A Aia de Eça de Queirós

A Aia de Eça de Queirós é um conto escrito pelo autor português em 1893. Destoando de sua produção realista, que escrutiniza as mazelas e hipocrisias da sociedade portuguesa como Primo Basílio e Os Maias exemplificam, A Aia é descreve as desventuras de uma serviçal que acaba por salvar a vida do príncipe, ainda bebe, a quem serve como ama de leite. 

A Aia faz compõe um conjunto de contos que Eça de Queirós produziu nos últimos dez anos de sua vida e que compartilham o cenário da Idade Media, o sobrenatural ou religião cristã e surpresas de enredo. 


Quadro Inês de Castro Pressentindo os Assassinos de Francisco Metrass usado como ilustração para A Aia de Eça de Queirós
Inês de Castro Pressentindo os Assassinos de Francisco Metrass. Fonte: wikipedia.

O Contexto de produção de A Aia de Eça de Queirós

Famoso por seus livros que destrincham as mazelas da sociedade burguesa de Portugal, Eça de Queirós foi uma das lideranças do realismo literário. Obras suas como O Crime do Padre Amaro, Primo Basílio e Os maias tratam e criticam de questões como a hipocrisia, o adultério e a influencia da igreja católica.

No entanto, nos últimos dez anos de produção literária, Eça de Queirós pareceu deu uma guinada ao se dedicar a narrativas passadas na idade média e de tom explicitamente gótico. A Aia é um desses contos.

A Aia de Eça de Queirós foi publicado em 3 de abril de 1893, na Gazeta de Noticias do Rio de Janeiro. Originalmente seu título era Tema para versos e só recebeu o nome de A Aia em 1902 quando Luís de Magalhães organizou o volume Contos do autor português. 1

Elementos do enredo de A Aia de Eça de Queirós

Contos como A Aia, O Defunto, O Tesouro e Engelbert de Eça de Queirós tem em comum sua ambientação em um passado medieval. Para além disso, há ainda uma serie de outros elementos, que lhes qualificam também como contos góticos. São eles, conforme explica Xênia Matos citando Maria Leonor Sousa “[…] o sobrenatural, os assassinatos e as traições.”2  

Em busca de uma explicação para essa escolha por um modelo narrativo tão diverso, Matos aponta para analise de Maria do Carmo Sequeira, que qualifica os contos góticos de Eça como uma certa rebelião contra o próprio realismo:

“Essa incursão no gótico, como, de uma maneira geral, noutras dimensões fantásticas, parece corresponder a um gesto de rebelião, fracturando, mesmo que ironicamente, a superfície de um realismo aparentemente aceite e quebrando uma certa forma de conhecimento que o naturalismo, euforicamente, tinha instituído.”3

Para El Fahl, A Aia de Eça de Queirós condensa em si uma serie de outras narrativas que possuem em comum o auto sacrifício. Desde a antiguidade, com o mito de Ifigênia, passando pelo antigo testamento com o pedido de deus a Abraão para que sacrificasse seu filho Isaque.4 

A Aia se conecta com essa corrente de personagens que ofereceram a si mesmo ou seus filhos em sacrifício. Na própria historia de Portugal, El Fahl cita o exemplo de Inês de Castro cuja morte foi necessária para que a autonomia e unidade de Portugal fosse mantida.5 

Alana El Fahl lança mão da analise de Carlos Reis para demonstrar a ligação, geral, da obra de ficção de Eça de Queirós e o discurso histórico: 

“Em diálogo com vozes qualificadas de sua geração e refletindo reiteradamente, em textos de propensão doutrinária, sobre o passado, sobre a historiografia que o representa e sobre os valores que ele envolve, Eça de Queirós projetou, algum dos seus romances mais importantes, a consciência nítida de que todo o discurso ficcional é também uma forma superior de enunciação do discurso da História.”6 

A aia, que troca coloca seu filho no lugar do do príncipe, e assim salva seu soberano da morte e mantém a integridade do reino, retoma o tema da renúncia em prol do bem geral e maior. Além disso, o conto também traz um elemento de critica à sociedade portuguesa, pois exalta a lealdade de uma humilde serva.

Para isso, seu estudo cita Henriqueta Gonçalves e Maria Monteiro as quais afirmaram em Introdução à Leitura de Contos de Eça de Queirós: “Tema para versos faz a condenação da ambição desmesurada e exalta a fidelidade, através da utilização de um tempo passado, longínquo, mas conferidor de certa autenticidade.7 

O desenlace do conto, porém, previne uma leitura direta e unívoca do conto. Após a morte do filho em lugar do príncipe e a derrota do vilão, à pobre mulher é oferecida escolha de um presente como recompensa. Ela, por sua vez, de um quarto cheio de tesouros, escolhe uma rica adaga com a qual se suicida para, conforme diz, ir cuidar de seu filho na outra vida.  

