Tooro Nagashi de Registro

O Tooro Nagashi de Registro é um festival de origem japonesa que ocorre anualmente na cidade paulista de Registro. Celebrado no Dia de Finados, 2 de novembro, o Tooro Nagashi atualmente envolve a tradicional soltura de barquinhos de velas acesas e outras cerimônias que contam com a participação de lideranças religiosas diversas. 

Tooro Nagashi é uma cerimônia de origem japonesa de homenagem aos mortos. Os tooros são pequenos barcos feitos de pedaços de madeira e papel seda que portam, em seu interior, uma vela acesa. Lançados em rios, acredita-se que a luz da vela dos tooros sirva de guia e ilumine a alma dos falecidos.   

Para além de ritos ecumênicos, o Tooro Nagashi de Registro também reúne feira gastronômica, barraquinhas de souvernirs e outros produtos, além de atrações culturais de música e dança.


Tooros acesos durante o Tooro Nagashi de Registro (SP).
Tooros acesos antes de serem colocados no rio Ribeira. Foto de Wagner Assanuma. Fonte: SOARES FLORES (2021).

O-bon: Origem e significado do Tooro Nagashi

O Tooro Nagashi está relacionado à cerimônia de homenagem aos mortos chamada Urabon-e, conhecida por sua abreviação O-bon. O O-bon ocorre entre os dias 13 e 15 de junho no Japão. De origem budista, o O-bon inicia-se com a ida de familiares aos cemitérios em que seus ancestrais e outros parentes estejam.

Ali, há a queima de incenso na sepultura da família. Os visitantes então retornam aos seus lares portando lanternas de papel típicas. Acredita-se que o espírito dos mortos acompanhe os vivos nesse retorno ao lar e, uma vez ali, a esteira é posta na frente do altar da família (botsudan) e pequenas oferendas de doces e outros artigos são colocados. 

De maneira similar aos Dias de los Muertos no México, uma mesa com as comidas preferidas dos entes falecidos é disposta. A crença é de que o espírito daqueles que já se foram partilham desse momento junto aos vivos. Além disso, como resume o teólogo e pesquisador Josué Flores, um sacerdote budista é chamado para entoar sutras aos mortos.1 

No dia 15, são feitos os chamados “bolinhos de arroz da despedida” e pequenas “fogueiras de despedida” são acesas perto da porta das casas. Essa iluminação sinaliza o caminho de saída dos espíritos que, a partir desse momento, devem retornar aos Meido (Mundo Celestial da Escuridão). Há, então, a soltura de pequenos barquinhos: 

“Durante a noite, os artigos sagrados usados são colocados, por um membro da família, em um pequeno barco de palha (uma pequena lanterna acesa por vela na proa, e, incenso queimando na popa), que flutua em um riacho ou é lançado no mar – ambos os modos servem como um meio de confortar aqueles que não têm sepultura, mas o leito do rio ou do oceano.”2 

A história do Tooro Nagashi de Registro (SP)

O Tooro Nagashi teve início em Registro, sul do estado de São Paulo, dentro da comunidade de japoneses e seus descendentes residentes na cidade. Segundo, Masayuki Fukasawa , os primeiros tooros foram lançados em uma cerimônia privada ocorrida na cidade de Sete Barras, próxima a Registro.

Ali, Nobuyoshi Sassai, cujo pai Sekizo Sassai possuía uma hospedaria, lançou um tooro, em 1949, no rio Ribeira, em homenagem a um hóspede. Seu nome era Keitaro Imanishi, originário da cidade de Araçatuba, que havia se suicidado naquele rio no mês de outubro.3

A cerimonia saiu do âmbito privado e passou ao comunitário quando, anos depois, em 1954, o sacerdote Emyo Ishimoto, da seita budista Nichiren-shu, passou a conduzir a cerimônia. Ishimoto veio para o Brasil em 1957, acompanhado de sua esposa Myoho (também sacerdotisa do Nichiren-shu), enviado por seu templo Hongyouji da cidade de Takefu (província de Fukui).4

Sacerdotisa Myoho Ishimoto durante cerimônia budista do Tooro Nagashi de Registro
Sacerdotisa Myoho Ishimoto durante cerimônia budista do Tooro Nagashi. Fonte: artigo com uma curta biografia da senhora Myoho em Oriente-se.

