Entre 1902 e 1904, Tarsila estudou no internato Sacré-Coeur em Barcelona. Em 1906, ela se casa e tem sua única filha, Dulce. Sua união com André Teixeira Pinto, porém, foi mal sucedida. Seu marido, mesmo estando legalmente casado, já se envolvia com aquela que seria sua segunda esposa e tinha filhos.
Tarsila, então, se separou de André Pinto, contrariando tanto sua família quanto às expectativas sócio-familiares do início do século XX. Em 1913, ela se muda para São Paulo.
Sua formação artística se iniciou ainda no Brasil. Em 1916, Tarsila estudou escultura com Zadig e Mantovani no Rio de Janeiro. No ano seguinte, de volta a São Paulo, ela se dedicou ao desenho sob a orientação de Pedro Alexandrino. É nessa época que ela conhece sua amiga – e segundo alguns, rival – Anita Malfatti. O contato com Anitta, já imersa nas concepções estéticas modernas, iniciaria o interesse de Tarsila por esse movimento, bem como as mudanças em seu estilo. O período de aprendizado junto de Georg Elpons também encorajaria tal processo.
Retrato de Tarsila do Amaral dos anos 1920. Fonte: site oficial. Tarsila em sua exposição em Paris de 1926 ao lado de Morro de Favela. Fonte: revista Marie Claire.
Quando se mudou para Paris, Tarsila do Amaral primeiro se matriculou na Académie de Julian Rodolpho Julian. Posteriormente, ela passa a estudar sob a orientação Émilie Renard. Tarsila retorna para o Brasil em 1922 mas viaja novamente para Paris dali alguns meses, em 1923 para estudar com Fernand Léger, e Gleizes. Naquele ano, a pintora teria ainda mais contato com as tendências culturais europeias em voga, as quais valorizavam manifestações artísticas nativas locais.
A artista paulista abraçou tal projeto com entusiasmo, conforme podemos ler em uma carta à sua família de 19 de abril daquele ano:
Sinto-me cada vez mais brasileira: quero ser a pintora da minha terra. Como agradeço por ter passado na fazenda a minha infância toda. As reminiscências desse tempo vão se tornando preciosas para mim. Quero, na arte, ser a caipirinha de São Bernardo, brincando com bonecas de mato, como no último quadro que estou pintando.1
Nos poucos meses entre 1922 e 1923 que Tarsila permaneceu no Brasil, ela conheceu – por meio de sua Anita Malfatti – os outras artistas e intelectuais com os quais as duas formariam o famoso “Grupo dos Cinco”: Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia. É nesse ano que ela passa a ser orientada por André Lhote e desenvolve seu estilo tão característico. Quando de seu retorno, em 1923, Tarsila viveria um romance secreto com Oswald de Andrade, seu segundo companheiro.
Foto de Tarsila do Amaral de 1924. Fonte: ArteBrasileiros. Autorretrato (manteau rouge) de 1923. Fonte: ItaúCultural.
Naquela época, Tarsila aguardava a anulação de seu primeiro casamento, processo demorado que se concretizou apenas devido à forte influência política e social da família, em especial, do pai de Tarsila.2Seu casamento com Oswald de Andrade, em 1926, contou com a presença de membros da elite brasileira, como o presidente Washington Luís e o governador de São Paulo Júlio Prestes.
Em 1924, ocorreu sua longa viagem até o Rio de Janeiro – onde participou do carnaval – e pelo interior de Minas Gerais acompanhada de seu grupo de amigos e colegas de ofício. Reconhece-se que tal viagem teve um grande peso para o amadurecimento da artista e colaborou em grande medida para o surgimento do seu estilo chamado “Pau Brasil”. Sobre essa época na carreira de Tarsila, pode-se ler no estudo O espaço social representado nas obras de Tarsila do Amaral (1886 – 1973): “Suas obras nesse período refletem temas tropicais brasileiros, a exaltação da fauna, da flora, das máquinas, dos trilhos, revelando os símbolos da modernidade urbana que contrastavam com a riqueza e diversidade natural de todo o país.“3
Na biografia de Tarsila do Amaral escrita por Aracy Amaral temos acesso às palavras da própria artista no tocante à viagem e a influência que ela teve em sua arte:
Minha pintura a que chama de Pau-Brasil, teve sua origem numa viagem a Minas, em 1924, com Dona Olívia Guedes Penteado, Blaise Cendrars, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Gofredo da Silva Telles, René Thiollier, Oswald de Andrade Filho, então menino, e eu.
O contato com a terra cheia de tradições, as pinturas das igrejas, e das moradias daquelas pequenas cidades essencialmente brasileiras – Ouro Preto, Sabará, São João Del Rei, Tiradentes, Mariana e outras, despertaram em mim o sentimento de brasilidade. Datam dessa época as minhas telas, Morro da Favela, Religião brasileira e muitas outras que se enquadram no Movimento Pau-Brasil.4
Retrato de Oswald de Andrade feito por Tarsila em 1923. Fonte: Itaúcultural. Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade a bordo de um navio na década de 1920. Fonte: O Globo.
