María Izquierdo

María Izquierdo foi uma pintora mexicana nascida em 1902. Uma das mais famosas artistas do México da primeira metade do século XX, Izquierdo desenvolveu um estilo centrado em cenas do cotidiano, a religiosidade popular, retratos e naturezas-mortas. Tanto o surrealismo quanto o impressionismo tiveram certa influência em sua obra, que se constitui em dezenas de quadros.

María Izquierdo também foi uma das primeiras artistas mexicanas a expor seu trabalho em terras estrangeiras como em galerias norte-americanas e instituições chilenas e peruanas. A pintora morreu, vítima de um derrame, em 1955 aos 53 anos.


María Cenobia Izquierdo Gutiérrez nasceu em San Juan de los Lagos, Jalisco, em 1902. Seu primeiro casamento foi arranjado por sua família e a união, com um noivo que ela não conhecia, aconteceu quando a jovem tinha catorze anos. Nancy Deffebach afirma que até hoje a identidade desse primeiro cônjuge de Izquierdo é tema de debate. Seu segundo marido, Candido Posadas, jornalista, e foi com ele que ela teve seus filhos.1

Maria Izquierda se matriculou na Escuela Nacional de Bellas Artes no ano de 1928. Em 1929, a instituição ganhou um novo diretor, o famoso pintor Diego Rivera. O grande artista não se furtou a elogiar o trabalho da jovem Izquierdo, chegando a afirmar, por ocasião de uma exposição de quadros dos alunos, que suas obras eram as únicas que valiam alguma coisa. Um elogio sem tato a uma estudante que era mulher, que acabou fazendo com que Izquierdo fosse hostilizada por muitos de seus colegas. Diz-se que chegaram a jogar baldes d’água na pintora que, na ocasião, se retirou chorando da escola.2

Não muito tempo depois, a artista abandonou os estudos. Décadas depois, ao relembrar seus primeiros anos de carreira, Izquierdo diria em entrevista: “Naquela época era um delito nascer mulher, e se a mulher tivesse habilidades artísticas, era muito pior“.3 

No entanto, o apoio de Rivera, apesar de paternalista e sem tom, continuou, e o muralista fez com que o trabalho de Izquierdo tivesse uma exposição solo, organizada ainda em 1929 na Galería de Arte Moderno, além de lhe apresentar a possíveis mecenas tanto da França quanto dos Estados Unidos. 

Foto de Maria Izquierdo
María Izquierdo. Fonte: gaceta.mx

Ainda nessa época, Maria Izquierdo se separou de seu então esposo e começou um relacionamento com seu professor e colega de profissão, Rufino Tamayo. De 1929 a 1933, o casal compartilhou um estúdio no centro histórico da Cidade do México. Em 1930, o casal viajou para Nova Iorque.

Maria Izquierdo expos no The Art Center em um evento organizado por Frances Flynn Paine. Duas de suas pinturas foram, então, integradas à exposição do METMexican Arts organizada por René d’Harnoncourt.4 Tamayo além de participar da Mexican Arts também teve telas expostas na John Levy Gallery

Em 1938, María Izquierdo conheceu o pintor chileno Raúl Uribe e ambos iniciaram um relacionamento. Bem conectado socialmente, Uribe tirou proveito de seus acessos para promover a arte da companheira. Os dois se casaram em 1944, em Santiago. Ali, naquele mesmo ano, foi organizada uma exposição de 24 obras da artista no Ministério da Educação.5 Sobre a arte de Izquierdo, o célebre poeta chileno Pablo Neruda afirmou na ocasião da exposição da no país: :

Me agrada cumprimentar sua pintura [que é] atravessada por sonhos e pela terra, sua pintura, tão ligada às próprias raízes, tanto locais quanto raciais, e por essa razão uma grande pintura… Eu te dou as boas vindas, grande pintora do México. Em sua linguagem viva, sabia e infantil…Vamos descobrir de novo nossos vastos territórios. Vamos liberar de novo nossa América.”6

Depois de três meses passados no Chile, o casal foi para Lima, onde uma exposição individual da artista se deu no Instituto Cultural Peruano Americano onde 36 telas de Izquierdo foram expostas.7

Em 1945, cinco meses depois de regressar de suas viagens pela América do Sul, Maria Izquierdo recebeu a encomenda para pintar murais no edifício do Departamento do Distrito Federal, na região sul da Cidade do México que atualmente se conhece como Antiguo Palacio del Ayuntamiento. O trabalho deveria representar o tema do “Progresso do México” na parede da escadaria e acima, no teto, deveria ser tratado o tema das “Artes”.8 

Tal oferta de trabalho, que era também o reconhecimento das capacidades artísticas de Izquierdo, encontrou forte oposição. Diego Rivera, que anteriormente tanto tinha encorajado Izquierdo, argumentou que a pintora era ainda muito inexperiente e não deveria receber tamanha responsabilidade. Clemente Orozco e Alfonso Siqueiro, os outros dos grandes três muralistas mexicanos da época, também se opusera radicalmente ao projeto e, dessa forma, María Izquierdo foi dispensada e não chegou a iniciar seu mural. 