Com o sacerdote Ishimoto, cerca de 7 velas começaram a ser lançadas na cerimônia do Tooro Nagashi, “representando as sete letras do mantra que exprimem um dos três grandes ensinamentos do budismo Nichiren-shu”5, sendo uma delas também dedicada a Keitaro Imanishi.6 A sacerdotisa Myoho, nascida no Brasil, Emyo enquanto ambos estudavam em diferentes lugares da Universidade Risshô, instituição de ensino budista. Segundo ela: 

A ideia de cultuar a partir da ciência da perda de muitas vidas preciosas por afogamento. No começo, as primeiras sete lanternas lançadas no rio foram preparadas em São Paulo e levadas até lá. Sabíamos como proceder, pois já praticávamos no templo do Japão.”7

Em 1956, ergueu-se um monumento em homenagem às vítimas de afogamento no Rio Ribeira. Naquela época, a ponte sobre o rio Ribeira de Iguape ainda não havia sido construída, de modo que mortes no rio não foram incomuns, antes e depois do falecimento do senhor Imanishi. Josué Fontes anexou à sua dissertação de mestrado duas fotos as quais trazem fortes indícios de serem da inauguração do monumento.

Fotos da inauguração (?) do monumento em homenagem às vitimas de afogamento no rio Ribeira. Fonte: SOARES FLORES (2021).

Entre 1956 e 1999, o Tooro Nagashi em Registro envolvia a celebração do ritual budista Nichiren-shu em frente ao monumento, o lançamento dos tooros e também a distribuição de para as crianças ali presentes. A partir do fim da década de 1990, no entanto, o Tooro Nagashi se tornou um evento público, contando com a presença de autoridades de outras religiões, bem como a estrutura de barraquinhas de comidas e apresentações culturais.

A partir do ano de 1999, o Tooro Nagashi se institucionalizou de modo que sua celebração se tornou um evento aberto multi-religioso. Conforme as palavras de Toshiaki Yamamura, ex-presidente do Bunkyo de Registro, em entrevista de 2019 para Josué Flores, autor da dissertação de mestrado Tooro Nagashi: Memórias que Flutuam:

“Barquinho era 200, 250 barquinhos. Não tinha nada, não tinha venda de comida. Não tinha nada. Era soltar 250 e distribuir a bala e pronto. Isso ficou assim até 1999. Quando, no ano 2000, quando eu peguei, eu vou mudar esse negócio. Porque religião era também só Nichiren Shū. Outra religião não podia. Eu falei, olha eu vou mudar esse negócio, né. Eu vou mudar, pra ser assim uma missa ecumênica, que toda religião pudesse…”8

Celebrando o Tooro Nagashi em Registro

O Tooro Nagashi de Registro atualmente envolve duas outras cerimônias. A primeira delas é um encontro inter-religioso no chamado Santuário das Almas no Cemitério da Saudade. Ali, um pequeno altar (botsudan) porta tabuletas com o nome de falecidos (ihai) cujas sepulturas jazem abandonadas ou negligenciadas. O espaço foi erigido pelo Bunkyo (Associação Cultural Nipo-Brasileira) de Registro durante a presidência de Yoneko Seimaru. Na cerimônia que ocorre no Santuário estão presentes representantes de religiões para além do budismo, como a Igreja Católica, Seicho-No-Ie e Sokkogakkai, as igrejas Episcopal e Messiânica e outras.  

Monumento dedicados às vitimas de afogamento do Rio Ribeira, em Registro.
Monumento dedicado às vitimas de afogamento no rio Ribeira acompanhando de altar montado durante o festival Tooro Nagashi. Foto de Wagner Assanuma. Fonte: SOARES FLORES (2021).

Após isso, há ainda uma cerimônia na margem da rodovia BR-116 coordenada pela Seicho-No-Ie, em memória das vítimas de acidentes no local. Segundo Josué Flores, o convite para esse pequeno evento também é estendido aos líderes de outros credos. Um pequeno altar montado à beira da rodovia, onde um líder da Seicho-No-Ie local, o senhor Toraju Endo, proclama sutras. Para além disso, há ainda palavras de evocação, cujo objetivo é a iluminação das almas vitimadas em acidentes que possam ainda estar presas àquele local. Citamos um trecho da evocação: 

“[…] Respeitosamente rogamos às almas de todas as vítimas fatais de acidentes ocorridos na Rodovia BR116, para que compareçam a este local, diante de Deus, que dá vida a todos os seres viventes, […], a fim de consagrar-lhes orações com a leitura da sutra sagrada Chuva de Néctar da Verdade. Assim, venham e recebam as palavras da Verdade.”9

Sobre esses diversos ritos que ocorrem nos dias de celebração do Tooro Nagashi de Registro, Josué Flores Soares afirmou em seu estudo: A liturgia Seicho-No-Ie à beira da BR-116, no cruzamento entre Rio e Estrada, é de certa forma, um espelhamento do que ocorre no cemitério: 