A primeira exposição individual de Tarsila do Amaral aconteceu em 1926 na galeria Percier em Paris. Na ocasião ela expôs as obras A Negra (1923), Autorretrato (manteau rouge) de 1924, São Paulo (1924), Morro de Favela (1924) e Lagoa Santa (1925).
A pintora contou com a colaboração de seu amigo Blaise Cendrars que escreveu os poemas constantes do catálogo: “Debout”, “La ville se réveille”, “Klaxons Électriques”, “Menu Fretin”, “Paysage”, “Saint-Paul”. Além dos poemas, Blaise Cendrars também auxiliou Tarsila na escolha do local da exposição e em alguns outros pontos de organização da exposição.5
A parceria entre Anita e Cendrars se aprofundou ainda mais no contexto da exposição. O poeta suíço declarou à pintora em carta daquele ano: “Eu xingarei todo mundo se toda Paris não disser que Tarsila tem talento, que ela é a mais bela e maior pintora dos dias de hoje“6.Das críticas que a exposição recebeu, destacamos aquela da Vogue que “fala de pinturas com visões plenas de ingenuidade e frescor, ressaltando o exotismo e a luz de terras longínquas”.7
Tarsila do Amaral, O Abaporu e o movimento antropofágico
É já bem conhecida a história da origem daquele que é o quadro mais famoso de Tarsila do Amaral, senão a obra de arte de uma artista brasileiro mais famosa mundialmente. Terminada no dia 11 de janeiro de 1928, o Abaporu foi dado para Oswald de Andrade. O poeta, muito impressionado, ligou sem demora ao amigo Raul Bopp e convidou-o para ir imediatamente ver a obra.
Oswald se ateve à postura do personagem e disse que se tratava de um homem “plantado na terra” enquanto, segundo Tarsila, Alfredo propôs “criar um movimento” em torno do quadro. O próximo passo foi nomear o quadro e para isso os dois modernistas lançaram mão do dicionário de tupi-guarani do pai de Tarsila e deram o nome à pintura brasileira que está entre as mais célebres do mundo: Abaporu. Aba: homem; poru: que come.
O movimento ficaria marcado para sempre na história cultural do Brasil. No mês de maio daquele mesmo ano, Oswald lançaria seu Manifesto Antropofágico – cujo título original era Manifesto Antropófago, alguns meses depois. Nele, o poeta expressou por meio de diversos aforismos sua visão da arte brasileira e a capacidade dela de absorver/digerir – canibalizar – outras referências artísticas no processo de produzir suas próprias manifestações e obras. O quadro causou reações das mais diversas, assim como o faz ainda hoje.8
Tarsila do Amaral e a difícil década de 1930: a fase social
Em 1929 acontece a primeira exposição individual de Tarsila do Amaral no Brasil, no Palace Hotel do Rio de Janeiro. A essa, se seguiu a exposição no Salão da Glória em São Paulo. No ano seguinte ela ainda expõe em Nova Iorque e Paris. A partir da quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, a vida de Tarsila mudaria para sempre. A fortuna de sua família, baseada na produção e exportação de café, sofreria perdas irrecuperáveis.
As constantes e longas viagens e hospedagens em Paris se tornaram raras. Seu casamento com Oswald chegaria ao fim após o envolvimento do poeta com a escritora e militante Patrícia Rehder Galvão, a Pagu. Os dois, que vinham mantendo um caso por pelo menos mais de ano, se casaram em primeiro de abril de 1930, quando a escritora já estava grávida de seu primeiro filho.
Foto de Tarsila do Amaral com um par de brincos longos, uma das marcas de seu estilo. Fonte: perfil do Museu de Luxemburgo.
Por algum tempo, Tarsila assumiu a direção da pinacoteca do Estado de São Paulo. Nessa época, conheceu Osório César, jovem psiquiatra que viria a ser o seu terceiro companheiro. O casal viaja, no ano seguinte, para Moscou. A viagem e o contato que Tarsila teve com o ideário comunista passam a influenciar seu trabalho e seus interesses. Não por acaso, obras como Operáriose Segunda Classe surgem apenas dois anos depois, em 1933. Ambas as obras compõem os que os críticos denominam de período da Pintura Social de Tarsila.
No entanto, essa viagem à União Soviética, bem como sua presença em reuniões de grupos de esquerda, rendem à Tarsila Amaral um mês de prisão no Presídio do Paraíso, no contexto da Revolução Constitucionalista em São Paulo. Por intermédio de sua cunhada, ela consegue ser liberada. Em 1932, ela ilustra um livro escrito por Osório chamado Onde o Proletariado Dirige. Os dois se separam em seguida.
