Niño Fidencio

Niño Fidencio foi um religioso e um homem que se acreditava ser dotado do dom da cura nascido em 1898 no México. Ele ficou famoso a partir de fins da década de 1920 quando centenas de pessoas se deslocaram para a fazendo em que ele vivia em busca de soluções para os mais variados problemas de saude fisica e psiquica. A fama de Niño Fidencio aumentou ainda mais após o então presidente do México, general Elias Calles lhe visitou em 1927 na fazenda do Espinazo.

O grande contingente de pessoas aglomeradas na região da fazenda foi denunciado por diversas autoridades publicas e médicas durante os anos em que Niño Fidencio atuou por sua falta de estrutura sanitária e os riscos dela decorrentes. A morte de Niño Fidencio não fez cessar a fé que muitos tinham em seus poderes e o lugar em que viveu se tornou destino de peregrinação, visitado por pessoas em busca de apoio até os dias de hoje.  

Quem foi Niño Fidencio? Infância e o “chamado”

Nascido José de Jesús Findencio Síntora Constantino, em 1898 na cidade de Yuriría (estado de Guanajuato), Niño Fidencio se tornou ainda órfão ainda na infância. Seus pais, dos quais pouco se sabe foram Socorro Constantino e María Tránsito de Síntora. Dúvidas porém se mantém sobre a identidade de seu pai.1 Fidencio tinha mais 13 irmãos. Segundo a crença, quando Niño Fidencio ainda era criança e estava cuidando sozinha de um irmão menor doente, a porta de sua humilde casa se abriu e um homem apareceu.

O homem lhe deu um livro e lhe disse que nele continham uma serie de receitas de ervas curativas. O homem lhe disse que não se preocupasse já que seu irmão seria curado. Fidencio foi em busca das ervas e conseguiu restaurar a saúde do irmão mais novo. Ele então se deu conta de que o estranho que havia aparecido mantinha a mesma posição do Sagrado Coração de Jesus e acreditou piamente se tratar do Cristo.2

Niño Fidencio cursou apenas até a terceira série primária e desde pequeno era muito religioso. O coronel Enrique López de la Fuente é apontado como uma figura que protegeu Niño Fidencio por toda a sua vida. Durante os anos da revolução mexicana, ocorrida entre 1910 e 1920, o jovem viveu em sua cidade natal, depois Michoacán e também na cidade de Iramuco. Trabalhando como peão, ajudante de cozinheiro e parteiro.3

Fotografia de Niño Fidencio
Niño Fidencio. Fonte: Amazon.

Entre 1921 e 1923, Niño Fidencio partiu para a fazenda onde se tornaria um guia para milhares de pessoas: a fazenda Espinazo, propriedade de Teodoro von Wernich empresário alemão e espirita. Aparentemente, Fidencio foi para lá após ser chamado por um familiar que ja trabalhava no local. Frank Graziano aponta o amigo de infancia de Fidencio, Enrico López de la Fuentes como o responsável por sua ida até Espinazo. Os dois rapazes eram muito proximos, segundo Graziano, e haviam se conhecido na escola primária que frequentaram juntos. Enrique, diz-se, defendia Fidencio do bullying dos colegas. 

Fidencio confiava em Enrique o chamava de papa, apesar do colega ser apenas dois anos mais velho que ele.4 Enrique viria a se tornar administrador geral da fazenda de von Wernich. Teodoro von Wernich havia se mudado para aquela remota área do México, por questões pessoais. Após a morte acidente de seu filho na região, von Wernich jurou morar ali até o fim de seus dias. Sabe-se que ele era adepto do espiritismo, especialmente aquele popularizado por figuras como Alan Kardeck e Joaquin Trincado.5