“[…] rezar pelas almas de estranhos falecidos na estrada. Convidá-los a participar espiritualmente da cerimônia e iluminá-los com a leitura da Sutra, a fim de que continuem suas trajetórias. Finalmente a cerimônia budista que, purifica o rio como quem limpa o caminho para que os espíritos passem, e oferenda tooros para cada família ou ente num espetáculo de gratidão na despedida das almas que vieram participar da festa com seus descendentes vivos. Orar pelos falecidos é tangenciar o inefável através da memória, é tocar na eternidade com o olhar nas luzes.10

Yamamura também afirmou na ocasião que foi durante sua administração que se iniciou um rito de limpeza das águas do rio Ribeira, antes do início da cerimônia em frente ao monumento às almas dos afogados no rio Ribeira. No entardecer do dia 02 de novembro, diversas lideranças religiosas se reúnem em frente ao monumento, na praça Beira-Rio, acompanhadas de autoridades políticas (como o prefeito de Registro e outras), habitantes da cidade de Registro e turistas ali presentes. 

Limpeza ritual das aguas do rio Ribeira de Iguape durante o Tooro Nagashi.
Limpeza ritual das águas do rio Ribeira de Iguape durante o Tooro Nagashi. Foto de Wagner Assanuma. Fonte: SOARES FLORES (2021)

Inicia-se então a chamada missa ecumênica, na qual a monja budista Myoho Ishimoto declama os sutras da cerimônia. Incenso é queimado durante todo o tempo bem como há o acompanhamento de flauta típica japonesa. Ao final, os líderes das outras denominações são convidados a uma breve declaração no qual costumam oferecer mensagens de consolo e desejos pela paz.  

Atualmente, o Tooro Nagashi de Registro engloba os eventos religiosos e as atrações de um festival. No contexto como o do Dia dos Mortos, no qual grande parte das pessoas prefere visitas a cemitérios (ou igrejas) e orações, a ocorrência de uma festa pode parecer alheia aos hábitos brasileiros, algo surpreendente. Sobre essa impressão, o presidente do Bunkyo de Registro, Rubens Takeshi Shimizu, afirmou em entrevista: 

“É, então a gente, a gente também estranhava né, porque eu sou brasileiro. A gente estranhava tudo mas a medida que a gente vai vivendo e vai ouvindo as explicações, tem um sentido, que, nesse dia, se orava pela alma dos antepassados né, e nesse dia diz que então, a alma tá ali então vamos festejar que ele veio visitar a gente, então festejar, vamos fazer um ambiente mais alegre, mais cordial, esse é o sentido. Não ficar triste, rezando, rezando, quer dizer, não isso mas, conviver mais harmoniosamente. Assim que eles (os monjes) explicam.”11

Tooros no rio Ribeira em Registro
Tooros no rio Ribeira. Foto de Wagner Assanuma. Fonte: SOARES FLORES (2021).
Tooro Nagashi de Registro, um evento cultural

Os interessados em oferecer um tooro a um ente querido falecido, devem providenciar a compra junto ao evento antes da cerimônia de soltura dos barquinhos. Em um balcão reservado a isso, você pode adquirir um tooro e escrever o nome da pessoa tanto em português ou pedir para um dos atendentes fazê-lo em japonês. No Tooro Nagashi de Registro do ano de 2024, o tooro custava R$35,00.12

Ao longo dos seus dois dias de duração, o Tooro Nagashi de Registro reúne uma série de atrações. Há apresentações de tambores tradicionais (taiko), dança do dragão, matsuri dance e também da chamada Bon Odori, dança que ocorre tipicamente no dia de homenagem aos mortos, O-bon, que tratamos anteriormente. As edições do Tooro Nagashi de Registro já contaram com a participação de cantores como Joe Hirata, Karen Ito e bandas como a Sankyo e de música folclórica japonesa. 

Apresentação de Taiko no Tooro Nagashi de Registro.
Apresentação de Taiko no 69º Tooro Nagashi de Registro. Fonte: Prefeitura de Registro

As barraquinhas de comida oferecem uma grande diversidade de comida japonesa e orientais no geral tais como bentôs, onigiris, yakisobas, mochi, etc. Por outro lado, há também opções como churrasco, doces portugueses, comida típica alemã, e muitas outras.

Os interessados em participar do Tooro Nagashi de Registro podem conferir a agenda de atrações nos canais oficiais da cidade e do evento: no site da prefeitura de Registro, no perfil Instagram do Sesc de Registro e do Bunkyo de Registro. 

