Til é um livro escrito por José de Alencar em 1871. O enredo trata da vida de Berta, uma pobre jovem que pouco sabe sobre seu próprio passado. Til é um retrato da vida no interior paulista cafeeiro e escravocrata, em que aqueles que não são proprietários resta apenas a escravidão ou destituição.
O enredo é marcadamente influenciado pelo romantismo, principalmente ao retratar a protagonista, mas traz já alguns traços do realismo com seu tom de denúncia da marginalização e exploração, correntes na época. Til é um dos romances que desfrutam de menos destaque de José de Alencar, autor de clássicos como Iracema e Senhora, mas é único em sua coleção de tipos sociais e análise das mazelas de um Brasil imerso em paradoxos.
A escrita de Til – contexto
O romance foi escrito durante as férias de José de Alencar, que era deputado e no mesmo ano da promulgação da lei do Ventre Livre. A obra foi publicada em formato de folhetim no jornal A República, entre 21 de novembro de 1871 e 20 de março de 1872. O próprio autor definiu seu livro como “ligeiro esboço de costumes”.1Em A Guerra dos Mascates, que Alencar publicou dois anos mais tarde, ele voltou a se referir a Til como
“desses livros que se compõem com material próprio, fornecido pela imaginação e pela reminiscência; e que portanto pode-se escrever em viagem, sobre a perna, ou num canto da mesa de jantar“.2

Paula Maciel Barbosa identifica a trama de Til dentro do contexto econômico e político de 1850 e a visão negativa que José de Alencar tinha dele. Se na primeira parte do livro somos apresentados a Luís Galvão e toda a fortuna de sua propriedade, na segunda o leitor é levado de volta ao passado de modo a testemunhar um cenário distinto. O pai de Luís Galvão, ainda vivo, possui uma pequena propriedade, assim como o marido de Nhá Tudinha e muitos outros.
Desenvolvimentos ligados à Lei de Terras de 1850, que trouxe um maior controle e burocratização ao acesso de terras públicas, prejudicou pequenos proprietários, muitos dos quais foram levados à expropriação ou não-acesso, enquanto promoveu o acúmulo agrário entre os que possuíam mais recursos. Não à toa, no começo do livro, vemos Luís Galvão já adulto, desfrutando de uma fazenda muito maior que aquela que herdou de seu pai – nisso ele também fora beneficiado por sua própria educação e energia além do dote e contatos da família de sua esposa – enquanto os outros pequenos fazendeiros desapareceram ou vivem em situação de quase miséria.3
Heroínas romântica, violência e escravidão: características do enredo de Til
Para além das discussões e posicionamentos políticos, Til foi escrito na época de transição entre os estilos Romântico e Naturalista. José de Alencar fora talvez o maior representante da escola Romântica brasileira e mesmo não tendo seguido por completo a nova escola estética – ou seja, se “tornado” um naturalista – pode-se ver traços do estilo nascente em Til. Conforme afirma Araripe Júnior em ensaio sobre José de Alencar:
“O festejo do congos, o samba, a cena em que Berta vê-se perseguida e ameaçada de ser estripada por uma vara de porcos bravios, os perfis de Xico Tinguá e do Suçuarana são traçados por uma mão segura e, quase direi, de um mestre realista. Conhece-se que, no momento, algum livro novo o impressionara, levando-o, pelo estímulo, até superar a sua verdadeira índole de poeta”.4
Berta é o centro de toda a narrativa, ao redor da qual as trajetórias de todos os outros personagens se organizam. Heroína romântica, ela é bela, virtuosa, abnegada e passa por uma série de perigos dos quais é salva por seu protetor, Jão Fera. Pensando na realidade brasileira de fins do século XIX, Paula Barbosa demonstra como José de Alencar dá destaque à realidade paulista da escravidão, concentração de terras e pobreza da população livre em Til.
Dessa maneira, Berta é ainda a personagem responsável, em seu papel de donzela, por negociar e comunicar tais esferas: “como mediadora das contradições dos dois mundos em confronto, a personagem sintetiza todas as tensões que estão em jogo.”5

Vemos essa função da protagonista ao longo de todo livro, mas principalmente em seu cuidado maternal a todas as criaturas renegadas e violentadas que orbitam a fazenda, ela própria, centro da violência institucionalizada da escravidão. Assim, no segundo volume da obra, vemos Berta cuidando de uma pobre galinha que teve os pés roídos por ratos, um burro velho e esquálido, e da velha escrava Zana, totalmente enlouquecida e incapaz de se alimentar.
Hebe Silva, por sua vez, mostra que nas poucas vezes em que a escravidão desponta em Til, a instituição aparece pouco ou nada problematizada. Mais próxima de uma “servidão”, os escravos são mostrados como relativamente autônomos, com liberdades para organizarem suas próprias festividades e intrigas muito mais internas, entre si, do que externas, com os seus senhores.6 A pesquisadora defende que esse retrato da escravidão reflete a própria compreensão de José de Alencar sobre o tema bem como sua atuação política.

