Retrato de Nico é um quadro pintado por Leonor Fini em 1941. O homem retratado nele é Nico Papatakis, modelo que trabalhou com Fini em algumas ocasiões. Retrato de Nico é uma obra representativa do estilo que Leonor Fini desenvolveu nos anos 30 e 40 do século XX. Além disso, o quadro contraria uma serie de estereótipos de gênero e da retratação artísticas ao trazer um modelo adormecido e nu.
Durante toda sua carreira, Leonor Fini compôs personagens misteriosos, fortes e ativas. Não à toa, a figura que Fini escolheu como uma espécie de alter ego foi a Esfinge, monstro mitológico devorador de homens e apareceu em uma série de pinturas suas ao longo de décadas de carreira.
Obras como A Pastora de Esfinge, o retrato de Leonora Carrington, Mulher Vestindo Armadura e Auto Retrato com Escorpião nos dão uma ideia da visão que Leonor Fini tinha de si mesma e de outras mulheres que contrastava fortemente com as expectativas sociais dos anos 1930 e 1940. Visão essa que transpareceu inclusive nas obras que fez sob encomenda – usualmente a pedido de membros das famílias mais endinheiradas da Itália – como O Retrato de Gogo Schiaparelli e O Retrato da Princesa Francesca Ruspoli.
Por outro lado, a representação que Leonor Fini fez de homens não foi menos inusual e mesmo provocativa. Uma das primeiras pintoras a retratar nu masculinos, os personagens de Leonor costumam estar deitados e dormindo, em poses relaxadas e/ou vulneráveis – exatamente conforme o Retrato de Nico – que se configuram no extremo oposto daquelas em que se encontravam na maior parte das obras de arte até então.
Tal arranjo reflete uma crítica de Leonor à masculinidade da maneira que era – e ainda é, muitas vezes – entendida em seu tempo. Segundo a própria pintora afirmou à historiadora da arte e pesquisadora Whitney Chadwick: “O homem em minha pintura dorme porque ele recusa o papel social construído de animus e rejeita a responsabilidade de trabalhar em uma sociedade em direção a esses fins”.1
Retrato de Nico: outras masculinidades
Nico Papatakis foi contratado pela pintora após os dois se conhecerem em um jantar no mesmo ano da execução do quadro. Em um trecho de sua autobiografia, Papatakis relata sua percepção do trabalho com Leonor ao mesmo tempo em que enfatiza seu desagrado em servir de modelo para um personagem tão diferente do que ele próprio compreendia como masculino/homem:
“Duro, de fato foi. Uma coisa era ser o modelo para um escultor, fosse ele homossexual, de ficar em pé na frente dele vestindo de Adão por longas sessões, ereto duro como um poste, ou com o braço por trás da nuca, o peitoral para frente, agachado como que bebendo em um fonte, ou imitando a atitude tauromáticas de um toureiro ou de um matador…”.
E continua
… outra coisa era se estender em um sofá coberto de tecidos de cores florentinas, as vezes com uma das coxas dobradas, as vezes as duas, com o ar sempre sonhador, necessariamente distraído (essa ultima pintura não me exigia um grande esforço suplementar) ou então em pé, com uma tanga ao redor dos quadris ou uma tiara no rosto, ou brandindo um tridente representado por uma vassoura emprestada da empregada”.2
Mesmo contrariado, Nico Papatakis ainda posaria para pelo menos mais uma obra de Leonor. No caso, o quadro é um autorretrato com a própria artista em que Nico aparece novamente adormecido. Já Leonor se representou na ocasião com uma expressão solene (enamorada? nostálgica? enraivecida?) fitando o jovem com quem divide o leito.
Fini continuaria a preencher suas telas com personagens masculinos dormindo e/ou seminus. Em Deidade Ctônica Velando o Sono de Um Jovem (1946), a qual reúne tanto tema da esfinge quanto do homem “passivo”, a artista escolheu retratar seu companheiro Stanislau Lepri.
O quadro faz parte do acervo do Museu de Arte e História de Gênova. Segundo site da instituição, o quadro foi doado em 1983 por Brigitte Mavromichalis. 3
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Referências