Tooro Nagashi de Registro
Tooro Nagashi de Registro. Fonte: Prefeitura de Registro.

Artigos Relacionados

O Día de los Muertos no México

Bibliografia sobre o Tooro Nagashi de Registro

HIGASHI, Fabiane Mari Alves. O Patrimônio Histórico-Cultural da Imigração Japonesa em Registro-SP: Possibilidades de Utilização Turística. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ponta Grossa. 2008. Aqui.

FLORES, Josué Soares. Tooro Nagashi: Memórias que Flutuam. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2021. Disponível aqui

FUKASAWA, Masayuki. Se o grão de arroz não morre: Colônias de imigrantes japoneses – desvendando onde e como tudo começou. São Paulo: Nikkey Shimbun/Associação Cultural Nipo Brasileira de Registro/Federação das Entidades Nikkeys do Vale do Ribeira, trad. Asucena Hisako Nakagomi, 1ª ed., 2018.

SOARES FLORES, J. O Tooro Nagashi no município de Registro (SP): memória e (r)existência étnica. Sacrilegens[S. l.], v. 18, n. 2, p. p. 308–331, 2022. DOI: 10.34019/2237-6151.2021.v18.35898. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/sacrilegens/article/view/35898. Acesso em: 16 jan. 2025.

Referências

  1. SOARES FLORES, J. O Tooro Nagashi no município de Registro (SP): memória e (r)existência étnica. Sacrilegens[S. l.], v. 18, n. 2, p. p. 308–331, 2022. DOI: 10.34019/2237-6151.2021.v18.35898. p. 317. ↩︎
  2. SOARES FLORES, J. O Tooro Nagashi no município de Registro (SP): memória e (r)existência étnica. Sacrilegens[S. l.], v. 18, n. 2, p. p. 308–331, 2022. DOI: 10.34019/2237-6151.2021.v18.35898. p. 318. ↩︎
  3. FUKASAWA, Masayuki. Se o grão de arroz não morre: Colônias de imigrantes japoneses – desvendando onde e como tudo começou. São Paulo: Nikkey Shimbun/Associação Cultural Nipo Brasileira de Registro/Federação das Entidades Nikkeys do Vale do Ribeira, trad. Asucena Hisako Nakagomi, 1ª ed., 2018. p. 340. ↩︎
  4. FUKASAWA, Masayuki. Se o grão de arroz não morre: Colônias de imigrantes japoneses – desvendando onde e como tudo começou. São Paulo: Nikkey Shimbun/Associação Cultural Nipo Brasileira de Registro/Federação das Entidades Nikkeys do Vale do Ribeira, trad. Asucena Hisako Nakagomi, 1ª ed., 2018. p. 340. ↩︎
  5. FUKASAWA, Masayuki. Se o grão de arroz não morre: Colônias de imigrantes japoneses – desvendando onde e como tudo começou. São Paulo: Nikkey Shimbun/Associação Cultural Nipo Brasileira de Registro/Federação das Entidades Nikkeys do Vale do Ribeira, trad. Asucena Hisako Nakagomi, 1ª ed., 2018. p. 341. ↩︎
  6. FUKASAWA, Masayuki. Se o grão de arroz não morre: Colônias de imigrantes japoneses – desvendando onde e como tudo começou. São Paulo: Nikkey Shimbun/Associação Cultural Nipo Brasileira de Registro/Federação das Entidades Nikkeys do Vale do Ribeira, trad. Asucena Hisako Nakagomi, 1ª ed., 2018. p. 341. ↩︎
  7. FUKASAWA, Masayuki. Se o grão de arroz não morre: Colônias de imigrantes japoneses – desvendando onde e como tudo começou. São Paulo: Nikkey Shimbun/Associação Cultural Nipo Brasileira de Registro/Federação das Entidades Nikkeys do Vale do Ribeira, trad. Asucena Hisako Nakagomi, 1ª ed., 2018. p. 341. ↩︎
  8. FLORES, Josué Soares. Tooro Nagashi: Memórias que Flutuam. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2021. p. 118. ↩︎
  9. FLORES, Josué Soares. Tooro Nagashi: Memórias que Flutuam. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2021. p. 111. ↩︎
  10. FLORES, Josué Soares. Tooro Nagashi: Memórias que Flutuam. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2021. p. 99. ↩︎
  11. FLORES, Josué Soares. Tooro Nagashi: Memórias que Flutuam. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2021. p. 92. ↩︎
  12. Portal Nikkeyweb em divulgação do Tooro Nagashi de 2024. ↩︎
Data: 1 e 2 de novembro

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