 Pouco tempo depois, porém, Fidencio foi dispensado, acredita-se por Enrique López de la Fuentes.6 Sem perspectiva e deseseparado, o jovem Fidencio teve uma visão/alucinação em que um homem alto, com barba, e halo apareceu para ele e disse: “Fidencio, você é chamado para um alto destino. Eu ponho em seus olhos um maravilhoso poder curativo que servirá para aliviar o sofrimento daqueles com dor. Eu te dou esse poder divino paenas para o bem da humanidade – apenas com o intuito de você curar aqueles que merecem, nunca para você se enriquecer com ele, nem para o beneficio daqueles que não merecem coisas boas.” Após isso, o homem desapareceu e Niño Fidencio ficou com os poderes.7 

As curas de Fidencio começaram por volta de 1925. Na época, funcionário da fazenda Espinazo, Fidencio começou a tratar colegas feridos ou doentes e também auxiliar mulheres em trabalho de parto. Sua fama de “curador amável, gentil e bondoso” começou a se espalhar, e o próprio Fidencio se dizia convencido de que curava por ordem divina.8 Em 1927, o jovem, acredita-se, curou o proprietário da fazenda de Espinazo de uma doenças a qual diversos médicos foram incapazes de diagnosticar.9Alguns dizem que se trata de um ferimento a bala, uma fistula ou um problema já antigo.10 

Em agradecimento, von Wernich fotografou Fidencio e lhe disse que o faria um homem mundialmente famoso. O retrato do jovem, então, foi distribuido por seu patrão de maneira generalizada. Com camisa branca e gravata, essa seria a primeira foto de Fidencio a aparecer em diversos jornais da epoca. A imprensa passou a chama-lo “O Taumaturgo de Espinazo” ou “O Hipocrates Rústico”.11  Mackling e Crumrine nos dão conta, por outro lado, que a fazenda de von Wernich estava profundamente hipotecada: “muitos informantes acham que Von Wernich e outros viram o movimento de Fidencio como uma empreitada lucrativa, pelo menos em parte.”12

A visita do presidente Calles

Quando o presidente Calles visitou a fazenda do Espinazo, em fevereiro de 1928, a fama de Niño Fidencio já era consideravel. A presença da autoridade máxima do México ali contribuiu para tornar o curandeiro famoso nacionalmente. Claudia Urencio destaca que a visita se deu durante a chamada Guerra Cristera (1926-1929) e que, por isso, o encontro também pode ser considerado uma manifestação do forte anticlericalismo de Calles. Questões politicas a parte, a pesquisadora também aponta como razão para sua presença em Espinazo o fato do presidente mexicano ter sido hipocondríaco e simpatizar com crenças espiritas.13

A conversa entre o Calles e Fidencio foi amplamente coberta pela imprensa. Reportou-se que inicialmente Fidencio foi convidado para uma conversa no interior do trem presidencial. após isso, ambos sairam para que Calles conhecesse o local. Notou-se que nessa ronda, o presidente não mais vestia “suas proprias roupas, mas trazia uma túnica ampla e larga” muito similar àquelas de Fidencio. Afirma-se ainda que o presidente e sua comitiva tomou uma bebida medicinal preparada por Fidencio.14

Após a visita presidencial, um numero crescente de doentes de todos os tipos começaram a chegar de trem na fazenda Espinazo. Pessoas sofrendo de “sarampo, pneumonio, tuberculose, lepra e variola” além daqueles que era “cegos, mudos e paralizados que a biomedicina era incapaz de curar”. A movimento era tamanho que no dia 22 daquele mesmo mes, o The New York Times publicou uma noticia com o titulo “Cures by Healer Stir Mexico City“, na qual afirmava que tanto a Guerra Cristera quanto a campanha presidencia do general Alvaro Obregon perdiam destaque frente aos relatos do que se passava com Fidendio.15

No final daquele ano, em dezembro, a publicação El Universal da Cidade do Mexico contabilizava ao menos 4000 pessoas aglomeradas na Meca da Dor: “homens e muheres e crianças de todas as classes; se escutam uma diversidade de idiomas […]. Desde o indio pitoresco até o chinês com de ambar. desde o forte norteamericano vermelho até o negro que parece ter o rosto embetunado.”16 

Niño Fidencio, exemplo de um fênomeno?

