James Ensor

James Ensor foi um pintor, gravurista e roteirista belga nascido em 1860. O artista se tornou famoso principalmente devido ao seu estilo marcadamente irônico e macabro com quadros repleto de máscaras e esqueletos. Por sua substancial produção artística, Ensor se tornou referência para uma série de artistas e movimentos artísticos que vieram depois dele, como o surrealismo.

Assim, o Ensor é um dos principais nomes da arte dos séculos XIX e XX da Bélgica ao lado de René Magritte e outros. ________________________________________________________________________________________

James Enfor nasceu e viveu em Ostend, litoral norte da Bélgica. Filho de um engenheiro, James Frederick Ensor, e de uma lojista, Maria Catherina Haegheman, James Ensor viveu em Ostend durante toda a sua vida. Ali, Ensor iniciou sua formação aos 16 anos na Academia de Ostend. James Ensor estudou na Académie Royale des Beaux-Arts em Bruxelas entre 1877 e 1880. Lá se tornou amigo do também pintor Fernand Khnopff e de outros artistas como Willy Finch, Guillaume Vogels e Théo Hannon.

Em 1895 ele teve sua primeira exposição solo, em Bruxelas. Durante esse período, Ensor pintava principalmente retratos (muitas vezes de pessoas de sua família), naturezas-mortas e paisagens seguindo mais ou menos o estilo típico da época. Para Lilly Tannenbaum, foram essas primeiras pinturas que trouxeram reconhecimento a Ensor a ponto do rei Belga, em 1929, lhe conceder o título de Barão. 

Autorretrato e foto de James Ensor
Autorretrato com Chapéu de Flores, 1883. Fonte: JamesEnsor. Foto de James Ensor. Fonte: JamesEnsor

Em determinado momento, Ensor passou a retratar tipos sociais considerados marginais: pessoas pobres, andarilhos e bêbados. Desse período, o quadro Os Bêbados (1910, coleção particular) merece destaque. Para Tannenbaum, a retratação desses personagens não foi uma escolha qualquer do artista: “ele [James Ensor] apresenta figuras [ … vagabundos e bêbados] que não são meramente membros das classes mais baixas. Eles são párias de qualquer classe e representam a primeira insistência de Ensor no tema do homem no seu nível mais abjeto e inglório1

O estilo que Ensor desenvolveria a partir dos anos 1890, porém, não desfrutou de tal acolhida: ” […] as obras dos anos seguintes, que constituem a contribuição mais pessoal e verdadeiramente significante de Ensor para a pintura moderna, foram ignorada ou, no melhor dos casos, minimizadas pelos críticos oficiais como se fossem o triste resultado de algum mal extraordinário que enfraqueceu o artista nos seus vinte anos.”2

Máscara, esqueletos e a multidão: o estilo de James Ensor

A partir dos anos 1890, vê-se o desenvolvimento do estilo tão típico de Ensor, com esqueletos, máscaras e seres bizarros povoando a maior parte de suas pinturas. O pintor começa inclusive a inserir tais personagens sombrios e um pouco debochados em pinturas suas já terminadas anteriormente. Os cenários nos quais o pintor insere suas personas também se tornam mais variados, inicialmente em cômodos e outros ambientes domésticos, abarcando, mais tarde, cenas de festas e carnavais, shows, reuniões de amigos, disputas e brigas.

A primeira dessas pinturas é Máscaras Escandalizadas, a qual em termos de posição dos personagens, ambiente e objetos, é muito semelhante a Bêbados. Nos anos seguintes, Ensor continuaria povoando suas telas com máscaras variadas e esqueletos. Segundo Lilly Tannenbaum: “O nome de Ensor se tornou quase que sinônimo de máscaras.”3

Máscaras Escandalizadas foi exibida na primeira exposição organizada pelo grupo Les XX (Os Vinte), em 1884. O grupo contava com artistas, escultores e designers, liderados Otavios Maus, cuja exibição anual duraria ao menos uma década. Entre os artistas que expuseram nos eventos do Les XX estão nomes como Claude Monet, Paul Gauguin, Georges Seurat, Camille Pissaro e outros. Les XX também forneceram uma das únicas oportunidades que Van Gogh teve de expor seu trabalho ainda em vida.

Sobre Máscara Escandalizadas, Madeleine Maus, também membro do grupo, comentou: “Estranhamente, nesse primeiro ano a qualidade dela [da tela] intimidou os críticos; os ataques vieram um pouco mais tarde.4O quadro porém era apenas o início de uma verdadeira miríade de máscaras e esqueletos que tomariam quase que completamente a obras de Ensor dali em diante.

