O Retrato de Uma Senhora é um livro escrito em 1881 pelo autor e dramaturgo inglês Henry James. Trazendo as desventuras de Isabel Archer, o romance exibe sua jornada de desilusão e amadurecimento.
Retrato de Uma Senhora é considerado pelos críticos o ápice da obra de James, seu melhor livro. __________________________________________________________________________________________
A Escrita de O Retrato de uma Senhora
Jacque Sohier, em artigo sobre o livro, nos diz que circunstâncias da própria vida de Henry James o inspiraram a escrever o Retrato. Em choque com a morte de sua prima Minny Tempo em 1870, James tentou “imaginar qual teria sido seu destino”. E complementa: “Daisy Miller e Isabel Archer são ambos cases que mostram o fascínio de James com personagens femininas independentes e auto-afirmativas”.1
O enredo de O Retrato de uma Senhora é, resumidamente, a história de um casamento sem sucesso. A protagonista, Isabel Archer, acredita que Gilbert Osmond a ama e acaba se casando com ele apenas para descobrir, depois de algum tempo, que seu agora marido nunca a amou e esteve sempre interessado em sua herança.

Paul Hadella, em um artigo informativo e elucidativo, nos dá conta de que esse enredo era extremamente popular na época em que Henry James escreveu O Retrato. Para além disso, a jornada de Isabel Archer seria, segundo Hadella, a versão do próprio James de tal gênero e também a defesa de seu ponto de vista com relação à questão do matrimônio e, especificamente, do matrimônio infeliz.
Hadella cita como uma crítica ao romance Won Not Wooed, publicada na Harper’s New Monthly Magazine em 1871, sumariza a critica contra um sem numero de romances vitorianos que traziam mais ou menos a mesma história: “[fiquei com tédio] devido ao padrão mais aprovado do romance moderno, o qual bem invariavelmente casa a heroína com o homem errado, como uma preparação agradável para o casamento com o homem certo“.2O escritor anônimo cita ainda o livro de Marie Sophie Schwarz, A Mulher de um Homem Vaidoso, como outro exemplo do mesmo gênero.
Décadas antes, em 1848, quando Henry James tinha apenas 5 anos de idade, a mais nova das irmãs Brontë, Anne, havia lançado seu A Inquilina de Wildfell Hall. A completa e profunda descrição de um relacionamento que hoje seria considerado tóxico e abusivo rendeu uma série de críticas a Anne, que escrevia sob um pseudônimo.
Após a morte prematura da autora, sua irmã Charlotte, não se dispôs a reeditar o livro dizendo: ““Wildfell Hall’, quase não me parece desejável preservar. A escolha do assunto nesse trabalho é um erro – foi muito pouco consonante com o personagem – gostos e ideias de um escritor gentil, reservado e inexperiente. Ela escreveu isso sob uma noção estranha, consciente e meio ascética de realizar uma penitência dolorosa e um dever severo.“3
Paul Hadella explica que a popularidade do gênero no Estados Unidos do século XIX – fenômeno que se pode estender para grande parte do mundo da época – se deu por dois motivos:
o casamento era considerado o evento central na vida de uma mulher, e mulheres, jovens mulheres, era predominantemente a grande maioria do publico leitor de romances. Em romance após romance, autores lidavam com um jogo que explorava o “e se” junto de suas leitores femininas, tocando seus medos mais profundos ao perguntar, de fato, “e se a decisão mais importante que você fará em sua vida se revelar ter sido totalmente errada?“.4
O crítico da Harper’s New Monthly ataca um ponto específico desses romances: a ideia mais ou menos implícita de que a morte do marido “fornecia à mulher uma saída conveniente de uma péssima situação”.5Além das implicações morais e sociais de tal “esperança” presente nos romances, o escritor da Harper’s ainda destaca que “na vida real, poucas mulheres eram tão sortudas” e elogia os romances que tinham enredos os quais lembravam às “mulheres que é essencialmente o dever da esposa cristã assegurar que um casamento problemático se corrigisse“.6
O livro A Young Wife’s Story de Harriette Bowra é citado como um bom exemplo dentre tantos títulos parecidos.7 Hadella defende que se, por um lado, Henry James tinha toda essa literatura sobre casamentos ruins em mente quando escreveu seu Retrato, por outro, o americano nutria uma opinião muito diferente de grande parte dos seus colegas autores: afinal, o marido da protagonista Isabel Archer, odioso tanto quanto o é, não morre. A protagonista então nunca se vê livre da situação infeliz em que se encontra. O que, para parte dos estudiosos do livro, é seu grande diferencial e qualidade.