Em um contexto de praticamente completa desestrutura e desassistencia de saúde, como era o do norte do México no começo do século XX, deu origem a uma serie de outras personalidades que acreditava-se tinha o dom da cura. Claudia Agostoni Urencio cita uma serie desses líderes ou médicos espirituais em seu artigo sobre o tema. Entre eles estavam El Niño Marcialito, de Parras (estado de Coahuila), Juan Amador Sánchez de Torreón (também em Coahuila), que dizia ser “o verdadeiro portador dos conhecimentos para curar os enfermos”. Segundo a imprensa, após ser detido por “falhas em saude publica”, ele foi liberado devido ao “escandalo” que seus seguidores causaram na delegacia. 

Há também o caso do curandeiro José Natividade, indigena “da tribo tarahumara” atuante em Chihuahua e que receitava diferentes ervas para todo tipo de doenças “mesmo reumatismo, surdez, mal de sangue ou indigestão” e que suas ações “estavam competindo formalmente com aqueles de seu colega e vizinho: Fidencio Constantino.”17 

Conforme explica Frank Graziano, tanto o aparecimento de Nino Fidencio, como o de outros líderes de cura, estão fortemente relacionados ao contexto politico social mexicano:

“O sucesso de Niño Fidencio assim resultou de uma combinação de múltiplos fatores: um contexto de instabilidade e necessidade no pós guerra; um vácuo espiritual criado pela legislação anti Católica de Calles e a consequente greve da Igreja; os talentos de Fidencio como aquele cura, maximizados por seu ascetismo similar aos santos e sua dedicação altruísta; a doutrina espirita introduzida por Von Wernich, a experiencia místicas que solidificou a convicção de Fidencio em seu chamado; a extensiva cobertura jornalista e consequente visibilidade nacional; e o golpe de sorte que foi a visita do presidente, a qual redobrou o prestigio de Fidencio e fomentou a impressão de sua autenticidade.”18 

Reação governamental e reação católica

Tamanha fama e o crescente numero de pessoas doentes que se dirigiam e permaneciam na fazenda de Espinazo e arredores, chamou a atenção não apenas da imprensa e publico em geral mas das autoridades governamentais e membros da comunidade médica. O médico Felipe Brachett, por exemplo, foi um dos que alertaram para os possíveis perigos da concentração de pessoas em Espinazo. Natural do estado de Durango, Brachett afirmou que o que ocorria na fazenda era um perigo para a saúde publica de Nuevo León, para os estados próximos e mesmo para a fronteira entre o México e os Estados Unidos.19

Sem qualquer estrutura de acolhimento, com falta generalizada de agua e alimentos além da ausência de espaços apropriados para o enterro dos doentes que morriam no local sem alcançar a cura, Fidencio sofreu um processo do governo por exercer ilegalmente a arte de curar. O ano era 1929 e o Hipócrates Rústico foi defendido por José F. Guajardo, conhecido popularmente como “O Advogado Dinamite”.

Guajardo era estudioso do espiritismo e das ciências ocultas e havia sido defensor das curandeiras Zulema Moraima e Güera Eva. Extravagancia a parte, Guajardo argumentou que Fidencio apenas lançava mão de ervas curativas o que não configurava “exercício da medicina”. De fato, Niño Fidencio nunca se autodeclarou “médico” tão somente alguém com o “dom divino” de curar as pessoas. O processo foi abandonado.20 Sabe-se, no entanto, que Niño Fidencio chegou a ser preso ao menos duas vezes.21

A procura pelos serviços de Niño Fidencio permaneceram bem como o aparecimento de artigos em jornais e outras  publicações que denunciavam os problemas e riscos sanitários envolvendo os acontecimentos na fazenda Espinazo. Fidencio, por sua vez, se defendia das acusações e chegou a escrever cartas ao presidente Elías Calles pedindo sua intervenção contra “a inveja e malevolencia” dos que o acusavam.