Enquanto parlamentar, José de Alencar foi contra a atuação do Estado na regulação da escravidão e defendia uma abolição conforme a decisão dos fazendeiros. Em discurso, o escritor chegou a afirmar:
“Senhores, é um fato reconhecido a moderação e doçura de que se tem revestido sempre, e ainda mais nos últimos tempos, a instituição da escravidão em nosso País“.7
Personagens de Til
Berta: personagem principal do livro e ao longo da leitura descobrimos que ela é também a Til a que se refere o título. Muito bondosa e bem humorada, Berta é amada por todos. Vive um inocente triângulo amoroso entre seu irmão de criação Afonso e o dono do filho da fazenda. Sua relação de certa amizade com Jão Fera guarda o segredo de sua origem familiar.
Jão Fera: é um personagem que mora na mata e amigo de Berta e sua mãe de criação. Famoso em toda região por ser assassino de aluguel e um homem extremamente forte e perigoso, ele também possui um código de honra próprio e forte senso de justiça.
Luís Galvão: dono da Fazenda das Palmas e pai de Afonso e Linda, Luís Galvão é apresentado como um personagem idôneo e honrado apesar de possuir um grande segredo em seu passado.
Miguel: filho de Luís Galvão, ele nutre uma paixão por Berta.
Linda: irmã de Miguel e muito amiga de Berta, a filha do fazendeiro nutre uma paixão por Afonso.
Dona Ermelinda: mãe dedicada de Miguel e Linda e esposa de Luís Galvão. Seu dote bem como contatos tornou possível a expansão da pequena fazenda que o marido recebeu de herança.
Chico Tinguá: dono da venda local e esposo de Nhanica. Ele é amigo de Jão Fera.
Nhá Tudinha: mãe biológica de Afonso, ela adotou Berta ainda bebê.

Recepção e critica de Til
José Veríssimo classificou Til em 1912, junto com outras obras como O Tronco do Ipê, O Gaúcho e O Sertanejo, como “romance da vida mestiça brasileira”.8 Posteriormente, Antônio Candido classifica Til junto com O Tronco do Ipê como romances fazendeiros inaugurais nos quais “a descrição da vida rural [aparece] já marcada pelas influências urbanas”.9
É significativa a compreensão de Til que apareceu em 1951 em uma edição das obras de José de Alencar da Editora Aguilar “Na família contraditória, excessiva, mas, afinal fascinante, que são os romances de José de Alencar, Til desempenha o ofício quase dispensável de parente pobre“.10 Comparado a outros livros de José de Alencar como Iracema, O Guarani e Senhora, Til desfruta de poucos estudos dedicados exclusivamente a ele.
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Bibliografia sobre Til de José de Alencar
BARBOSA, P. M. O Idílio Degradado: um Estudo do Romance Til de José de Alencar. Tese de Doutorado. São Paulo. 2012.
SILVA, Hebe Cristina. Imagens da Escravidão – um Leitura de Escritos Políticos e Ficcionais de José de Alencar. Sínteses – Revista dos Cursos de Pós-Graduação. Vol. 10. p. 563-575. 2005.
Referências
- BARBOSA, P. M. O Idílio Degradado: um Estudo do Romance Til de José de Alencar. Tese de Doutorado. São Paulo. 2012. p. 2. ↩︎
- BARBOSA, P. M. O Idílio Degradado: um Estudo do Romance Til de José de Alencar. Tese de Doutorado. São Paulo. 2012. p. 3. ↩︎
- BARBOSA, P. M. O Idílio Degradado: um Estudo do Romance Til de José de Alencar. Tese de Doutorado. São Paulo. 2012. p. 23 e todo o item 2.1 – “O político José de Alencar”. ↩︎
- BARBOSA, P. M. O Idílio Degradado: um Estudo do Romance Til de José de Alencar. Tese de Doutorado. São Paulo. 2012. p. 42. ↩︎
- BARBOSA, P. M. O Idílio Degradado: um Estudo do Romance Til de José de Alencar. Tese de Doutorado. São Paulo. 2012. p. 60. ↩︎
- SILVA, Hebe Cristina. Imagens da Escravidão – um Leitura de Escritos Politicos e Ficcionais de José de Alencar. Sínteses – Revista dos Cursos de Pós-Graduação. Vol. 10. p. 563-575. 2005. p. 572. ↩︎
- SILVA, Hebe Cristina. Imagens da Escravidão – um Leitura de Escritos Politicos e Ficcionais de José de Alencar. Sínteses – Revista dos Cursos de Pós-Graduação. Vol. 10. p. 563-575. 2005. p. 566. ↩︎
- BARBOSA, P. M. O Idílio Degradado: um Estudo do Romance Til de José de Alencar. Tese de Doutorado. São Paulo. 2012. p. 4. ↩︎
- BARBOSA, P. M. O Idílio Degradado: um Estudo do Romance Til de José de Alencar. Tese de Doutorado. São Paulo. 2012. p. 4. ↩︎
- BARBOSA, P. M. (2015). A fazenda assombrada: figurações da escravidão no romance Til, de José de Alencar. Revista Do Instituto De Estudos Brasileiros, (60), 55-76. p. 57. ↩︎