Sonho e Pressentimento é um quadro pintado pela artista mexicana María Izquierdo em 1947. Rotulada como artista surrealista por seus contemporâneos e mesmo pela critica atual, essa é sua única obra que foi baseada de fato em um sonho.
Apesar de ter feito uma parceria com o poeta e membro do grupo surrealista Antonin Artaud, que chegou a levar pinturas de Izquierdo para Paris e organizar uma exposição, a pintora mexicana nunca se entendeu como artista realmente ligada ao surrealismo parisiense. Sobre isso, Izquierdo afirmou: “Há dois tipos de pintura: mental e emocional. Surrealismo é feito na mente, e eu pinto emocionalmente“.1
Afirmação que a aproxima de sua colega e compatriota Frida Kahlo, que se por um lado participava de exposições com o grupo, não subscrevia totalmente a cartilha e os preceitos do papa do Surrealismo, André Breton. É conhecida hoje a frase de Frida em que ela reforça a essência de seu estilo quando diz que nunca pintava sonhos, mas apenas sua realidade.

Sabe-se que em 1947, após um pesadelo, María Izquierdo deu início a seu Sonho e Pressentimento. A paisagem noturna com o céu encoberto, em conjunto com as árvores sem folhas e cortadas criam uma atmosfera desconfortável e mesmo ameaçadora. Para Nancy Deffebach, a figura na janela é a da artista ela mesma, segurando a sua própria cabeça.2
A pesquisadora também acrescenta outro detalhe que particulariza Sonho e Pressentimento: ele foi um dos poucos quadro que María Izquierdo preferiu fazer um esboço preliminar em papel, em vez de se lançar diretamente na tela. O que leva Deffebach a afirmar que aqui se trata de um “desejo de reproduzir uma imagem exata de um sonho”.3
Apesar de tais particularidades, Sonho e Pressentimento compartilha com uma série de outras obras de Izquierdo a retratação de mulheres em um contexto sombrio de destruição e desesperança. Quadros como Alegoria do Trabalho e Alegoria da Liberdade pouco ou nada tem do caráter heroico ou inspirador que tais temas possam evocar.
Em um, uma personagem feminina é posta sentada no chão, oprimida pelo o que parecem ser duas pernas vindas do céu, e no outro, um anjo voa pelos céus carregando três cabeças pelos cabelos em outro exemplo do tema da decapitação.
Sonho e Pressentimento e a revolução Mexicana
Robin Greeley, por outro lado, conecta Sonho e Pressentimento, a uma interpretação do México pós revolução própria à María Izquierdo, a qual se afasta do tom otimista e celebratório de artistas como Diego Rivera, por exemplo. Em seu artigo, podemos ler: “o trauma é retrato dentro da obra, em camadas visuais de significado que reverberam do pessoal para o nacional: a cabeça decapitada de Izquierdo é visualmente e metaforicamente ligada às árvores desenraizadas que flutuam para fora da janela, seguindo o imóvel.
Além disso, a figura de seu corpo decapitado se repete ao lado dos tocos de árvores de uma maneira que liga o destino pessoal da artista àquele de seu país.”4 Greely compara Sonho e Pressentimento à obra de outro artista o qual, apesar de mais conhecido e reconhecido que Izquierdo, também tinha uma visão pouco romântica tanto dos anos de revolução quanto de seus resultados para a maioria da população: Clemente Orozco.
Em seu A Casa Branca, bem como em Sonho e Pressentimento de Izquierdo, “tais motivos [do destino pessoal e nacional] são aproximados e focalizados pelas paredes totalmente brancas dos prédios, recuando poderosamente à distancia”.5
O estilo sombrio e por vezes mesmo irônico de Orozco – seus murais no Colégio San Ildefonso respiram “ambiguidade e sarcasmo” nas palavras de Rosa Turgeon6 – sua recusa em pintar o México em que vivia apenas com cores festivas e otimistas, fez com que o artista nunca recebesse o mesmo número de encomendas que Diego Rivera. María Izquierdo, para além de questões de estilo, era uma artista mulher trabalhando no México da primeira metade do século XX. A única encomenda de mural que recebeu foi alvo de protestos tanto de Rivera quanto de Orozco, de modo que o governo retirou a oferta.
Sonho e Pressentimento: obra premonitória?
Para os que acreditam em premonição e destino, Sonho e Pressentimento faz parte de uma certa lista de obras de arte relacionadas a acidentes e mortes. Diz-se que o quadro foi um presságio do derrame que Izquierdo sofreu em fevereiro do ano seguinte.
Como sequelas a artista ficou incapacitada de falar e de mover o lado direito de seu corpo. Destra, a pintora teve que reaprender tais habilidades. A primeira obra que conseguiu terminar após a doença foi uma imagem de Nossa Senhora: Dolorosa con Trigo de 1948.
Artigos Relacionados
Bibliografia
DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad. Revista de Humanidades Universidad EAFIT – Departamento de Humanidades ISSN1794-5887e-ISSN2539-1208. Vol.15, No. 29 (julio-diciembre) 2018. Medellín Colombia. Disponível no academia da autora.
GEIS, Terri. The Voyaging reality: María Izquierdo and Antonin Artaud, Mexico and Paris. Paper of Surrealism. Issue 4. Winter 2005. Disponível no academia.eu da autora.
GREELEY, Robin Adèle. Painting Mexican Identities: Nationalism and Gender in the Work of María Izquierdo. Oxford Art Journal, Vol. 23, No. 1 (2000), pp. 51-71. Disponível no Jstor.
TURGEON, Rosa. Le Muralisme et la Reconstruction de l’Imaginaire National Mexicain. Maîtrise en sociologie. Université du Québec à Montréal. 2010. Aqui.
Referências
- GEIS, Terri. The Voyaging reality: María Izquierdo and Antonin Artaud, Mexico and Paris. Paper of Surrealism. Issue 4. Winter 2005. p. 8. ↩︎
- DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad. Revista de Humanidades Universidad EAFIT – Departamento de Humanidades ISSN1794-5887e-ISSN2539-1208. Vol.15, No. 29 (julio-diciembre) 2018. Medellín Colombia. p. 31. ↩︎
- DEFFEBACH, Nancy; Co-herencia. María Izquierdo – Arte puro y mexicanidad. Revista de Humanidades Universidad EAFIT – Departamento de Humanidades ISSN1794-5887e-ISSN2539-1208. Vol.15, No. 29 (julio-diciembre) 2018. Medellín Colombia. p. 32. ↩︎
- GREELEY, Robin Adèle. Painting Mexican Identities: Nationalism and Gender in the Work of María Izquierdo. Oxford Art Journal, Vol. 23, No. 1 (2000), pp. 51-71. p. 71. ↩︎
- GREELEY, Robin Adèle. Painting Mexican Identities: Nationalism and Gender in the Work of María Izquierdo. Oxford Art Journal, Vol. 23, No. 1 (2000), pp. 51-71. p. 71. ↩︎
- TURGEON, Rosa. Le Muralisme et la Reconstruction de l’Imaginaire National Mexicain. Maîtrise en sociologie. Université du Québec à Montréal. 2010. p. 90.
↩︎