Quem foi Gunther Gerzso?
Gunther Gerzso foi um pintor, cenógrafo e diretor artístico de teatro e cinema mexicano. Nascido em 1915, Gerzso participou na montagem de dezenas de peças ao longo de sua carreira. Ele também nutriu relações estreitas com um dos grupos de artistas refugiados no México durante a segunda guerra.
Uma de suas telas mais famosas, Os dias na rua Gabino Barreda, ilustra justamente esse círculo de amizades e marca a associação, mesmo que parcial, de Gerzso com o movimento surrealista. Ele faleceu em 21 de abril de 2000 na capital mexicana. ___________________________________________________________________________________________
Gunther Gerzso foi filho de Oscar Gunther, relojoeiro de origem húngara, e Dore Wendland, pianista e cantora alemã. Seu pai faleceu quando Gerzso tinha apenas 6 anos de idade e sua mãe se casou novamente, agora com um joalheiro alemão chamado Ludwig Diener.
Sua joalheria era uma das mais célebres de seu tempo e o tornou próspero. Diener junto com a sua esposa Dore, costumavam dar festas e jantares para parentes, amigos e clientes. Um dos habitués de tais encontros era Guillermo Kahlo, fotógrafo e pai de Frida Kahlo.1

A família se mudou para a Europa em 1922, onde permaneceram até 1924. Após Dore Wendland se divorciar de seu segundo marido, Gunther vai viver com seu tio materno Hans Wendland em Lugano, Suiça. Historiador e negociador de arte, Hans forneceria o primeiro contato de Gunther com obras de Cézanne, Rembrandt e Titien. Hans era ainda discípulo de Heinrich Wölfflin, famoso historiador da arte suíço. Gunther viveu parte de sua vida com o tio e parte em um colégio interno em Lausanne.
Entre compradores, outros marchand, historiadores e artistas, Gerzso chegou a conhecer Paul Klee e o design de cenário Tamberlani, que encorajou o jovem a fazer seus primeiros cenários.2Com a grande depressão iniciada em 1929, Wendland vendeu sua coleção e sua propriedade enquanto Gunther voltou a viver com sua mãe no México. Com o início da Segunda Guerra e a invasão nazistas, Wendland prestou consultas com membros do partido, entre eles Herman Goering.
De volta à terra natal, Gunther, então com 16 anos, estudou no Colegio Alemán. Ele iniciou então seus estudos artísticos durante os quais desenhou seus primeiros cenários e chegou a escrever peças. Após se formar, Gerzso, por intermédio de Arch Lauterer que viajava pelo México, continuou a desenvolver suas habilidades na Cleveland Play House. Ali, o artista passou de estudante assistente para designer e foi responsável pelo cenário de mais de cinquenta produções.3
Ainda em Cleveland, Gerzso começou a pintar e expor. Em 1940, ele participa da exposição anual do Cleveland Art Museum e sua tela Salomé alcança o terceiro lugar.4 Nessa época, o pintor costumava passar as férias de verão no México e nessas ocasiões acabou conhecendo – e colecionando o trabalho de – pintores mexicanos como Carlos Orozco Romero e Manuel Rodriguez Lozano.

Amizade de Gunther Gerzso com artistas exilados e Os Dias na Rua Gabino Barreda
Em 1941, ele se instala com sua esposa Rilla Gene Cady na capital mexicana, em San Angel, e passa a se dedicar à pintura. Depois de um primeiro ano de dificuldades financeiras, ele retorna aos Estados Unidos, e retoma seu trabalho no design de cenários de peças. Seu projeto para a adaptação em solo norte americano da peça mexicana Santa lhe garante retorno financeiro e reconhecimento. Entre as décadas de 1940 e 1960, Gunther se envolveu na produção de mais de 150 sets de filmes mexicanos, americanos e franceses.5
Ele trabalhou com diretores como Luis Buñuel, John Ford, John Huston e Yves Allegret.6 Os trabalhos para o teatro e o cinema não fizeram o interesse de Gerzso pela pintura desaparecer. Entre projetos e viagens, o artistas se dedicou ao aprimoramento de sua técnica com colegas de ofício como Júlio Castellanos e Otto Butterlin.
Especialmente durante os primeiros anos da década de 1940, Gerzso se aproxima do grupo de artistas que havia chegado na cidade do México em decorrência da Segunda Guerra Mundial. Nomes como Wolfgang Paalen, Alice Rahon, Leonora Carrington, Kati Horna, Benjamin Péret e Remedios Varo se tornam colegas e amigos de Gunther Gerzso.
O contato com o grupo, cujos membros em sua maioria eram surrealistas, influenciam o estilo de Gerzso. Sua tela El descuartizado aparece na revista VVV editada por André Breton. Seu trabalho Paricutín, que retrata a erupção vulcânica ocorrida em 1943, também tem fortes traços do surrealismo.
Sua amizade com esse grupo foi eternizada na tela O Dia na Rua Gabino Barreda, na qual Gunther Gerzso retrata Péret, Leonora Carrington e Remedios Varo conforme suas personalidades em uma atmosfera onírica e carregada de tons. Ainda na década de 40 o interesse de Gunther Gerzso pelas antigas civilizações do território mexicano se aprofunda e ele começa a colecionar arte pré-colombiana. Sua tela El senor del viento, que retrata a divindade Quetzalcoatl, é feita nesse contexto.