Em artigo sobre alguns contos de Eça, Xênia Matos cita o trabalho de Maria João Simões em sua analise da surpreendente morte da aia: “gestos extremos, paroxísticos, criam o clima necessário ao conto, mantendo o leitor suspenso, perplexo e surpreso8 

Alana El Fahl destaca ainda que o suicídio da personagem se configura como um forte questionamento da hierarquia social: ” Todavia, considerada a eleição da forma tradicional como parte da estratégia irônica, a reverencia à lealdade revela-se numa critica feroz à servidão”9 

Personagens de A Aia de Eça de Queirós

O rei: apresentado como o típico herói, o rei, valente, é morto em batalha deixando a rainha e o príncipe herdeiro vulneráveis.

A rainha: mãe do príncipe herdeiro, a rainha se vê cercada de inimigos cujo líder é irmão de seu marido, o frio, usurpador e violento tio do príncipe.

O príncipe: um bebê indefeso que é amamentado por uma aia. 

O tio: irmão bastardo do rei, ele tenta um golpe contra o sobrinho ainda bebê

A Aia: uma simples serviçal incumbida de amamentar o príncipe herdeiro. Sua coragem garante a continuidade do reino.

Bibliografia sobre A Aia de Eça de Queirós

FAHL, Alana de Oliveira Freitas El. Singularidades Narrativas: uma leitura dos contos de Eça de Queiroz. 2009. 144 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. 

MATOS, Xênia Amaral. Eça de Queirós contista: o gótico nas narrativas “A aia”, “O tesouro” e “O defunto”. em Tese, Belo Horizonte, v. 25, n. 1, p. 210-222, jan. 2019. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/emtese/index

QUEIRÓS, Eça. Contos escolhidos. Prefácio de Maria Filomena Mónica. Lisboa: Relógio D’Água, 2004.

REIS, C.; FAHL, A. de O. F. E. Eça de Queirós e o canto das fontes orais: uma leitura de “A aia” e “O tesouro”. Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica, [S. l.], v. 9, n. 24, p. e1197, 2024. DOI: 10.31892/rbpab2525-426X.2024.v9.n24.e1197. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/rbpab/article/view/20027.

SILVA, Débora Tatiane Resende. NATIVIDADE, Jessíca Loirane. A Aia, de Eça de Queirós, quase um conto de fadas. Revista Crátilo, 10(1): 01- 09, ago. 2017© Centro Universitário de Patos de Minas. Disponível em: https://revistas.unipam.edu.br/index.php/cratilo/article/view/3871/1426

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Referências

  1. FAHL, Alana de Oliveira Freitas El. Singularidades Narrativas: uma leitura dos contos de Eça de Queiroz. 2009. 144 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. p. 69. ↩︎
  2. SOUSA, Maria Leonor Machado de. O “horror” na literatura portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1979. p. 67 apud MATOS, Xênia Amaral. Eça de Queirós contista: o gótico nas narrativas “A aia”, “O tesouro” e “O defunto”. em Tese, Belo Horizonte, v. 25, n. 1, p. 210-222, jan. 2019. p. 212. ↩︎
  3. SEQUEIRA, Maria do Carmo Castelo Branco. A dimensão fantástica na obra de Eça de Queirós. Porto: Campo das Letras, 2002. p. 258 apud MATOS, Xênia Amaral. Eça de Queirós contista: o gótico nas narrativas “A aia”, “O tesouro” e “O defunto”. em Tese, Belo Horizonte, v. 25, n. 1, p. 210-222, jan. 2019. p. 212. ↩︎
  4. FAHL, Alana de Oliveira Freitas El. Singularidades Narrativas: uma leitura dos contos de Eça de Queiroz. 2009. 144 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. p. 72. ↩︎
  5. FAHL, Alana de Oliveira Freitas El. Singularidades Narrativas: uma leitura dos contos de Eça de Queiroz. 2009. 144 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. p. 74. ↩︎
  6. REIS, Carlos. estudos queirosianos – Ensaios sobre Eça de Queirós e a sua obra. Editorial Presença: Lisboa, 1999, p. 80 FAHL, Alana de Oliveira Freitas El. Singularidades Narrativas: uma leitura dos contos de Eça de Queiroz. 2009. 144 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. p. 104.  ↩︎
  7. GONÇALVES, Henrqueta Maria. A e MONTEIRO, Maria Assunção M. Introdução à Leitrura de Contos de Eça de Queirós. Coimbra: ED. Almedina, 2001, p. 20.  FAHL, Alana de Oliveira Freitas El. Singularidades Narrativas: uma leitura dos contos de Eça de Queiroz. 2009. 144 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009,  p. 78. ↩︎
  8. SIMÕES, Maria João. Conto e composição narrativa: aspectos compositivos do conto Queirosiano. In: JESUS, Maria Saraiva de. (Coord.). Rumos da narrativa breve. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2003. p. 21-33. MATOS, Xênia Amaral. Eça de Queirós contista: o gótico nas narrativas “A aia”, “O tesouro” e “O defunto”. em Tese, Belo Horizonte, v. 25, n. 1, p. 210-222, jan. 2019. p. 218. ↩︎
  9. FAHL, Alana de Oliveira Freitas El. Singularidades Narrativas: uma leitura dos contos de Eça de Queiroz. 2009. 144 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. p. 78 . ↩︎
Data: 1893
Gênero: Fantasia
Obras anteriores: Os Maias, Primo Basílio
Origem: Portugal
Autor: Eça de Queirós

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