Em uma delas, o Taumaturgo de Espinazo declarou: “Não foi possível me atacar no sentido de que exploro [os doentes], que faço propaganda, que minhas curas são ficticias, já que há uma infinidade de testemunhos, sem a necessidade de que eu manifeste, falam por mim, e precisamente por falta de provas justificadas, vêem se valendo de calunias para prejudicar quem nada fez.”22

Em 27 de maio de 1930, um homem desceu na estação ferroviária de Espinazo portando uma câmera e, como era comum naquela época, uma pistola. Seu objetivo era conhecer FidEncio e o que se passava na Meca da Dor. O homem não se identificou durante toda sua estadia, mas se tratava de Francisco Vela González, médico formado na Universidade de Havard, vice-presidente do Conselho de Saúde do estado de Nuevo León e delegado sanitário federal.23

Segundo o relatorio que Vela González escreveu, a situação da fazenda de Espinazo era insalubre. Pessoas com as mais diversas doenças, algumas contagiosas como a tuberculose, conviviam umas com as outras sem isolamento.24Vela González afirmou que pediu para que fosse levado até o curandeiro.

Quando o encontrou, Niño Fidencio estava vestindo “uma bata branca […] um lenço de ceda como ‘gravata’ […] alguns diamantes falsos no nó do lenço e um relogio de pulso. Calças brancas […] e descalço“. O médico incógnito então pediu para tirar uma fotografia, ao que o Niño Fidencio consentiu e posou “de bom grado” com seus ajudantes também vestido de branco. Vela Gonzalez disse então que seu unico objetivo era ver como e onde trabalhava Fidencio.25

Vela Gonzales detalhou que Fidencio dispunha de uma serie de diferentes métodos curativos, dos quais a administração de uma poção de ervas era apenas um. Em casos de sífilis, cegueira e lepra ele recorria à “hidroterapia”, os paralíticos, mudos e pessoas com problemas mentais eram tratadas pela “quinesiterapia” ou terapia por meio de movimentos. Niño Fidencio também cantava e rezava em determinadas ocasiões enquanto “curava” seus “pacientes”. Há registros de “cirurgias” efetuadas por ele com a utilização de pedaços de vidro apenas desinfetados com álcool. Casos em que as rezas e cantos tomavam a todos em uma catarse coletiva também foram observador por Vela Gonzales.26

O objetivo do doutor Vela Gonzalez era de enviar seu relatorio para o chefe do Departamento de Saude Publica e para o governo do estado de Nuevo León. Seu escrito porém acabou vazando e sendo publicado no periódico El Porvenir do estado de Nuevo León. O texto reitera a urgencia de se intervir e colocar fim às atividades de Fidencio na fazenda. Para ele, o chamado Hipócrates Rústico era claramente uma farsa: “Fidencio tem sido um expoente ridiculo de nossa ignorancia ante o mundo civilizado.”27 

Barbara Mackling e Ross Crumrine apontam algumas razões para que ações governamentais mais incisivas contra a situação da fazenda de Espinazo não tenham sido tomadas: “o governo observou o movimentou de Fidencio com inquietação, mas foi relutante em (1) atacar crenças tão profundamente arraigadas, (2) prejudicar interesses financeiros que estavam florescendo em Espinazo, e (3) por em risco os lucros crescentes que o governo estavam tendo em sua estrada de ferro que levava multidões de peregrinos para Espinazo.”28

A igreja católica, se iniciante não se opôs à atuação de Niño Fidencio, acabou por lhe repreender por outras atividades que não a cura e apoio a peregrinos. Sabe-se que o líder em determinado momento passou a administrar o sacramentos de batismo, confirmação, confissão, comunhão, casamento e mesmo extrema unção. Seu irmão, que também vivia em Espinazo, chegou a afirmar “qualquer um pode batizar uma criança desde que o faça em nome de Deus”. Nesse sentido, uma delegação, chefiada pelo arcebispo de Monterrey, visitou a Meca da Cura no ano de 1936 com o pedido/exigência de que Fidencio, como pessoa leiga, não administrasse os sacramentos aos seus “pacientes”. Ao que o líder aquisceu, pelo menos inicialmente.29