A partir de 1932, Izquierdo começou a pintar quadros com o tema circense. Esse seria seu tema principal e durante as duas décadas seguintes a pintora executou mais de 50 quadros retratando artistas de circo, quase sempre tendo mulheres como protagonistas. Sobre essa escolha temática, Nancy Deffebach defende: “As imagens são evidência da audácia, valentia, destreza e força do sexo feminino. [Izquierdo] pintou mulheres vestidas como bailarinas paradas em pé sobre cavalos galopando, equilibristas intrépidas caminhando na corda bamba, trapezistas voando nos ares e domadoras de leões e elefantes9.

Surrealismo, altares e naturezas-mortas: o estilo de María Izquierdo

Como vimos, a ligação inicial de Izquierdo com os muralistas não teve vida longa. Em vez disso, a pintora encontrou em outro grupo de artistas uma maior identificação e espaço. Chamado de Contemporáneos, a partir da revista de mesmo nome publicada por eles, o grupo reunia uma série de artistas e pensadores cujas preocupações e interesses não coincidiam exatamente com as da intelectualidade pós revolucionária mexicana.

Nomes como Antonieta Rivas Mercado, e todos envolvidos em seu Teatro de Ulises, bem como o próprio Rufino Tamayo, empreendiam o desenvolvimento da arte por si, não tão atrelada às questões nacionais e nacionalistas e do México enquanto povo. Nas palavras da própria María Izquierdo:

Me esforço para que minha pintura reflita o México autêntico que sinto e amo; eu evito cair em temas anedóticos, folclóricos e políticos porque ditos temas não têm nem força plástica nem poética e penso que no mundo da pintura, um quadro é uma janela aberta para a imaginação humana.10 

No exemplar de Contemporáneos de setembro de 1929, por exemplo, apareceram quatro obras de María Izquierdo: uma natureza-morta, dois retratos masculinos e um nu feminino.11

Quadro Sonho e Pressentimento de María Izquierdo
Sonho e Pressentimento, 1947. Fonte: Sotheby’s

Outra marca da obra de Maria Izquierdo é sua representação de altares domésticos. Típicos no México da primeira metade do século XX, os altares – sua montagem, manutenção e decoração em diferentes ocasiões como o Dia dos Mortos – eram de responsabilidade das mulheres. Nas palavras de Celeste Donovan, o destaque dado a eles pela artista “evoca não apenas a mulher – criadora, devota e centro espiritual da família – diante do altar, mas faz uma conexão direta entre ela [a mulher] e a Virgem. A construção pictórica de ofrendas por Izquierdo reforça essa associação espiritual.“.12 

A pesquisadora defende que tal tema reflete uma certa identificação de Izquierdo com o Catolicismo, apesar de ir na igreja apenas nas vezes que “sentia” e não se encaixar, conforme vimos, nos padrões que essa religião organizada propunha para as mulheres mexicanas de sua época.13

Os altares pintados por Izquierdo remetem imediatamente ao ambiente doméstico com a forte presença de mulheres. Tal característica diferencia Izquierdo do trabalho dos muralistas tão famosos em sua época e a aproxima do que era produzido pelo grupo Contemporâneos: ambos encaravam o espaço privado (doméstico) enquanto ambiente dedicado não “à razão e o racionalismo, nem à mudança social, mas em vez disso, ao misticismo, e diálogos internos relacionados a morte, fé e salvação“.14

Essa identificação, Donovan entende como mais clara na escolha que fez Izquierdo do tema para a sua primeira pintura após o derrame que sofreu: Nossa Senhora das Dores ou Dolorosa, em espanhol. Conforme a artista afirmou em entrevista: “É a minha primeira pintura desde minha volta à vida“.15

Morte e Legado

Em meados da década de 1940, María Izquierdo teve um derrame que afetou consideravelmente sua autonomia e capacidade artística. A pintora, no entanto, continuou produzindo quadros até que em 1955, aos 53 anos, ela teve um segundo derrame que lhe ceifou a vida. 