Lilly Tannenbaum aponta para uma série de razões que estariam na origem desse estilo meio irônico meio macabro. Uma delas é a forte influência da obra de Edgar Allan Poe sobre Ensor. O pintor belga em diversas ocasiões tomou contos e personagens do escritor americano e os adaptou em trabalhos figurativos. Seja um desenho de 1880 ilustrando o Rei Peste, que é repetido em gravura cerca de 15 anos depois. Ou em uma paisagem de 1890 com intitulado O Domínio de Arnheim. Há ainda gravuras feitas em 1898 baseadas no conto Oito Orangotangos Acorrentados e várias outras.5 Você pode ler mais sobre no ítem James Ensor no Brasil.

Tannenbaum também aponta para a vida familiar de Ensor em busca de explicação para as máscaras e esqueletos. Para ela, a vida familiar pode ter influenciado no desenvolvimento de seu estilo. O pai de James Ensor, James Frederick Ensor, era alcoólatra e, apesar de engenheiro formado, nunca conseguiu um emprego de destaque.

A Entrada de Cristo em Bruxelas em 1889 de James Ensor
A Entrada de Cristo em Bruxelas em 1889. Fonte: Getty Museum

A família era em parte mantida pela loja de presentes que a mãe de Ensor e irmã de Ensor mantinha no térreo do imóvel da família. Frederick Ensor acabou morrendo em 1887, e foi encontrado já sem vida nas ruas de Ostend após uma bebedeira. Para Tannenbaum: “O desprazer da vida familiar fica indicado pela observação de Ensor de cenas na casa de seus pais e o medo de talvez ser tão infeliz quanto seu pai sempre o impediu de se casar.”6

A Entrada de Jesus em Bruxelas

As máscaras e esqueletos tomariam uma nova dimensão naquela que seria a obra mais famosa de James Ensor: A Entrada de Jesus em Bruxelas. Pintado em 1888, o painel tem impressionantes medidas de mais de 2 metros por mais de 4 metros. A famosa passagem bíblica da entrada de Jesus em Jerusalém é aqui totalmente reconfigurada e a imagem do salvador, diminuta e quase escondida, cede lugar e representação a um verdadeiro carnaval na capital belga. O protagonismo, aqui, é dado à multidão, enquanto massa ignóbil e cega:

“O Cristo de Ensor simboliza a tentativa de dar dignidade e significado à vida humana que é zombada e destruída pela multidão. Esse é um dos temas mais insistentes [de Ensor]”7

Escárnio e desprezo impressos na tela que demorou anos para ser exposta. O grupo Les XX, com o qual Ensor já trabalhava, se negou a exibir A Entrada de Cristo em Bruxelas. O coletivo, que não se furtara a expor trabalhos originais e talvez mesmo polêmicos como Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte de Seurat em 1887 e quadros de Van Gogh em 1890, não estendeu a mesma atitude ao Cristo de Ensor. Para Tannenbaum, características da pintura a fazem “no sentido mais verdadeiro, uma obra do século XX“, que não teria como ter espaço em uma exposição do século XIX.8

James Ensor: crítico social

Daí em diante as relações entre Ensor e o grupo Les XX arrefeceram. Principalmente com seu líder, Octave Maus. Ensor a partir de então,continuou produzindo obras que repetiam o tema da multidão, mas também deu vazão a críticas mais diretas e mais ácidas a críticos de arte e outros artistas. Seu desenho Cozinheiros Perigosos, de 1896, talvez seja o melhor exemplo de suas pinturas de deboche.

Aqui vemos Octave Maus servindo um peixe, que tem a cabeça de James Ensor, aos críticos Fetis, Demolder, Lemonnier, Sulzberger e Verhaeren, todos sentados esperando a refeição.

O outro cozinheiro é Edmond Picard, jurista e escritor belga, que aparece fritando a cabeça do pintor Guillaume Vogels. No corpo do frango, pendurado na parede, vemos a cabeça da pintora Anna Boch, e na prateleira as cabeças de Lemmen e Van Rysselberghe.9

Políticos também foram alvo de James Ensor. Na obra Alimentação Doutrinária, o tom de escárnio da crítica ganha dimensões verdadeiramente escatológicas. Na gravura, figuras que se assemelham a reis, bispos, juízes e outras autoridades são dispostas em um palco de onde defecam direto no público abaixo. Alimentação Doutrinária repete o tema da multidão e do escárnio, porém privilegiando a crítica política. 

Nas palavras de Susan Canning: ” Depois de 1888, ele empregou o exagero, a distorção, e a caricatura bem como referências escatológicas para tecer comentários sobre uma sociedade que ele via como conformista, conservadora e hipócrita.”10

Reconhecimento e morte 

James Ensor compõe a galeria de artística que foram reconhecidos ainda em vida. Em 1929 ele foi feito barão pelo rei Albert I da Bélgica. Dali alguns anos, em 1933, foi condecorado com a Légion d’Honneur. O pintor faleceu em 19 de novembro de 1949 e foi enterrado no cemitério Notre-Dames des Dunes em Ostende. A casa em que viveu durante toda sua vida foi transformada em um museu de sua obra. 