Veremos como o culto gerado por e ao redor da figura de Niño Fidencio nunca se opôs frontalmente à doutrina católica, mesmo se a acabasse por incluir práticas estranhas ao catolicismo e mais próxima do espiritismo como a viagem astral/espiritual. Fidencio e seus seguidores nunca se afastaram do catolicismo, apesar de terem se apropriado de maneira heterodoxas de seus preceitos, como no caso da administração dos sacramentos. A proximidade com um catolicismo particular por parte de Fidencio se deu também em sua representação retratísticas. 

Há uma imagem conhecida como “El Niño Guadalupano”, na qual o retrato de Fidencio se funde com as representações da Virgem de Guadalupe e do Sagrado Coração de Jesus. Imagem que circulava entre os fieis e era reforçada também pelo papel de Jesus que Fidencio desempenhava nas encenações da paixão durante a semana da Páscoa. Por causa disso, Fidencio também ficou conhecido como “o Cristo de Espinazo” fazendo com que muitos de seus seguidores mantivessem a crença de que ele seria uma reencarnação de Jesus.30

Filmes sobre Niño Fidencio

Com a agitação causada por tudo o que se passava na fazenda em que Niño Fidencio trabalhava, jornais correram para noticiar o que se passava em Espinazo. O interesse do público era crescente. A partir disso, filmes sobre Fidêncio foram produzidos e exibidos ainda na década de 1920. Um deles, “El Niño Fidencio e sus maravillosas Curaciones“, de Jorge Stahl, foi exibido em fevereiro de 1928 nos cinemas Salón Rojo, Mundial, Isabel, Teresa, San Rafael, Rivolí e Monumental da Cidade do México.31 A filmagem “El campo del dolor”, editada por Eduardo Martorell incluindo cenas reais gravadas na fazenda de Fidencio comoveu seus espectadores.32

Morte do Niño Fidencio

A saúde de Niño Fidencio começou a decair a partir de 1936 ou 1937. Até esse ano, ele permaneceu atendendo e curando aqueles que o procuravam. Em 19 de outubro de 1938, Niño Fidencio morreu. Barbara Mackling e Ross Crumrine nos informam que, oficialmente, a causa da morte de Niño Fidencio foi uma “febre”, mas que seus seguidores disseram que o líder faleceu de “exaustão.”33

A morte de Niño Fidencio não colocou um ponto final às história de milagres que o tornaram célebre em vida. Há a narrativa, por exemplo, que sua presença e atuação em ajuda aos pobres lhe tornou alvo da ira de médicos. Uma clínica teria contratado assassinos de aluguel para eliminar Fidencio que, sobrenaturalmente, soube da emboscada. Mesmo cercado, as armas dos matadores não dispararam. Em outras narrativas, Fidencio não sucumbia à tentativa de envenenamento pois o veneno não surtia efeito. Nessas história López de la Fuente e mesmo sua esposa são muitas vezes apontados como cumplices dos inimigos do santo.34

Tais histórias, em conjunto com uma foto do cadáver de Niño Fidencio, deram origem à narrativa de que o líder teria de fato sido morto por médicos. Na foto, conforme nos dá conta Graziano, duas pessoas com mascara cirúrgicas, aparecem estar abrindo a garganta de Fidencio. A foto provavelmente foi tirada durante o procedimento de embalsamamento. Muitos devotos, no entanto, acreditam que, naquele momento, o santo ainda não havia morrido. Antes de morrer, Niño Fidencio afirmava que tinha a habilidade de fazer visitas espirituais a pacientes muitos distantes de Espinazo. Nessas viagens, seu corpo ficava como adormecido ou morto, enquanto seu espírito e consciência, viajavam longas distancias por horas e mesmo dias. 