Em 1935, ela se muda para o Rio de Janeiro. Tarsila então iniciou um relacionamento com Luís Martins, diretor do arquivo do Estado, que durou 18 anos. Porém, o fato de Martins ser mais novo e do casal nunca ter oficializado a união, fez com que a família da artista se afastasse dela. Seus irmãos a ignoravam e um deles ameaçava recebê-la a chicotadas caso Tarsila ousasse entrar em sua fazenda.9 De 1936 até 1950, Tarsila do Amaral escreveu crônicas para o jornal Diário de São Paulo.
Tarsila do Amaral em foto de 1961 com sua obra Segunda Classe. Fonte: Folha.
Luís Martins acabaria se casando com uma parente distante de Tarsila do Amaral, Ana Maria, depois dos dois manterem um caso por mais de um ano. A pintora, no entanto, não parece ter guardado mágoas da prima e de seu ex companheiro, conforme afirmou em carta para ele:
“Ao despedir-me, com lágrimas e abraços, disse […] que, por mim, ela não desistisse da felicidade dela [Ela no caso é a própria Ana Maria, que enfrentava a forte oposição dos pais à sua relação com o companheiro da prima]” e a Luís Martins, na mesma carta, “Aí vai m/ coração c/ o maior carinho. Sou sua grande e incondicional amiga. Nada peço para mim“.10
Ela vivia então com sua filha Dulce com quem compartilhava o gosto pelas artes e cultura. Dulce havia se mudado para a casa da mãe após ter perdido sua única filha Beatriz do Amaral em um afogamento. A partir de 1950, Tarsila revisitou uma série de temas que havia desenvolvido décadas antes. As pinturas desta época compõe o que os críticos chamam de período do neo-paubrasil. O quadro Fazenda pertence a esse estilo. Tarsila ainda passaria pela grande tristeza de perder sua filha Dulce em 1966, vítima de diabetes. A partir daí a pintora foi visitada e cuidada por sua sobrinha Helena. Ela faleceu em 1975.
ARVELOS, Larissa. O espaço social representado nas obras de Tarsila do Amaral (1886 – 1973): a constituição da modernidade no Brasil sob a ótica da Geografia. Monografia de conclusão de curso. Uberlândia. 2017. Aqui
AVELINO, Yvone Dias et all. Arte Urbana e Reminiscências Rurais na Obra de Tarsila do Amaral. Proj. História, São Paulo, (19), nov. 1999. Aqui
ARAUJO, Natalia Aparecida Bisio de. O Diálogo entre a poesia e pintura nas obras de Blaise Cendrars e Tarsila do Amaral. Congresso internacional da ABRALIC – Circulação, Tramas e Sentidos. 2018. Aqui
GREET, Michelle. Devouring Surrealism: Tarsila do Amaral’s Abaporu, Papers of Surrealism, n.11, 2015, pp.1-39.
LIM, So Ra. Da Imagem à Palavra: medo e ousadia em Hye Seok Rha, Tarsila do Amaral e Frida Kahlo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2005. Aqui.
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Referências
Tarsila em carta para sua família. Amaral, (1975). Aracy Amaral, Tarsila, sua obra e seu tempo, São Paulo, (1975) 2003. ↩︎
LIM, So Ra. Da Imagem à Palavra: medo e ousadia em Hye Seok Rha, Tarsila do Amaral e Frida Kahlo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2005. Todo o item 2.2.1 A carta de amor entre Tarsiwald. ↩︎
ARVELOS, Larissa. O espaço social representado nas obras de Tarsila do Amaral (1886 – 1973): a constituição da modernidade no Brasil sob a ótica da Geografia. Monografia de conclusão de curso. Uberlândia. 2017. p. 36. ↩︎
AVELINO, Yvone Dias et all. Arte Urbana e Reminiscências Rurais na Obra de Tarsila do Amaral. Proj. História, São Paulo, (19), nov. 1999. p. 104. ↩︎
RIBEIRO, Maria Izabel Branco. Tarsila: modernismo e moda nos anos 1920. NAVA. Vol. 1, n.1, julho/dezembro, 2015. ↩︎
ARAUJO, Natalia Aparecida Bisio de. O Diálogo entre a poesia e pintura nas obras de Blaise Cendrars e Tarsila do Amaral. Congresso internacional da ABRALIC – Circulação, Tramas e Sentidos. 2018. p. 2590. ↩︎
RIBEIRO, Maria Izabel Branco. Tarsila: modernismo e moda nos anos 1920. NAVA. Vol. 1, n.1, julho/dezembro, 2015. p.123. ↩︎
GREET, Michelle. Devouring Surrealism: Tarsila do Amaral’s Abaporu, Papers of Surrealism, n.11, 2015, pp.1-39. ↩︎
LIM, So Ra. Da Imagem à Palavra: medo e ousadia em Hye Seok Rha, Tarsila do Amaral e Frida Kahlo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2005. p. 231 nota 377. ↩︎
LIM, So Ra. Da Imagem à Palavra: medo e ousadia em Hye Seok Rha, Tarsila do Amaral e Frida Kahlo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2005. p. 237. ↩︎