Em 1951, ocorre a primeira exposição solo de Gunther Gerzso na Galeria de Arte Mexicano de Ines Armor. O evento foi, no entanto, nas palavras de Gerzso, “o maior fracasso do século. Ninguém foi, ninguém comprou.“7 O artista exporia na mesma galeria novamente quatro anos depois. Em 1956, ele também expôs na Galería Antonio de Souza, uma das primeiras galerias da capital dedicadas à arte contemporânea. Na ocasião, o crítico de arte Roberto Fúria comentou em um texto para o Excelsior de maio:
“Indubitavelmente, a exposição que irá abrir na esplêndida galeria de Inês Amor é de qualidade real…O pintor não é muito conhecido no México ainda… Seu nome é Gunther Gerzso e ele é o que se chama de ‘pintor abstrato’. … Você vai poder admirar a palheta altamente refinada desse homem, seu domínio, às vezes suave e outras vezes duro, ao lidar com formas, e todo o mistério e poesia que suas pinturas exalam, um mistério excitante que reside em sua experiência das ruínas maias e de outras grandes estruturas autóctones sobreviventes.“8
Em 1959, o tio de Gerzso, Hans Wendland o convida para uma viagem à Grécia. A jornada deixou sua marca no pintor que passou a ter interesse na arquitetura e mitologia gregas. Ao retornar ao México, Gunther pinta Recuerdo de Grecia. Entre 1959 e 1961 se deu seu período grego, com pinturas como Ávila Negra.

Estilo abstrato de Gunther Gerzso
Em 1953, Gunther viaja à Itália onde iria desenvolver o estilo abstrato característico de suas obras a partir de então. Ele recebe influência e inspiração do Informalismo e de artistas como Antoni Tapies. Em 1962, o artista abandona o trabalho com o teatro e se dedica exclusivamente à pintura. Ao longo de toda a década de 60, ele compôs ilustrações para a capa da revista de arte Cuadernos de Bellas Artes.
Gunther também é o responsável pela capa do livro Configurations de Octavio Paz. Em 1963, aconteceu sua primeira exposição retrospectiva no Instituto Nacional de Bellas Artes y Literatura (INBA). Em 1965, INBA patrocina a obra de Gerzso como representante mexicano na Bienal de São Paulo. O amigo e colecionador do artista Jacques Gelman coordena a empreitada e escreve para Gerzso:
“Eu acabei de voltar da Bienal e estou muito desagradado [pelo fato de] que o prêmio de melhor pintor [foi dado] a Sugai… . Eu vou te contar os detalhes em pessoa!!! Nós perdemos, mas você ainda é o melhor!!! Não desanime!!!“9