Tormento e Moral: particularidades do enredo de Retrato de uma Senhora
Luiza Larangeira destaca como O Retrato de uma Senhora é constituído de uma série de temas caros a Henry James e que foram abordados e desenvolvidos em outras obras do autor, tanto contos quanto livros. De maneira resumida, o Retrato é um Bildungsroman feminino, no qual acompanhamos a protagonista, Isabel Archer, em sua jornada de perda da inocência e autodescoberta.
Típico de Henry James é ainda o forte contraste entre a cultura americana e a inglesa, que são postas lado a lado por meio de personagens e situações. Tais temas, estruturais em O Retrato de Uma Senhora, também o são em outras obras de James como Daisy Miller e A Taça e Ouro.8
A Isabel Archer é negada a “saída” comum e tranquilizadora da morte do marido tão comum em outros romances da época como vimos. Paul Hadella destaca como tal fato é a marcante: “Ao recusar em dar aos seus leitores um dos dois finais convencionais – a morte do esposo ou a transformação do esposo em um homem digno da devoção infatigável de sua mulher – James apresenta o primeiro retrato realista da discórdia conjugal da ficção americana”9
Essa preocupação com a verossimilhança, para o pesquisador, está presente também na forma como Henry James escolheu compor o personagem de Osmond. Frio ao extremo – e não exatamente violento, como seus pares em outros romances – o personagem do marido acaba se tornando, para Hadella, mais próximo da realidade de muitos casais.10
Hadella ainda aponta que todas as escolhas de enredo tomadas por Henry James acabam fazendo com que Isabel Archer fuja da posição de mártir. Ao negar-lhe o sofrimento e o final feliz, ele “oferece ao leitor muito mais: uma ousada reavaliação do que uma mulher casada com um homem desonroso deveria fazer, o que exige que ela não aceite o papel de vítima patética mas que se afirme e aja conforme seu julgamento moral”.11
Lançando mão de leituras filosóficas, Patrick Fessenbecker defende que ao longo do livro testemunhamos Isabel Archer se importar cada vez mais com algo – no caso, seu próprio casamento – fato por trás de sua decisão final: “Isabel faz o que ela tem que fazer”12 e “Isabel não consegue reinventar a si própria como um agente que não se importa com seu casamento” apesar de tudo.13
Jacques Sohier aponta que as escolhas e o destino de Isabel Archer estão intimamente relacionados ao título do livro, no qual a palavra no original “lady” significa uma mulher distinta, madura, fora do comum. Em suas palavras:
“A dama que tem a postura adequada, James diria, é Isabel Archer que confronta seu destino e todos os erros que ela fez. A grande dama se sacrifica como Isabel Archer que volta para o seu marido tirânico para salvar a vida de Pansy.”14
Personagens
Isabel Archer: heroína do livro, Isabel Archer é uma jovem americana em busca de seu caminho. Ela é independente e aberta a novas experiências. Em visita aos tios e primo na Inglaterra, ela acabou sendo beneficiada com uma grande quantidade de dinheiro.
Ralph Touchett: primo de Isabel, ele é um jovem doente e tuberculoso. Ele está por trás do fato que fez Isabel ter acesso a uma pequena fortuna.
Gilbert Osmond: esposo de Isabel, Gilbert é um homem mais velho que nutre um grande interesse por artes. A razão de ter se envolvido com a jovem não é unicamente o amor ou a paixão.
Madame Merle: fina e elegante, Madame Merle é responsável por apresentar Isabel a Gilbert. Um fato obscuro de seu passado revela a razão de ter aproximado o casal.
Pansy Osmond: filha de Gilbert Osmond, não se sabe exatamente quem é a mãe da garota. Doce e submissa, ela, porém, se recusa a casar com qualquer um dos pretendentes que seu pai indica, pois já está apaixonada.
Caspar Goodwood: é amigo de Isabel desde a infância e seu primeiro pretendente.
Lord Warburton: amigo de Ralph Touchett, ele é um abastado jovem senhor de terras. Ele se interessa por Isabel até ser rejeitado. Contudo, continua mantendo contato com ela.

Adaptações de O Retrato de Uma Senhora
O Retrato de uma Senhora foi adaptado algumas vezes para teatro e cinema. A última adaptação de maior sucesso – intitulada Retrato de uma Mulher – trouxe no elenco Nicole Kidmann, John Malkovich, Viggo Mortensen e Shelley Duval. Com direção de Jane Campion, o filme foi lançado em 1996.
Artigos Relacionados
A Volta do Parafuso de Henry James
A Inquilina de Wildfell Hall de Anne Brontë
Bibliografia
CAMPANA, Crislaine Aline. A irmã silenciosa: Anne Brontë e a escrita de autoria feminina na Inglaterra do início do século XIX. Trabalho de conclusão de curso. Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2017. p. 41. Disponível no academia.edu da autora.