Conta-se que em uma dessas ocasiões, mesmo consciente de que Fidencio “retornaria” ao próprio corpo, a esposa de López de la Guente chamada Consuelo Villareal, ou o próprio, ordenou o embalsamamento de Fidencio ao que os médicos concordaram com entusiasmo.35 Quando os mesmo abriram o corte na garganta do curandeiro, o mesmo teria aberto os olhos e, olhando Consuelo fixamente, perguntou: “Mamãe, o que você está fazendo? Eu não te disse para não fazer nada”.

Ele ainda disse que sua missão ainda não estava cumprida e morreu. Os elementos típicos de uma hagiografia da Legenda Aurea ainda aparecem nos relatos que dizem que devotos teriam colhido o sangue de Fidencio como reliquia e que os doutores assassinos morreram pouco tempo depois.36

A data então se tornou ocasião de peregrinação que continua até os dias atuais. Os chamados “fidencistas” se dirigem à fazenda do Espinazo no aniversário da morte de Fidencio em busca de cura e ajuda.37

O Culto de Niño Findencio na contemporaneidade

Barbara Mackling e Ross Crumrine, escrevendo em 1973, reportam que em visita a Espinazo no ano de 1969, um assistente de Fidencio ainda viviam no local. O assistente contou uma ocasião na qual, tarde da noite. quando todos já haviam se retirado, niño Fidencio conversava com seus colaboradores mais proximos. Em determinado momento, o líder pareceu ter caído no sono, mas quando voltou a si disse: ” ‘Esse lugar é especialmente abençoado, e todos nós aqui somos abençoados.’ Nós concordamos. ‘Sim, menininho, mas por que você diz isso agora?’ E ele respondeu, ‘Porque Jesus acabou de passar da porta da cozinha para a janela”38

Uma pequena cerca, conforme nos dão conta os pesquisadores, marca essa janela especifica a qual é considera sagrada pelos peregrinos. 

Não apenas ver Jesus, mas falar com o profeta era um das habilidades que Fidêncio afirmava ter além de, conforme já apontamos, deixar o próprio corpo e viajar para outros lugares.39

Os pesquisadores também nos dão conta da atmosfera geral das chamadas fiestas que ocorrem em homenagem a Niño Fidencio no dia 17 de outubro (seu nascimento) e no dia 19 (sua morte). Espinazo, que conta com pouco mais de 300 habitantes, recebe 15 mil pessoas nessas datas, entre peregrinos, fieis e visitantes. O comércio local é aquecido e barracas de comidas e bebidas são montadas para dar conta da demanda. Alguns fieis chegam ao local ajoelhados, pagando promessas, carregando bandeiras em homenagem ao, hoje, considerado santo. 

Há ainda procissões, danças e fogos de artificio, e, conforme as palavras dos pesquisadores, alguns “indivíduos caem em transe, possessos por vários espíritos mas principalmente aquele de Fidencio. Uma pomada, semelhante àquela que se fazia na época de Fidencio e que era administrada a seus doentes, é fornecida e muitos fieis a utilizam. Muitos dos participantes da festa levam para casa garrafas cheias com a lama do pequeno lago no qual o santo, acredita-se, curou muitas pessoas. Os fieis também trazem pequenos frascos com óleo, os quais depositam na sepultura do santo e tomam de volta, “ungidos”.40

Frank Graziano nos dá conta que fora de Espinazo, muitos são os médium que afirmam incorporar o espírito de Niño Fidencio e muitos outros líderes e santos populares do passado. O pesquisador relata em artigo sua visita à casa do médium Alberto que incorpora o espírito de Fidencio em seu Consultorio Espiritual del Niño Fidencio localizado em Edinburg, Texas.41

Apesar de ter fincado raízes na paisagem religiosa mexicana, o culto a Niño Fidencio ainda é alvo de críticas e recriminações atualmente, como o era quando seu líder ainda era vivo. Francesco Gervasi, em artigo sobre o tratamento dado pela mídia a alguns cultos populares no México, notou que Niño Fidencio permanece, mesmo de pois de quase um século, como um personagem descriminado.