Célebre ainda vida, Gunther Gerzso recebeu a maior condecoração artística do México em 1978: o Premio Nacional de Arte y Ciencias. Sobre a ocasião, Gunther declarou: “Inacreditável. Eu simplesmente não podia acreditar. É algo que da muita satisfação, o [premio] mais importante que um artista mexicano pode esperar“10 Cerca de três anos antes, ele havia também recebido a bolsa Guggenheim.
Os Jogos Olímpicos celebrados no México em 1968 ofereceram uma oportunidade para a promoção e exibição do trabalho de artistas mexicanos a um público ainda maior. Gunther Gerzso recebeu a encomenda do vitral da sala de jantar do hotel Aristos, propriedade de Manuel Klatchky.
Quadros seus também compuseram uma exposição na Galeria de Arte Mexicano de 35 artistas mexicanos e radicados no México. O trabalho de Gunther aparece então ao lado dos de Ricardo Martinez, Carlos Merida, Enrique Climent, Cordelia Urueta, Leonora Carrington, Pedro e Rafael Coronel, e Enrique Echeverria.11
Consagração e morte de Gunther Gerzso
Em 1974, Gunther recebe um convite para trabalhar no Instituto Tamarind da Universidade do Novo México em Albuquerque. Ali ele passa a aplicar o abstracionismo em litografias. Em 1978, o Salon Nacional de Artes Plasticas promove uma exposição trazendo Gunther Gerzso ao lado de Rufino Tamayo e Carlos Mérida. Na imprensa e nos jornais, os artistas são denominados como “os novos três grandes” em referências aos “velhos” três grandes pintores muralistas.12
Em fins dos anos 70 e início dos anos 80, Gunther Gerzso começou a explorar novos meios e produziu diversas estátuas de variadas dimensões. Gunther Gerzso permaneceu trabalhando praticamente até o final de sua vida. Entre uma série de projetos, ele lançou, em 1998, uma série de estátuas em bronze em parceria com o editor Isaa Masri.
A série acabou por inspirar o livro Gunther Gerzso: Homenaje a la linea recta: Quinceesculturas en bronce/Poemas de David Huerta. Para cada uma das esculturas de Gerzso, Huerta escreveu um poema e a obra foi publicada em 2001.
Por ocasião de seus oitenta anos, ocorreu a exposição Gunther Gerzso – 80th Birthday Show organizada por Mary-Anne Martin em sua galeria. No catálogo do evento, a galerista dá um vislumbre do artista, em sua casa, e de sua arte:
“O estúdio de Gerzso é arrumado, sua mente é disciplinada, suas pinturas são o produto de uma estética fundamentada. Aqui [se trata] de música visual: temas e variações em fim, cheias de harmonia, cor, notas discordantes, tensões e resoluções pacíficas. Gerzso trabalha como um compositor, orquestrando suas composições. Ele não é capaz de ficar sem ideias; as notas podem ser tocadas novamente em incontáveis arranjos”.13
A partir da década de 90, o artista passou a produzir litografias, tendo um total de 10 desses trabalhos editados pela Limestone Press juntamente com poemas de Octávio Paz. Em 1995, executou a série Templos, evocando diferentes sítios arqueológicos, acompanhados de poemas Hank Hine.14Suas duas últimas telas, foram feitas entre 1999 e 2000: Paisaje nocturno e Paisaje espejisimo. Ele ainda termina o design para as portas da sinagoga da capital mexicana Shaare Shalom, sua última encomenda.
O pintor faleceu em 21 de abril de 2000 e foi cremado no Panteón Espanol da Cidade do México.
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Os Dias na Rua Gabino Barreda de Gunther Gerzso
Bibliografia
BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” In Risking the Abstract: Mexican Modernism and the Art of Gunther Gerzso, edited by Diana C. Du Pont, 296-323. Santa Barbara: Santa Barbara Museum of Art, 2003. Aqui.
Catálogo da exposição em comemoração de 80 anos de Gunther Gerzso organizada na Mary-Ann Martin/Fine Art. Aqui.
RAYA, Mónica. Escenógrafo expandido. Revista de la Universidad de México. Nueva Época. Núm. 147. Maio 2016. ISSN 0185-1330. Aqui.
Referencias
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” In Risking the Abstract: Mexican Modernism and the Art of Gunther Gerzso, edited by Diana C. Du Pont, 296-323. Santa Barbara: Santa Barbara Museum of Art, 2003. p. 297. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” … p. 298. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” … p. 298. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” … p. 299. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” … p. 299. ↩︎
- Catálogo da exposição em comemoração de 80 anos de Gunther Gerzso organizada na Mary-Ann Martin/Fine Art. p. 3. ↩︎
- Catálogo da exposição em comemoração de 80 anos de Gunther Gerzso organizada na Mary-Ann Martin/Fine Art. p. 11. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” … p. 301. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” In Risking the Abstract: Mexican Modernism and the Art of Gunther Gerzso, edited by Diana C. Du Pont, 296-323. Santa Barbara: Santa Barbara Museum of Art, 2003. p. 302. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” … p. 304. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” … p. 303. ↩︎
- BUONO, Amy J. “Gunther Gerzso: Chronology; Bibliography; Exhibitions; Filmography and Scenography.” … p. 304. ↩︎
- Catálogo da exposição em comemoração de 80 anos de Gunther Gerzso organizada na Mary-Ann Martin/Fine Art. p. 4. ↩︎
- Catálogo da exposição em comemoração de 80 anos de Gunther Gerzso organizada na Mary-Ann Martin/Fine Art. p. 5. ↩︎