Artigos Relacionados

Día de los Muertos

Consolação de María Izquierdo

Sonho e Pressentimento de María Izquierdo

Biografia

DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad. Revista de Humanidades Universidad EAFIT – Departamento de Humanidades ISSN1794-5887e-ISSN2539-1208. Vol.15, No. 29 (julio-diciembre) 2018. Medellín Colombia. Disponível no academia da autora.

DONOVAN, Celeste. Icons Behind Altars: María Izquierdo’s Devotional Imagery and the Modern Mexican Catholic Woman. The Journal of Decorative and Propaganda Arts, 2010, Vol. 26, Mexico (2010), pp. 160-179. p.174. Disponível no Jstor.

GREELEY, Robin Adèle. Painting Mexican Identities: Nationalism and Gender in the Work of María Izquierdo. Oxford Art Journal, Vol. 23, No. 1 (2000), pp. 51-71. p. 55. Disponível no Jstor.

SHAIKEWITZ, Joseph. “Staging the Modern Woman: Antonieta Rivas Mercado, María Izquierdo, and Performance’s Double Life in the Contemporáneos Orbit.” Hemisphere: Visual Cultures of the Americas 14, 1 (2022). p. 7 Aqui.

ZAVALA, Adriana. “María Izquierdo y Rufino Tamayo: A propósito de deudas e infuencias” En Codo a codo: parejas de artistas en México, Dina Comisarenco (ed.). México: Universidad Iberoamericana, 2013, p. 197- 224. p. 216.

Referencias

  1. DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad. Revista de Humanidades Universidad EAFIT – Departamento de Humanidades ISSN1794-5887e-ISSN2539-1208. Vol.15, No. 29 (julio-diciembre) 2018. Medellín Colombia. Disponível no academia da autora.  ↩︎
  2. GREELEY, Robin Adèle. Painting Mexican Identities: Nationalism and Gender in the Work of María Izquierdo. Oxford Art Journal, Vol. 23, No. 1 (2000), pp. 51-71. p. 55. ↩︎
  3. DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad. Revista de Humanidades Universidad EAFIT – Departamento de Humanidades ISSN1794-5887e-ISSN2539-1208. Vol.15, No. 29 (julio-diciembre) 2018. Medellín Colombia. Disponível no academia da autora. p.15. ↩︎
  4. ZAVALA, Adriana. “María Izquierdo y Rufino Tamayo: A propósito de deudas e infuencias” En Codo a codo: parejas de artistas en México, Dina Comisarenco (ed.). México: Universidad Iberoamericana, 2013, p. 197- 224. p. 216. ↩︎
  5. DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad … p. 27. ↩︎
  6. GREELEY, Robin Adèle. Painting Mexican Identities: Nationalism and Gender in the Work of María Izquierdo. Oxford Art Journal, Vol. 23, No. 1 (2000), pp. 51-71. p. 54. ↩︎
  7. DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad … p. 27. ↩︎
  8. DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad… p. 28. ↩︎
  9. DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad… p. 17. ↩︎
  10. DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad… p. 33. ↩︎
  11. SHAIKEWITZ, Joseph. “Staging the Modern Woman: Antonieta Rivas Mercado, María Izquierdo, and Performance’s Double Life in the Contemporáneos Orbit.” Hemisphere: Visual Cultures of the Americas 14, 1 (2022). p. 7 Aqui. ↩︎
  12. DONOVAN, Celeste. Icons Behind Altars: María Izquierdo’s Devotional Imagery and the Modern Mexican Catholic Woman. The Journal of Decorative and Propaganda Arts, 2010, Vol. 26, Mexico (2010), pp. 160-179. p.174. ↩︎
  13. DONOVAN, Celeste. Icons Behind Altars: María Izquierdo’s… p. 176. ↩︎
  14. GREELEY, Robin Adèle. Painting Mexican Identities: Nationalism and Gender in the Work of María Izquierdo.Oxford Art Journal, Vol. 23, No. 1 (2000), pp. 51-71. ↩︎
  15. DONOVAN, Celeste. Icons Behind Altars: María Izquierdo’s … p. 178. ↩︎
Nascimento: 30 de outubro de 1902
Falecimento: 2 de dezembro de 1955
Origem: México
Ocupação: Pintora
Principais obras: Consolação (1933), Sonho e Pressentimento (1947), Nossa Senhora das Dores com Trigo (1948)

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