Sua produção pode ser encontrada em muitas instituições e museus ao redor do mundo. Um de seus quadros, uma Tentação de Santo Antônio, foi adquirido pelo MoMA11 , o então diretor da Instituição Alfred H. Barr expressou que considerava o belga o mais ousado artista de seu tempo. Desenhos de James Ensor se encontram no Museu de Arte Moderna de Nagaoka e no Museu de Arte de Toyota, ambos do Japão.12

James Ensor no Brasil: As gravuras no Museu de Arte Murilo Mendes

No Brasil, há duas gravuras de James Ensor. Ambas compõem o acervo do Museu de Arte Murilo Mendes, em Juiz de Fora, e pertenciam ao poeto quando ele ainda era vivo. Acredita-se que o próprio Murilo tenha comprado as duas gravuras durante o período em que viveu na Europa (1953 e 1954). Trata-se de Insetos singulares e Rei peste. A primeira faz referência direta ao poema de nome Die Launen der Verliebten (Capricho dos Enamorados) do alemão Heinrich Heine:

Um escaravelho estava pousado numa cerca / Triste e pensativo; tinha-se apaixonado por uma mosca /Ó mosca de minh’alma! Sê a esposa eleita / Case comigo, não rejeites meu amor. / Meu ventre é todo de ouro.13

Em artigo publicado sobre as gravuras, Luisa Vianna explica que Ensor pintou a si mesmo como o escaravelho. Já a libélula ao seu lado, possui o rosto de Mariette Rousseau-Hannon, esposa de Ernest Rousseau, amigo de Ensor. O pintor e Mariette ao que tudo indica tinham uma grande amizade e há a possibilidade de que Ensor nutrisse uma paixão platônica por ela. O poeta brasileiro deixou registros de quanto era apegado à gravura e do quanto considerava Ensor um artista excepcional:

Habitando a parede do meu estúdio aquela gravura de Ensor, 1886, mostra uma cabeça de homem: desponta de um enorme inseto; assim, Ensor de longe precede Kafka, antecipa a história de Gregório Samsa, de certo modo código de todos nós, insetos; embora cidadãos também do cosmo; menos comunicáveis que os próprios insetos sem papel ou álgebra, nem a faculdade de definir o absurdo, nem de receber as saudações de Nínive ou Marte.14

A outra gravura, Rei Peste I, é baseada em um trecho do conto de mesmo nome de Edgar Allan Poe. Rei Peste I não foi a única cena escrita pelo americano a encontrar espaço na arte de James Ensor. A ela, se somam outras como O diabo no campanário, (1888), Coração Delator (1890) que têm o mesmo título de contos de Poe e O assassinato (1890) baseado no conto A verdade sobre o caso do Sr. Valdemar de 1845.  

Ainda em solo brasileiro, foi organizada, pelo Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado (MAB-FAAP) uma exposição de 131 gravuras de Ensor no ano de 2005. Intitulada James Ensor: um visionário em preto e branco.15

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A Entrada de Cristo em Bruxelas de James Ensor

Referências

  1. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951, p. 44. ↩︎
  2. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951, p. 44. ↩︎
  3. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951, p. 47. ↩︎
  4. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951, p. 48. ↩︎
  5. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951, p. 56,57. ↩︎
  6. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951, p. 48. ↩︎
  7. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951. p. 61. ↩︎
  8. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951. p. 73. ↩︎
  9. TANNENBAUM, Libby. James Ensor. New York, The Museum of Modern Art, 1951. p. 99. ↩︎
  10. CANNING, Susan M. The Ordure of Anarchy: Scatological Signs of Self and Society in the Art of James. Art Journal, Autumn, 1993, Vol. 52, No. 3, Scatological Art (Autumn, 1993), pp. 47-53. p. 51. ↩︎
  11. Nota da obra no site do MoMA. ↩︎
  12. Textos sobre as obras de James Ensor no Japão no site James Ensor: an online Museum. ↩︎
  13. VIANNA, Luisa Pereira. James Ensor na coleção de Murilo Mendes. Arte em Confronto: embates no campo da história da arte. 2018. p.597, 598. ↩︎
  14. VIANNA, Luisa Pereira. As gravuras de James Ensor no Museu de Arte Murilo Mendes. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Juiz de Fora. 2019. p. 49. ↩︎
  15. Nota sobre a exposição no arquivo da Folha de São Paulo↩︎
Nascimento: 13 de abril de 1860
Falecimento: 19 de novembro de 1949 (89 anos)
Origem: Belga
Ocupação: Pintor, gravurista, desenhista
Principais obras: As Máscaras Escandalizadas, Entrada do Cristo em Bruxelas em 1888, Os cozinheiros perigosos

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