DA SILVA MELLO, L. L. “O Historiador das Consciências Delicadas”: Ficção, Realidade e Ética na obra de Henry James. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography. Ouro Preto. n. 16. Dezembro, 2014. p. 75-89. doi: 10.15848/hh.v0i16.84. Aqui.
FESSENBECKER, Patrick. Freedom, Self-Obligation, and Selfhood in Henry James. Nineteenth-Century Literature , Vol. 66, No. 1 (June 2011), pp. 69-95. Disponível no Jstor.
HADELLA, Paul M. Rewriting Misogyny: “The Portrait of a Lady” and the Popular Fiction Debate. American Literary Realism, 1870-1910 , Spring, 1994, Vol. 26, No. 3 (Spring, 1994), pp. 1-11. Disponível no Jstor.
SOHIER, Jacques. “Henry James’s The Portrait of a Lady: The Figure of the Lady Between Surplus Value and Surplus Enjoyment”, Miranda [Online], 11 | 2015, Online since 20 July 2015, connection on 01 November 2023. Aqui.
Referencias
- SOHIER, Jacques. “Henry James’s The Portrait of a Lady: The Figure of the Lady Between Surplus Value and Surplus Enjoyment”, Miranda [Online], 11 | 2015, Online since 20 July 2015, connection on 01 November 2023. Aqui. p.6. ↩︎
- HADELLA, Paul M. Rewriting Misogyny: “The Portrait of a Lady” and the Popular Fiction Debate. American Literary Realism, 1870-1910 , Spring, 1994, Vol. 26, No. 3 (Spring, 1994), pp. 1-11. Disponível no Jstor. p. 2. ↩︎
- CAMPANA, Crislaine Aline. A irmã silenciosa: Anne Brontë e a escrita de autoria feminina na Inglaterra do início do século XIX. Trabalho de conclusão de curso. Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2017. p. 41. ↩︎
- HADELLA, Paul M. Rewriting Misogyny: “The Portrait of a Lady” and
the Popular Fiction Debate. American Literary Realism, 1870-1910 , Spring, 1994, Vol. 26, No. 3 (Spring, 1994), pp. 1-11. Disponível no Jstor. p. 2. ↩︎ - HADELLA, Paul M. Rewriting Misogyny: “The Portrait of a Lady” and the Popular Fiction Debate. American Literary Realism, 1870-1910 , Spring, 1994, Vol. 26, No. 3 (Spring, 1994), pp. 1-11. Disponível no Jstor. p. 2. ↩︎
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- HADELLA, Paul M. Rewriting Misogyny: “The Portrait of a Lady” and the Popular Fiction Debate. American Literary Realism, 1870-1910 , Spring, 1994, Vol. 26, No. 3 (Spring, 1994), pp. 1-11. Disponível no Jstor. p. 2 ↩︎
- DA SILVA MELLO, L. L. “O Historiador das Consciências Delicadas”: Ficção, Realidade e Ética na obra de Henry James. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography. Ouro Preto. n. 16. Dezembro, 2014. p. 75-89. doi: 10.15848/hh.v0i16.84. Aqui. ↩︎
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- HADELLA, Paul M. Rewriting Misogyny: “The Portrait of a Lady” and the Popular Fiction Debate. American Literary Realism, 1870-1910 , Spring, 1994, Vol. 26, No. 3 (Spring, 1994), pp. 1-11. Disponível no Jstor. p. 8. ↩︎
- HADELLA, Paul M. Rewriting Misogyny: “The Portrait of a Lady” and the Popular Fiction Debate. American Literary Realism, 1870-1910 , Spring, 1994, Vol. 26, No. 3 (Spring, 1994), pp. 1-11. Disponível no Jstor. p. 10. ↩︎
- FESSENBECKER, Patrick. Freedom, Self-Obligation, and Selfhood in Henry James. Nineteenth-Century Literature , Vol. 66, No. 1 (June 2011), pp. 69-95. Disponível no Jstor. p.71. ↩︎
- FESSENBECKER, Patrick. Freedom, Self-Obligation, and Selfhood in Henry James. Nineteenth-Century Literature , Vol. 66, No. 1 (June 2011), pp. 69-95. Disponível no Jstor. p. 95 . ↩︎
- SOHIER, Jacques. “Henry James’s The Portrait of a Lady: The Figure of the Lady Between Surplus Value and Surplus Enjoyment”, Miranda [Online], 11 | 2015, Online since 20 July 2015, connection on 01 November 2023. Aqui. p. 29. ↩︎