Entre as falas de autoridades católicas e colunistas, Gervasi recolhe uma – de um artigo publicado no jornal Excelsior de 2011 reportando uma lista de santos “piratas” emitida pela igreja católica – que aproxima o Hipócrates de Espinazo a outras manifestações de religiosidade popular, todas vistas de uma maneira invalidadora. Em um pequeno trecho do artigo pode-se ler: “Assim, fica claro que não pertencem ao seleto grupo de quem devem estar nos altares Jesús Malverde, conhecido como o “santo dos narcotraficantes”, Juan Soldado, o Nino Fidencio, La Cabora e muito menos a Santa Muerte42

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Bibliografia

AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. DOI: https://doi.org/10.15446/achsc.v45n1.67557.

GERVASI, Francesco. “El Fidencismo es Superstición Popular, Mito, Hipnosis, Semireligión”: La Imagem “Deteriorada” de la Devoción Hacia el Niño Fidencio en Sitio de Noticias Mexicanos.Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Campinas, e019015, 2019. Aqui.

GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006.

MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. Disponível no jstor

SCHAHRER, Emily, “La Virgen María y el Niño Fidencio: un análisis literario y cultural de figuras veneradas” (2020). World Languages and Cultures Student Papers and Posters. 2. https://digitalcommons.chapman.edu/language_student_work/2

Referências

  1. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 90. ↩︎
  2. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 91. ↩︎
  3. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 226. ↩︎
  4. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 192. ↩︎
  5. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 193. ↩︎
  6. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 193. ↩︎
  7. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 91. ↩︎
  8. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 227. ↩︎
  9. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 227. ↩︎
  10. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 195. ↩︎
  11. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 227. ↩︎
  12. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 98. ↩︎
  13. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 229. ↩︎
  14. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p.230. ↩︎
  15. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 230. ↩︎
  16. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 228. ↩︎
  17. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 234. ↩︎
  18. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 196-197. ↩︎
  19. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 235-236 ↩︎
  20. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 238. ↩︎
  21. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 197. ↩︎
  22. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 239. ↩︎
  23. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 236. ↩︎
  24. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 236. ↩︎
  25. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 237. ↩︎
  26. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 237. ↩︎
  27. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 237. ↩︎
  28. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 103.
    ↩︎
  29. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 97.
    ↩︎
  30. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 105. ↩︎
  31. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 233. ↩︎
  32. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 233. ↩︎
  33. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 104. ↩︎
  34. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 198. ↩︎
  35. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 198. ↩︎
  36. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 199. ↩︎
  37. AGOSTONI URENCIO, Claudia Amalia, “Ofertas médicas, curanderos y la opinión pública: el Niño Fidencio en el México posrevolucionario”, Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, v. 45, n. 1, enero-junio de 2018, p. 215-243. p. 239. ↩︎
  38. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 98. ↩︎
  39. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 100. ↩︎
  40. MACKLIN, Barbara June. CRUMRINE, N. Ross.Three North Mexican Folk Saint Movements. Comparative Studies in Society and History, Vol. 15, No. 1 (Jan., 1973), pp. 89-105. p. 100. ↩︎
  41. GRAZIANO, Frank. Cultures of Devotion: Folk Saints of Spanish America. Oxford University Press, 2006. p. 202-203. ↩︎
  42. GERVASI, Francesco. “El Fidencismo es Superstición Popular, Mito, Hipnosis, Semireligión”: La Imagem “Deteriorada” de la Devoción Hacia el Niño Fidencio en Sitio de Noticias Mexicanos. 
    Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Campinas, e019015, 2019. p. 18. ↩︎
Retrato de Niño Fidencio
Nascimento: 1898
Origem: Guanajuato, México
Ocupação: Líder, curandeiro, religioso

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