Em cada um dos tubos, Frida escreveu uma letra, que juntas formam a palavra Ford. 

Em 1977, Eleanor Clay Ford legou o Retrato de Edsel Ford para o Detroit Institute of Arts.13 

Referências

  1. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 47. ↩︎
  2. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 47. ↩︎
  3. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 47. ↩︎
  4. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 47. ↩︎
  5. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 48. ↩︎
  6. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 51. ↩︎
  7. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 47. ↩︎
  8. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 49. ↩︎
  9. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 51. ↩︎
  10. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 51. ↩︎
  11. DOWNS, Linda. DIEGO RIVERA’S PORTRAIT OF EDSEL FORD. Bulletin of the Detroit Institute of Arts, 1979, Vol. 57, No. 1 (1979), pp. 46-52. p. 52. ↩︎
  12. GOODALL, Alex. The Battle of Detroit and Anti-Communism in the Depression Era. The Historical Journal, Jun., 2008, Vol. 51, No. 2 (Jun., 2008), pp. 457-480.  ↩︎
  13. Ficha tecnica do quadro no site do DIA.  ↩︎
Data: 1932
Origem: Detroit, Estados Unidos
Autor: Diego Rivera
Dimensão: 97.8 × 125.1 × 2.9 cm
Material: Óleo sobre tela
Localização Atual: Detroit Institute of Arts

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